quinta-feira, 5 de março de 2020

O futebol não tem cura

                                       


Em matéria de futebol sou um cético absoluto. Não falo do jogo jogado. Falo das engrenagens que o movem. Pra dar uma ideia do tamanho do meu ceticismo sou o tipo que torce o nariz toda vez que ouve alguém tratar com entusiasmo a administração flamenguista. Apontada aqui e ali como exemplo. Mas sobre ela pesa um entusiasmo que considero não combinar com um clube cuja dívida no ano passado passou de 382 para 501 milhões. Pode existir um sem fim de argumentos para dizer o contrário e uma fieira de títulos para servir de amparo. Os rubro negros que me perdoem, andam surfando uma onda incrível. E eu posso ser um cético incorrigível mas não sou de cortar o barato de ninguém. 

Se escrevo é por saber que o que vai nestas linhas não terá esse poder. Pois uma coisa é o que se dá entre as quatro linhas, outra o que se passa além delas. Nos corredores do Câmara, do Senado, em restaurantes caros, nos escritórios de Federações, nos gabinetes das Confederações e nas salas de mega empresários. Um mundo ao qual o torcedor de verdade não pertence. A eles é dado o circo e ponto. 

A verdade é que ao longo dos últimos anos vimos um sem fim de projetos. Todos acobertando no ventre a possibilidade de refinanciamentos generosos para as dívidas dos clubes. Iniciativas que não deram certo e que estiveram longe de serem honradas pela maior parte deles. Agora outro projeto está a caminho.  Semana passada o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia,  cumprindo agenda na Espanha, esteve com o homem forte da Liga Espanhola para tratar do assunto.  O país ibérico pode ter experiência a respeito mas está longe de ser um exemplo. Promulgou uma lei no final dos anos noventa que obrigava os clubes com saldo patrimonial líquido negativo a se tornarem Sociedades Anônimas Esportivas. Condição que os gigantes Real e Barcelona conseguiram driblar, como conseguiram driblar altos impostos por terem se mantido como associações. Atualmente, três décadas depois o que se vê por lá são denúncias de sonegação fiscal, corrupção, dívidas gigantescas dos clubes com a União.  

Fiz questão de ouvir o advogado Rodrigo Monteiro de Castro, que redigiu  o projeto que está no Senado. Em breve, depois do retorno de Rodrigo Maia o tema  deve esquentar.  Sobre o projeto aprovado em regime de urgência na Câmara, portanto, sem passar pelas Comissões Temáticas, Monteiro de Castro diz que houve algum avanço. Nas primeiras versões, consideradas  por ele vergonhosas, aspectos importantes caíram mas ainda há problemas seríssimos, que podem facilitar a adoção de medidas drásticas pelos clubes, à conta do Estado e dos credores privados, sem a imposição de contrapartidas estruturais relacionadas à governança e ao controle dos atos dos dirigentes e, principalmente, sem a mudança dos centros de poder. 

No Senado uns querem Romário, desafeto da CBF, como relator, o que está longe de ser unanimidade. À parte toda pressão externa noticiou-se que o Presidente do Senado  só levará o tema a plenário  quando houver consenso em relação ao modeloComo bom cético digo que é coisa que só acredito vendo. E olhe lá. Mas mesmo os que não são céticos sabem que em se tratando de futebol quem está ganhando nunca vê razão pra mudar.  E quem está ganhando desde sempre é quem decide a questão.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos/SP

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