quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Zé da Cuca

















Na vizinhança ele era conhecido apenas como o Zé da Cuca. À primeira vista o apelido parecia óbvio. Mas não era. O sujeito não tinha essa alcunha por causa do seu olhar perdido, do seu jeito amalucado, das risadas repentinas, ou dos papos sem sentido. Ficou conhecido dessa maneira porque todo dia, sem que ninguém soubesse como, lá estava ele, debaixo do tronco do velho Chapéu de Sol que ficava no meio da praça.

Era uma árvore enorme, e a molecada quando não tinha mais o que fazer decidia comer os frutos que ela dava. Frutos arredondados, duros, de gosto duvidoso, conhecidos como cucas. Certo dia o homem sumiu, sem que ninguém tivesse a mínima pista de onde veio ou pra onde foi. Ficou a lembrança.

A qualquer um, que lhe desse atenção, não tardava a dizer que tinha sido jogador de futebol. Falava de campeonatos importantes disputados bem longe dali, cujos nomes não soavam familiares a ninguém. Além do mais, não era fácil enxergar naquele sujeito mal vestido e de chinelos surrados, traços de um campeão. Maluco era perceber a ligação que ele ainda mantinha com o jogo.

Quando a meninada se punha a bater bola por ali, ele passava todo o tempo fitando os movimentos de cada pequeno jogador sem dizer nada. Era como se uma pelada qualquer fosse capaz de transportá-lo para um outro tempo, um outro mundo. Entre todas as histórias que Zé da Cuca insistia em contar, uma se destacava. Falava sobre um gol mirabolante marcado por ele. Mas não pensem vocês que se tratava de um atacante. Zé da Cuca fazia questão de deixar isso bem claro. Sempre foi ponta-de-lança.

Bom, dizia ele que, certa vez, durante um jogo de final de campeonato, percebeu que o companheiro de time insinuava um avanço pela esquerda, o que ele prontamente atendeu. Partiu em velocidade e, mesmo sem diminuir o ritmo, tirou o primeiro marcador da jogada com uma chaleira. A essa altura já estava chegando na linha da grande área. Ao perceber nos olhos do zagueiro que se aproximava a intenção de pará-lo de qualquer jeito, decidiu concluir o lance.

O chute partiu venenoso e explodiu no travessão. Ele, que havia se deslocado na diagonal depois da tentativa, mirou a bola e antes que ela tocasse o chão desferiu uma poderosa bicicleta. Ainda estava deitado no gramado com as costas um tanto doloridas quando os companheiros se amontoaram em cima dele. A vitória por um a zero, depois de três bolas na trave pra cada lado, parou a cidade.

O que mais impressionava era a emoção que demonstrava ao revelar o detalhe mais improvável da façanha. Como não havia câmera nenhuma registrando o jogo, e ele estava de costas pro gol, nunca pôde ver a sua obra prima. Durante muito tempo incomodou os amigos. Pedia encarecidamente que lhe contassem o que tinham visto. Até hoje me recuso a acreditar que tudo não passava de uma bem tramada ficção. Mas ainda que fosse, acredito que o saudoso Zé da Cuca fez mais pelo futebol do que muitos torcedores que andam por aí.

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