quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A mãe de Jesus


O futebol seria bem menos grandioso não fossem as figuras que orbitam em volta dele. E não falo só daquelas que lhe entregaram a vida. Nesse sentido guardo bem comigo a figura de Hilário, torcedor símbolo do Jabaquara, a quem um dia acompanhei em uma ida ao estádio para extrair dessa breve convivência uma reportagem. A imagem do velho barbeiro refletida nas águas do canal tremulando uma enorme bandeira amarela e vermelha nunca mais me saiu da cabeça. Foi por causa de figuras assim - e de outros tantos anônimos - que o futebol transbordou das quatro linhas e invadiu o nosso cotidiano com tamanha graça. 

Vejam vocês até a Dona Lúcia, aquela que mandou uma carta pro Felipão depois do fatídico sete a um, pedindo anonimato, e que Parreira numa das cenas mais patéticas da história recente do futebol decidiu desavisadamente tirar dele, até a Dona Lúcia contribuiu de alguma forma pra enriquecer o universo do futebol. Pra dar a ele esse verniz  humano que lhe faz tão bem. Mas eu queria falar mesmo era da Dona Vera Lúcia, a mãe do atual menino prodígio do futebol brasileiro, o Gabriel Jesus. Vera Lúcia, pelo que li, foi empregada doméstica e se encarregou de fazer o papel de mãe e o de pai. Criou sozinha os filhos e os netos. E esta semana voltou às manchetes lembrada pelo filho famoso. 

Gabriel contou que Dona Vera Lúcia não entrou nessa de empolgação. Mesmo vendo o filho estrear na seleção principal e virar o destaque da partida mandou ele prestar atenção pra não ficar impedido. Gabriel, abençoado. Não é de hoje que acompanho futebol e te digo, sem pestanejar, que já vi muito marmanjo consagrado por aí que se tivesse recebido um conselho desse em casa - e tivesse obedecido - teria ido além. Dona Vera Lúcia também pôs a maior fé de que a empolgação não lhe subirá à cabeça do menino. Sei que não é fácil segurar a onda. Você mesmo fez questão de lembrar que três anos atrás estava jogando na várzea. Depois de muita grana não é fácil seguir sendo o mesmo, como o próprio Neymar admitiu semanas atrás. Mas a mudança não precisa ser pra pior, entende? 

O futebol com seu paternalismo exagerado já fez muitas vítimas. E continua fazendo. Gabriel, te digo, és um iluminado por ter a mãe que tem. Dê ouvidos a ela. Se eu tivesse sua idade também acharia esse meu papo careta. Mas se você tivesse a minha iria achar um baita toque. O único detalhe é que quando você tiver a minha idade será tarde demais pra você perceber. Lembranças minhas à Dona Vera Lúcia.  


Foto: Rodrigo Faber

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