quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A minha Briosa

Foto: Fernanda Luz

O sangue português me corre nas veias. A paixão pela Briosa me vai na alma. Por isso, no último sábado enquanto dava conta de um plantão trazia comigo, em silêncio, sem contar pra ninguém na redação que a cabeça até estava no texto que batucava sobre a vitória do Barcelona... mas que o coração queria mesmo é saber da Briosa. E quando, enfim, a pesquisa no google trouxe a notícia do acesso com direito a recorde de público no campeonato fui tomado pela nostalgia. A matéria trazia imagens da torcida em festa. Deus do céu, Ulrico Mursa pulsava. Nesse país infame em que a modernidade significa destruir tudo o que é velho é quase um milagre que o velho estádio com sua arquitetura peculiar tenha ficado de pé. 

Não vou ficar aqui lembrando o que vivi naquelas arquibancadas. Mas não resisto a confessar coisas talvez ainda mais íntimas. Como a sensação de orgulho que me invade toda vez que - voltando pra casa - passo em frente a sede da Federação Paulista e vejo estampado lá no portão de entrada o distintivo da Portuguesa Santista, avisando aos mais atentos que ali estão apenas os clubes fundadores da entidade. Entidade que, diga-se de passagem, deveria faz tempo ter jogado uma corda pra salvar a outra Portuguesa do buraco no qual parece se afundar cada vez mais. Ou não é tarefa da Federação zelar pelos clubes ? Do jeito que vamos não tardará o tempo em que o futebol se resumirá aos grandes e, talvez, a um ou outro clube com nome de empresa. 

Mas saibam vocês que minha alegria com a Briosa não é uma alegria nascida da conquista, da possibilidade de reviver uma emoção que remete ao meu tempo de menino ou ao meu tempo de repórter em início de carreira. Por uma questão de história pessoal será ali em Ulrico Mursa que o futebol sempre me soará mais íntimo. Esteja eu na condição de torcedor ou de jornalista. E quis o destino que exercendo o ofício eu fosse presenteado com a possibilidade de testemunhar, de reportar in loco, dois grandes feitos desse time querido. O acesso da terceira pra segunda divisão, e um outro, ainda mais nobre, da segunda pra primeirona. É ou não é um presente divino pra quem tem a cabeça cheia de lembranças colhidas ali entre um tremoço e outro, entre um sorvete e outro?

 E mais, misturado a tudo isso tenho ainda a imagem do meu velho pai, do meu tio Darci, pousando os olhos sobre o gramado, sorrindo ao dar de cara com os lances que o bravo time de Ulrico Mursa ia desenhando em campo. A Briosa, pra mim, é a prova de que a paixão por um time independe de títulos. Olho uma vez mais as imagens da festa e já não tenho tanta certeza de que não é possível voltar no tempo.         
 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Inocentes culpados

Sejamos francos. E se a memória não me trai até já disse isso aqui. Os desmontes aos quais o time corintiano tem sido exposto nos últimos tempos deveriam, antes de qualquer outra coisa, inocentar os seus treinadores a respeito de fracassos posteriores. O detalhe da história é que o consagrado Tite quando se viu em condição parecida, depois de ter perdido jogadores como Guerrero, conseguiu levar o Corinthians a mais um título brasileiro. Com Cristovão Borges aconteceu o mais óbvio: naufragou. E esse papo de que o cara não tem perfil, de que o estilo não casa com o clube, isso não cola pra mim. E vou dizer a razão. 

A depender do perfil ficamos todos condenados a nos divertir apenas com os que chegaram lá, com os consagrados, com os tidos como durões. Não contesto a eficácia do perfil. O que quero contestar é essa maneira de pensar. Cristovão Borges errou. Mas se tivesse só acertado, notem, teria sido capaz de algo impensável. Tô pra conhecer um corintiano que tivesse, ao menos, considerado essa possibilidade. Que tivesse lhe concedido um voto de confiança. Nessa vibração mesmo Guardiola teria dificuldade pra segurar o rojão. 

A torcida é cruel e a imprensa também. Não pensem que a crônica esportiva em tempo algum conseguiu pensar sem levar em consideração o  veneno que costuma escorrer das arquibancadas. Mas temos de saber ouvir. Ter ouvido seletivo, muito seletivo, sabe? Por falar em Guardiola, lembro bem de uma declaração dada por ele ao se despedir do Bayer de Munique. Estarrecedora porque torna evidente toda a perversão e complexidade envolvida nesse tema. Disse Guardiola naquela despedida que existiam veículos na Alemanha que até aquele momento não haviam lhe feito uma única pergunta sobre futebol, sobre o jogo. 

Diria que foi pelo mais banal dos pecados que costumam levar treinadores ao purgatório que vimos Cristovão arder. Gente que conhece futebol como ele, quero crer, tem conhecimento suficiente para sacar que o momento não era propício, que a sombra de Tite era gigante. E que mesmo Tite não tinha sido tratado com o devido respeito. Mas Cristovão não foi o primeiro e não será o último a sucumbir diante do chamado de um grande clube. Mesmo que nossa história recente esteja recheada de exemplos que deveriam servir de alerta. Um emblemático? Silas. Consagrado no Grêmio, seduzido pelo Flamengo, e que até hoje não voltou a ter do futebol uma chance a altura do que já fez. E juro, ao lembrar dele não procurava uma analogia com Roger Machado. Foi só coincidência.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Mais do que campeões

Foto: Francisco Medeiros/Brasil 2016

O fato do desporto paraolímpico brasileiro ser dono de resultados mais expressivos do que os do desporto olímpico sempre me intrigou. Não faz muito tempo participei de um evento no interior de São Paulo e questionei o nadador André Brasil. Claro, há explicações. Uma delas, o enorme número de pessoas com deficiência em nosso país. Segundo o Censo de 2010 23,9% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. Um universo imenso, quarenta e cinco milhões de pessoas. Mais do que a população de países como a Argentina e o Canadá. 

Há quem diga também que a falta de oportunidade no mercado de trabalho, de certa forma, faz do esporte uma saída. Dados do Ministério do Trabalho de três anos atrás apontavam que menos de trezentos e cinquenta e oito mil deficientes tinham algum vínculo empregatício no nosso país. Ou seja, míseros 0,73% do total de pessoas nessa condição. Há quem credite ainda tal sucesso à qualidade do trabalho feito pelo Comitê Paraolímpico Brasileiro. Tudo deve ser levado em conta. Mas gosto de manter comigo - intacta - uma visão mais poética sobre o tema. Gosto de pensar que o que tempera tudo isso é a fibra desse nosso povo.

Quando vejo um brasileiro campeão paraolímpico não consigo deixar de lembrar como nosso país trata os deficientes. Não sai de mim essa consciência de que o sujeito que chegou lá precisou vencer dificuldades que vão muito além dos adversários. Razão que me faz ver em cada um deles mais do que campeões. E quando falo da fibra do povo é porque desde sempre os que escolheram esse caminho tiveram exemplos, tiveram a quem seguir. E isso é essencial. Lembrem-se que nos idos dos anos 80 Luiz Cláudio entrava escondido no Célio de Barros pra poder usar a pista de atletismo que lhe era negada. Olhe o tamanho que tomaram figuras como Daniel Dias, Clodoaldo Silva, Alan Fonteles, Antônio Tenório. Acredito que o esporte paraolímpico consegue ser o mais exemplar de todos. No sentido estrito da palavra. Pode servir como inspiração, mas antes de tudo serve de exemplo.

Por essas e outras outro dia me emocionei ao ouvir Clodoaldo Silva. Primeiro porque ao falar demonstrou venerar o momento, não a conquista. Depois, porque tinha acabado de conquistar uma prata, poderia ceder ao lamento, teria o direito tão acostumado ao ouro que estava. Mas não. Disse, quase em tom de desculpa, que não entendia como um sujeito falador como ele tinha ficado sem palavras naquela hora. E confessou ao repórter que o entrevistava que nem nos melhores sonhos imaginava que o esporte paraolímpico pudesse estar no patamar que está. Uma alegria repentina me tomou. Pois estou longe de ser um expert no assunto, mas o Clodoaldo sabe tudo. Então, tomara, Clodoaldo, tomara. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A mãe de Jesus


O futebol seria bem menos grandioso não fossem as figuras que orbitam em volta dele. E não falo só daquelas que lhe entregaram a vida. Nesse sentido guardo bem comigo a figura de Hilário, torcedor símbolo do Jabaquara, a quem um dia acompanhei em uma ida ao estádio para extrair dessa breve convivência uma reportagem. A imagem do velho barbeiro refletida nas águas do canal tremulando uma enorme bandeira amarela e vermelha nunca mais me saiu da cabeça. Foi por causa de figuras assim - e de outros tantos anônimos - que o futebol transbordou das quatro linhas e invadiu o nosso cotidiano com tamanha graça. 

Vejam vocês até a Dona Lúcia, aquela que mandou uma carta pro Felipão depois do fatídico sete a um, pedindo anonimato, e que Parreira numa das cenas mais patéticas da história recente do futebol decidiu desavisadamente tirar dele, até a Dona Lúcia contribuiu de alguma forma pra enriquecer o universo do futebol. Pra dar a ele esse verniz  humano que lhe faz tão bem. Mas eu queria falar mesmo era da Dona Vera Lúcia, a mãe do atual menino prodígio do futebol brasileiro, o Gabriel Jesus. Vera Lúcia, pelo que li, foi empregada doméstica e se encarregou de fazer o papel de mãe e o de pai. Criou sozinha os filhos e os netos. E esta semana voltou às manchetes lembrada pelo filho famoso. 

Gabriel contou que Dona Vera Lúcia não entrou nessa de empolgação. Mesmo vendo o filho estrear na seleção principal e virar o destaque da partida mandou ele prestar atenção pra não ficar impedido. Gabriel, abençoado. Não é de hoje que acompanho futebol e te digo, sem pestanejar, que já vi muito marmanjo consagrado por aí que se tivesse recebido um conselho desse em casa - e tivesse obedecido - teria ido além. Dona Vera Lúcia também pôs a maior fé de que a empolgação não lhe subirá à cabeça do menino. Sei que não é fácil segurar a onda. Você mesmo fez questão de lembrar que três anos atrás estava jogando na várzea. Depois de muita grana não é fácil seguir sendo o mesmo, como o próprio Neymar admitiu semanas atrás. Mas a mudança não precisa ser pra pior, entende? 

O futebol com seu paternalismo exagerado já fez muitas vítimas. E continua fazendo. Gabriel, te digo, és um iluminado por ter a mãe que tem. Dê ouvidos a ela. Se eu tivesse sua idade também acharia esse meu papo careta. Mas se você tivesse a minha iria achar um baita toque. O único detalhe é que quando você tiver a minha idade será tarde demais pra você perceber. Lembranças minhas à Dona Vera Lúcia.  


Foto: Rodrigo Faber