quinta-feira, 27 de julho de 2023

Um nostálgico driblado



Semana passada o dia do futebol me fez nostálgico. Não duvido da perenidade do jogo como fez o escritor Graciliano Ramos nos idos da década de 1920, quando afirmou que se tratava de 'fogo de palha". Uma moda passageira, importada e sem futuro. É tarde demais para isso, e não é o caso.  Não acho que o jogo corra algum risco no sentido de se ver lá pra frente despido de importância. Mas uma coisa me parece óbvia e já tive a oportunidade de dizer aqui. Imagino o futuro dele cada vez mais parecido com o de modalidades endinheiradas. Como o golfe ou o tênis. Em outras palavras, capaz de seguir gerando cifras cada vez maiores, produzindo ídolos. E por tabela despertando o interesse e a cobiça de conglomerados pra lá de endinheirados. 

A nostalgia vem do que, na minha opinião, fez o futebol realmente valoroso e que o tempo vai transformando, desgastando. No fundo o segredo do sucesso do jogo foi certa simplicidade. Essa coisa que parecia ofertada a todos e que na minha geração fazia dele a brincadeira preferida da garotada. E é disso que falo. Dessa alma transformada do jogo de bola. E daí nasceu o sentimento que divido com vocês agora. Penso que se alguém quiser fazer alguma coisa verdadeiramente nobre para o futebol deveria pensar em ações que resgatassem essa veia popular dele, aquela onipresença vista décadas atrás. Semear campos pelos bairros. O que seria também uma maneira de desafiar essa  apatia que se abate sobre a criançada seduzida por telas onde as caneladas e divididas doídas inexistem. 

O futebol continuará aí como já disse. Tal qual o filho de um nobre de cofres polpudos cujas gerações vindouras se fazem protegidas por lucros e afins. O que eu falo é do viés humano que fez o futebol vir a ser o que é. Algo que o mercado e os homens com sua astúcia não tardaram a transformar num grande negócio. Deveria se pensar em ingressos com preços populares e cuja compra não obrigasse ninguém a ser um torcedor de carteirinha, um sócio torcedor. A sensação que tenho, às vezes, é a de que a realidade atual faz em muitos momentos que se tenha com o futebol um sentimento meio parecido com o de quem vê um produto caro na vitrine. Uma sedução que nasce mais da pompa e do que é espetacular do que propriamente do jogo. 

O custo dessa sensação, se eu fosse capaz de explicar, seria algo como vê-lo se afastando do que carrega de mais artístico. Tudo isso pode parecer sem sentido plantado neste meio de semana em que as semifinais da Copa do Brasil nos esquentam os ânimos. Ou se pensarmos não só em nós , mas nos italianos, nos argentinos, em todo o mundo que a essa hora vive e fala de futebol. Ou se pensarmos nas areias da praia nas tardes de sábado, e não apenas nelas, onde inúmeros campos continuam sendo desenhados e ganhando vida. Tudo alimentado por essa paixão que atravessa os tempos. Não se trata disso. 

Não resta dúvida de que o futebol pulsa e que nunca foi um fogo de palha como apontou Graciliano há um século. Falo do jogo como expressão de uma cultura. Do futebol como símbolo nosso , como o samba, o carnaval. Então, imagino a avenida. As noites em que se colocavam as cadeiras de praia na calçada e se varava madrugadas esperando os desfiles. Mas aí me cai a ficha. O carnaval também já não é o que era. Então, Como quem leva um drible percebo que essa nostalgia já não faz sentido. 

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