quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Torcer é um tipo de esperança

Eu sei que a maioria sempre acha que por trás de cada palavra dita ou escrita por um jornalista esportivo está a paixão dele por um clube. Mas não temo tais acusações e, por isso, voltarei ao assunto. Faço questão de deixar aqui registrada a minha torcida.

Desde o momento em que o presidente santista anunciou que Neymar ficaria torço para que o projeto dê certo. Por puro amor ao futebol. Nada a ver com clubes, distintivos, história pessoal. Penso simplesmente no bem que o sucesso da empreitada poderá nos fazer.

Trata-se do lance mais a favor do nosso futebol desde que o Palmeiras em meados de 2009, inflado pela possibilidade de voltar a ser campeão brasileiro, anunciou que não venderia nem Diego Souza, nem Cleiton Xavier.

O fato é que o tempo passou e os acontecimentos no Parque Antártica fizeram muita gente questionar a atitude. O time alviverde deixou escapar o título e, para trauma geral, até a vaga na Libertadores. A torcida bufou, com razão. O elenco acusou o golpe. A vida seguiu. A prometida volta por cima demorou e a paciência da torcida chegou ao fim.

Diego Souza perdeu a classe, foi afastado, e não é demais dizer que precisou sair pela porta dos fundos nos idos do último mês de junho. Cleiton Xavier, que a essa altura estava longe de ser visto com o respeito e a admiração de antes, acabou vendido para o Metalist, da Ucrânia, pouco mais de duas semanas depois. A dupla, outrora vista como a grande arma do time, acabou numa gelada. O caminho para trazer de volta a euforia e a fé no futuro tem custado muito caro ao Palmeiras.

É por essas e outras que digo que é preciso torcer para que o projeto santista tenha um desdobramento favorável. Caso a coisa não saia como o esperado as acusações de que o Santos rasgou dinheiro serão inevitáveis. E pior, terá ido por água abaixo o sonho de um dia poder lutar contra os milhões disparados constantemente pelas super potências econômicas do futebol.

Sim, o presidente do Clube do 13, Fabio Koff, ligou para elogiar o mandatário santista. Até o Lula, na segunda, deu um jeito de se aproximar e tirar uma casquinha dessa boa imagem tão corajosamente construída. Louvável. Mas pouco restará se o projeto não vingar, se Neymar não for negociado por números que justifiquem tanto sonho, ou se deixar de ser em campo esse menino audacioso, de golas levantadas, como que a avisar que ali está um talento ímpar.

Agora, se Neymar continuar sendo esse que se viu no gramado da Vila no último domingo, à vontade com a sua missão, se os projetos de marketing tiverem suas cifras aumentadas, se o lucro for maior na hora da partida, se o Santos resgatar um pouco daquela imagem de time que um dia perambulou pelo planeta se exibindo, aí não vai faltar quem queira copiar a fórmula.

E, nós, amantes do futebol, com nossas preferências seja lá por que clube for, teremos muito a comemorar. Eu disse, eu disse, torcer é um tipo de esperança.

* Artigo escrito para o jornal " A Tribuna", Santos

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A nossa moeda

Desde que a seleção brasileira recheada de juventude brilhou as páginas dos cadernos de esporte amanhecem ainda mais cheias de cifras retumbantes. Milhões de euros têm sido oferecidos. Nem bem o gramado do bilionário estádio de Nova Jérsey tinha sido colocado às escuras e o quase anônimo zagueiro David Luiz fazia o Chelsea se dispor a tirar dos cofres vinte e sete desses milhões estrangeiros que andam voando por aí.

Tamanho é o desejo de consumo do time de Stamford Bridge que o Santos ameaçou se refugiar na mediação da FIFA. David Luiz ainda não foi, mas a esquadra inglesa do russo Abramovich, cuja trajetória parece saída de um filme holywoodiano sobre mafiosos - subiu a proposta para trinta e cinco milhões, isso depois de torrar outros vinte e dois milhões de euros e levar o "nosso" Ramires.

Os números sugerem que essas transações alimentam um mercado saudável. Pura ilusão! Os clubes espanhóis estão falidos, os clubes ingleses passam de mão em mão, o Campeonato Italiano exibe um módico resquício de glamour. Mas o futebol é sedutor e, mesmo assim, atrai a todo instante um novo bilionário para o jogo.

Olhe pra nós. Sei que não será agradável admitir. A terra brasilis há tempos virou uma espécie de escolinha onde os garotos mais talentosos conquistam o direito de ir buscar fama e fortuna nos "times de cima", leia-se hemisfério norte. Pra sobreviver precisamos vender tantos jogadores por ano. É provável que você já tenha ouvido a frase anterior sair da boca do cartola-mo do seu time. Falam na sobrevivência do futebol mas estão preocupados mesmo é em manter suas benesses. O preço dessa manutenção é a brevidade do seu prazer.

Sabe aquele jogador que você tem em alta conta, aquele que fez a diferença, aquele que te encheu de orgulho durante a temporada ? Aquele que você sempre lembrava na hora de tirar um sarro com os amigos? É justamente ele que seu diretor e seu presidente, cercado por parceiros e agentes, decidirão vender em jantares e encontros regados a tudo que existe do bom e do melhor. Será com ele que os tais irão pagar a conta.

Treinadores com salários astronômicos, craques rodados repatriados como artigos de luxo, tudo isso não passa de um esquema para manter a roda viva. Dela sairá o argumento para deixar tudo mais ou menos como está.

Depois de ter sido informado de que o Palmeiras foi ao banco pedir empréstimo e deu como garantia suas cotas de transmissão do Campeonato Paulista dos próximos anos, acabo de saber que o São Paulo - o time "diferente" do Morumbi - trilhou o mesmo caminho e entregou como garantia aos banqueiros, sempre solícitos, os direitos de TV dos próximos quatro estaduais.

Você conseguiria ser feliz sabendo que suas contas estão cada dia piores, que você anda gastando mais do que ganha? Pois é! Mas os homens do futebol não estão nem aí. A bancarrota nunca lhes foi uma ameaça. Não há código civil ou estatuto que os ponha contra a parede. Seus enormes Centros de Treinamentos construidos em áreas doadas estão isentos de IPTU, não faltam influentes dispostos a ajudar e, além do mais, é sempre possível tramar um refinanciamento, bolar uma timemania.

O talento dos nossos jovens é a moeda que eles têm nas mãos. Moeda que dá a eles a certeza de que a bola e as dívidas continuarão rolando.