quinta-feira, 23 de abril de 2015

A nossa diversão

Eu sei que sua cabeça teima em reviver as semifinais do final de semana. Que o embate entre São Paulo e Corinthians na noite de ontem mal saiu de cena. Enfim, sei que em matéria de bola você tem muito pra pensar. O futuro do seu time. Se for o caso, a final do Estadual que vem aí. Mas permita que eu lhe faça refletir um pouco sobre a relação que você mantém com o jogo de bola. Que o jogo já não é o mesmo de outros tempos não parece haver dúvida. Mas existem outras coisas que estão se transformando tanto quanto o nosso jeito de tratar a bola. Afinal, os estádios já não são tomados por bem mais de cem mil. O preço do ingresso explodiu. Os meninos já não voltam pra casa com os dedos estourados, sujos de barro, mais seduzidos que andam pelos dribles do videogame do que pelas emoções reais e intensas de um campinho qualquer. 

E se tem sido assim não há porque imaginar a cada rodada que ainda seja possível dar de cara - entre um lance e outro- com aquele futebol que carregamos no peito e na memória. Futebol cheio de improvisos. Sem chuteiras coloridas. Sem essas caneleiras que nos deixam com um quê de gladiadores. O futebol que cavou um lugar de respeito nesse nosso caldo cultural foi outro. Foi um futebol que tinha mais apelos. Que movimentava a massa. Um futebol no qual o torcedor precisava pouco mais do que a vontade pra estar em cena. Um futebol repleto de outros adereços. Hoje a história é outra. Hoje muitas vezes a primeira reação do torcedor na arquibancada não é entoar um canto, nem bater palmas, nem olhar ao redor. É fazer um selfie, provar pra todo mundo que está inserido na festa. Mais deslumbrado com a estética da Arena do que com o plástica do próprio time. 

Não que não haja diversão nessa nova fórmula. O Corinthians e Palmeiras do último domingo deu um bom caldo. É que perceber tais detalhes e levá-los em conta leva ao óbvio: alterados os ingredientes o sabor só pode ser outro. Imagino que na infância dos meninos de agora o bate bola já não seja tão soberano. Quase inevitável, como era em outros tempos. A educação sentimental futebolística da minha geração incitava a querer mais do que ver um time construir um placar. E essa ânsia se legitimava quando a gente sentia na própria pele o que era levar uma virada. Quando tomava uma bola no meio das pernas. Quando tinha de lidar com um adversário desleal. Eterna metáfora da vida. Ou quando descobríamos como, às vezes, inexplicavelmente um time meia boca dava liga. Por isso, hoje enquanto uns se divertem confinados no jogo eu me distraio sonhando em, de repente, reencontrar entre um lance e outro esse futebol das antigas que trago em mim.

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