quinta-feira, 11 de março de 2010

Um fato do cotidiano

O assunto estava em todos os lugares. E, de repente, induzido por ele, me peguei pensando no universo de pessoas que podem dar de cara com estas minhas palavras. Gente cuja economia diária permitiu comprar um jornal, ou gente que irá encontrá-las no blog, onde humildemente costumo depositá-las. Gente com computador e com o direito comprado do acesso à internet. Gente com família, com emprego, gente com hora pra chegar e sair. Gente com direito a boa escola, informação. Gente com saneamento básico. Diversão.

Então, me perguntei: que sabemos nós da vida de Adriano? Qual de nós é verdadeiramente capaz de interpretar a trajetória desse homem criado na Vila Cruzeiro?

Pra quem não sabe, se trata de uma das áreas mais violentas do Rio de Janeiro. Um lugar acostumado a ter em suas ruas, dia a após dia, cenas de guerra civil. Sendo assim, quem entre nós poderá saber o que aquele morro significa? Quem? Quem saberá de que maneira a infância e a juventude de Adriano se misturaram às histórias daquele rincão da zona norte carioca.

Trata-se de um imperador criado em uma terra infestada de imperadores macabros. E as teorias vão surgindo, porque o morro é terra fértil pra isso. E ainda tem a bebida, sempre a bebida, e a declaração imbecil do amigo goleiro. Mas a virtude de certos pensamentos é essa mesmo, desnudar o tipo de homem que a proferiu.

Qual de nós será capaz de entender se, um dia, o rapaz - num desses rompantes - se der o direito de mandar uma banana para o futebol e decidir passar o resto de seus dias entre a gente que o viu crescer? Quem aí será capaz de imaginá-lo feliz nessa situação? É tão difícil assim entender que alguém que vem de um lugar desses se veja em conflito ao ser posto cara a cara com o avesso de tudo que viveu?

Porque é tão difícil assim imaginar que Adriano veja mais graça em um baile funk do que em festas grã-finas regadas a vinhos caros e champagne? Cru, pra ele, é um tipo de realidade. E essa, sim, sem segredos. E se ele te dissesse que encontra mais verdade e beleza na gente de cima do morro, do que nessa aqui de baixo? Você iria duvidar, não iria?

E tem mais, a preocupação com as manchetes, a repercussão, as reflexões morais, as análises de conduta, tudo isso se encaixa na nossa realidade pequeno burguesa, talvez não na dele. E nada pode ser mais injusto e preconceituoso do que julgar alguém pelos milhões que ganhou, ou jamais esquecer o lugar improvável de onde ele veio. Há certos aspectos da vida que jamais vão estar nos jornais.

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