quinta-feira, 12 de março de 2020

A Seleção, a torcida e o coronavírus



Há uma melancolia a rondar nossa seleção. Sei que até o momento de sentar na cadeira na Sala de Imprensa da CBF na última sexta-feira o técnico Tite deve ter tido muito trabalho. Alimentado muitos dilemas.  É do jogo. Mas para além do grande serviço que a fase do Flamengo tem prestado ao futebol brasileiro gostei de vê-la ajudar também a dar um brilho diferente ao escrete nacional. Horas antes da convocação pipocavam manchetes falando a respeito da expectativa que cercava os jogadores rubro-negros. Não era para menos. E vou dizer que entre os muitos rubro-negros tidos como candidatos praticamente todos eram merecedores de uma vaga. Mas ter lá Gabigol, Bruno Henrique e Everton Ribeiro tá de bom tamanho. Duvidava até que Tite viria com essa dose, pra ser sincero. 

Claramente há uma questão mercadológica nas convocações sobre a qual ninguém fala. Além do mais a opção por um jogador envolvido com grandes competições, inserido num centro onde a exigência técnica é infinitamente maior, servirá sempre como um grande argumento a favor dos que atuam no exterior. Um calendário menos surreal, sem conflitos de datas - como a CBF promete - seria fundamental e teria inevitavelmente como efeito colateral testar a ousadia de quem dirige a seleção. 

Na minha visão quando se atravessa um momento como o atual, de uma relação totalmente fria entre os torcedores e a seleção, contar com jogadores que atuam por aqui  dá a impressão de uma certa aproximação. Cria-se um apelo. Quando o time comandado por Tite entrar em campo para encarar a Bolívia, no Recife, e enfim der o primeiro passo à singular Copa do Qatar, estará envolvido por uma áurea diferente. Mas sabe-se lá quando isso vai acontecer pois o coronavírus já adiou o início dos jogos. O nome Eliminatórias bastaria para dar peso ao momento , mas há outro desafio nesse contexto, pessoal.  

Para Tite a sequência do trabalho, que temos visto ir da unanimidade à desconfiança, pode ganhar ares de redenção. Não foi por acaso que durante a entrevista coletiva pós-convocação o treinador  fez questão de se comparar a ele mesmo à frente do escrete e dizer que está ciente de que a melhor seleção brasileira que vimos com ele foi justamente a das Eliminatórias passadas. O que significa dizer que espera ver, no mínimo,  o time com aquela pegada. Não me entendam mal, não penso em loucuras. Apenas na possibilidade de tirar algum proveito do que o futebol brasileiro  anda oferecendo e assim, quem sabe, alterar um pouco essa realidade opaca. 

Caso o coronavírus permita  - e tomara que permita - não tardará e voltaremos a dar de cara com uma desgastada Copa América. E, se nada de relevante acontecer, com essa relação entre seleção e torcida mais desgastada ainda. Um adiamento pode mudar muita coisa. E também não custa lembrar que convocar é uma coisa colocar alguém para jogar, outra, bem diferente. 


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos/SP

Nenhum comentário: