quinta-feira, 30 de julho de 2020

O inexorável da vida


Creio que exista algo no ofício de jornalista de rádio e televisão que ninguém até hoje foi capaz de decifrar, nem os teóricos, nem aqueles que exercem a profissão e sabem intuitivamente que estão dia após dia correndo atrás dessa coisa. Trata-se de uma engrenagem abstrata, uma capacidade, um dom talvez, capaz de transformar um homem de imprensa num comunicador grandioso. Algo que não se ensina e que faz o que é dito por ele ganhar uma penetração, um alcance, capaz de despertar a atenção  e o interesse dos que estão em acordo ou desacordo com o que foi posto em questão, não importa. É quase um magnetismo. De posse dessa qualidade chegam quase a prescindir de uma informação de peso. Bastam a estes a opinião, um olhar sobre o fato. 

Armando Gomes pertencia a esse time. Não por acaso. Trabalhou e conviveu com alguns dos maiores nomes da nossa crônica esportiva, gente que como ele fazia parte dessa nobre categoria de profissional. E havia, e creio haverá sempre, no perfil profissional de Armando Gomes um outro detalhe digno de nota. Sempre tive um pé atrás com aqueles que mesmo tendo desvendado tal segredo da comunicação acabam um tanto traídos pelo personagem que costuma nascer desse domínio. O que não era o caso do Armando. Era como se no fundo, no fundo, ele fizesse questão de  manter intacto um dos grandes dogmas da velha escola a que pertenceu. Cuidado que muitos ao longo do tempo não tiveram. Obra que soa ainda mais impressionante quando se leva em conta o amor, a devoção, a entrega que tinha pelo Santos e que jamais fez questão de esconder. 

Por falar em Santos, existe também um outro viés capaz de dar a Armando Gomes a dimensão merecida. Durante as últimas décadas que tenho me entregado ao ofício de jornalista duas questões ficaram muito claras. Uma é o tratamento dispensado pela imprensa da capital ao time da Vila Belmiro, considerado por muitos distante do merecido. A outra, diria mais unanime, é o respeito de que sempre desfrutou a crônica santista, lembrada infinitas vezes pela sua acidez crítica. Imagino que nem seja preciso recordar do que disse certa vez Millôr Fernandes para atestar que não há modo melhor de se aferir a qualidade do jornalismo ali praticado. Mas, aos que por ventura tenham esquecido ou não sabido, Mestre Millôr dizia que imprensa é oposição, o resto armazém de secos e molhados. 

E ainda que a crônica esportiva santista tenha tido outros nomes de elogiável envergadura, Armando Gomes era nestes dias que correm o seu expoente maior.  E por todo o significado que o tempo há de lhe dar, guardarei muito bem comigo as lembranças das vezes - não foram muitas - em que tive o prazer de ser convidado a participar do seu emblemático Esporte por Esporte. Nas mais recentes sempre tratando dos detalhes com outra grande figura, o radialista, Silvio Ruiz, o verdadeiro. E então, me vem a lembrança da voz de Armando Gomes chamando o quadro a "Máquina do tempo, o inexorável da vida" , e vislumbro nela outro traço que costuma distinguir os bons jornalistas: a reverência pela memória. E se hoje uso esse adjetivo para intitular esta singela homenagem é por ter a certeza de que a história dele, a sua importância, não se poderá subtrair. 

Nenhum comentário: