quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O gol que falta


Rubens Chiri- sãopaulofc.net


Vou contar uma história do tempo em que praticamente todos os treinos eram abertos para a imprensa. Rogério Ceni já era um reconhecido batedor de faltas. E uma vez encerrados os trabalhos reservava um tempo para aprimorar o fundamento que lhe fazia a fama. Coisa que quase nenhum repórter se dava a acompanhar. A essa altura, espremidos pelo tempo, tinham outras prioridades. Mas recordo bem de certo dia ter acompanhado tudo de perto. Provavelmente por estar preparando algum material ligado a esse tipo de treinamento ou a respeito do próprio arqueiro tricolor. 

Rogério tinha ali com ele alguns companheiros de time, a quem desafiava. E quem não gostaria de uma chance pra mostrar que poderia encará-lo nesse quesito? E era também uma maneira de dar um ar descontraído ao treinamento. Um jeito de afinar os movimentos brincando, tirando um sarro. O desafio diante do grande artefato de metal que imitava a barreira adversária não era exatamente colocar a bola no gol. Isso era fácil. Ganhava a parada quem conseguisse acertar o travessão! Dispensavam até o goleiro. Um descrente pode achar que ficamos ali um tempo sem ver alguém realizar tal façanha. Mas não, bastaram algumas cobranças e pimba! Rogério carimbou o travessão. E com uma força que permitia imaginar muito bem o desafio que representaria a qualquer um que tivesse a missão de defender a meta. Além dele naquele dia não vi mais ninguém conseguir. 

Digo isso tudo porque acabei de dar de cara com uma manchete evidenciando o quanto um gol de falta tem sido coisa rara no futebol brasileiro. Durante todo o primeiro turno foram apenas nove. Dois deles marcados por um zagueiro. Rafael Vaz, do Goiás. Perguntado sobre a quase proeza, Vaz, afirmou que a marca é fruto de muita dedicação e que costuma cobrar umas trinta ou quarenta por dia toda vez que acaba um treino. Ou seja, a receita pra se fazer um gol de falta continua a mesma, por mais que um gênio como Rivellino defenda ardorosamente a teoria de que nem a insistência é capaz de redimir a ausência do dom.  

E entendo a indignação dele toda vez que alguém lembra que pela seleção o último gol de falta foi marcado há quase meia década. Isso mesmo, cinco longos anos. Foi em 2014 em um amistoso contra a Colômbia. No Brasileirão as contas revelam que do ano passado para cá a média de gols de falta caiu de 0,71 para 0,47. Número que beira a pior marca da década, 0,44, registrada em 2016. As razões apontadas para essa escassez são muitas. Vão desde as mudanças implementadas nos treinamentos, que passaram a ser ditados pelos preparadores físicos e pelos fisiologistas, passando pelos rasos gramados atuais,o que impede, segundo alguns, que o pé do cobrador toque a bola muito por baixo. 

Citam também a melhor preparação dos goleiros, que além de mais ágeis estão mais altos. Difícil é saber o quanto hoje em dia um jogador profissional considera que valha a pena se dedicar a esse tipo de coisa. Um gol de falta pode não ter a exuberância de um gol de bicicleta nem a dose cavalar de surpresa contida num gol feito com um belo chute de primeira. Mas mesmo ensaiado à exaustão um gol de falta tem o frescor do improviso. Portanto, se dia desses seu time marcar um do tipo, seja um torcedor sensível, e lhe honre com uma comemoração à altura.



* artigo escrito para o Jornal "A Tribuna", de Santos/SP

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