quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O estrangeiro



Foto: Celso Pupo/Fotoarena/Lancepress!


Hoje volto a seguir a linha dos personagens aproveitando que o momento tem nos oferecido algumas possibilidades. Não que creia cegamente que o eleito dividirá a história do nosso jogo de bola em antes e depois dele. Nada disso.  Mas desde que aqui aportou o português Jorge Jesus tem alterado o rumo da prosa.  Tenho lá minhas dúvidas dos milagres que devemos creditar a ele. E não vou fazer firula pra tentar explicar. Ora, se ouvimos desde sempre que com pouco tempo de trabalho não dá pra fazer nada, que um treinador precisa tempo, então, por que achar que nesses míseros quatro meses Jesus foi capaz de elaborar tudo que andamos vendo sob o manto rubro-negro?

Que o time da Gávea anda jogando o fino só um insensível seria capaz de discordar. Não lhe tiro o mérito, mas sou levado a crer que muitos foram os fatores que colaboraram para que as coisas se dessem desse modo. Desde as contratações estelares feitas para as laterais - que até mesmo o mais desatento torcedor seria capaz de notar que eram mesmo algo que destoava do resto do time - passando pelas contratações quase mágicas do volante Gerson e do zagueiro espanhol Pablo Marí.  Sobre os dois estou convencido: quem assinou o contrato estava convicto de que fazia bom negócio, mas o que tem visto em campo certamente está além das melhores expectativas.

E explicação pra isso é provável só seja encontrada no céu, ou melhor, nos astros, para não parecer um trocadilho barato sobre um time cujo comandante atende pelo nome de Jesus. A tradução de tudo isso pra filosofia barata seria dizer que esse Flamengo que aí está deu uma liga jamais vista. O que não deixa de ser uma dádiva, e também não lhe tira o mérito. Mas a grande qualidade de seu treinador talvez seja a sensibilidade pra entender tudo isso, sacar que tudo está em plena sintonia, e fazer pouco caso daquele velho papo que se ouvia lá pros lados da Gávea de que fulano não podia jogar com sicrano coisa e tal. 

E vos digo que o que mais me chamou atenção no jogo de ida das semifinais da Libertadores contra o Grêmio não foi, como diriam os mais antigos, o fato de o Flamengo ter se assenhorado do jogo e sim o nível de precisão do time. Devem ter pintado um erro aqui e ali mas quando o estiloso árbitro Nestor Pitana apitou o fim da partida tinha comigo a sensação de ter visto um time que não errou. Preciso, como poucas vezes vi.  E há ainda outra questão que vale ressaltar, a capacidade que o português mostrou de lidar de igual pra igual com a retórica malandra de seu oponente, Renato Gaúcho. Sabemos todos que nesse quesito - embora tenhamos muitos no cargo que se enquadram perfeitamente naquele velho estilo fala-muito - o treinador gremista tem estilo irretocável, ainda que de conteúdo muitas vezes duvidoso.

Mas Jesus lhe fez frente e é bom que Renato se cuide porque uma vez concretizado o que muitos por aí dão como provável o português, ao que tudo indica, não se furtará a lhe tirar uma casquinha. E a igualdade que Jesus conseguiu impor nesse velado bate-boca através da mídia diz muito. Pode ser uma boa prova de que o treinador rubro-negro ainda que não figure - como fez questão de apontar seu opositor - entre os grandes treinadores da Europa, captou muito bem o espírito da coisa, do nosso futebol e soube perfeitamente fazer disso um trunfo a mais, quando já tem muitos.  Volto a dizer: Renato que se cuide.


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

Nenhum comentário: