quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ah, moleque!


















Dependemos do gol, mas reverenciamos o drible. Como se fosse um instinto, nosso semblante se altera imediatamente quando vemos alguém levar uma bola entre as pernas. Não há meio de segurar. E tanto faz se a vítima é do nosso ou do outro time.

"Tudo o que eu quero são duas firulas na tarde de domingo". A frase dita uma noite dessas pelo meu amigo Xico Sá, numa mesa de bar, muito antes do clássico entre São Paulo e Santos, agora soa ainda mais perfeita. Em matéria de futebol a felicidade plena não é possível diante de um repertório básico.

E se é com música e poesia que a vida se faz maior. É com graça e ousadia que o jogo de bola ganha a dimensão da fantasia. No mais, que o Deus do futebol cuide das pobres almas dos brucutus e dos retranqueiros, que pensam, equivocadamente, ter compreendido a essência do jogo.

E não me venham com esse papo de que o que vale - e interessa - é bola na rede. Sou mais a coragem de um lançamento longo errado do que a covardia de um toque para o lado. Sem essa de louvar os garotos e depois jogar em cima deles um discurso careta.

Dizer que deveriam se portar como profissionais dentro de campo, que o drible tem de ser objetivo, tudo isso não passa de um sermão disfarçado, em geral proferido por quem se sentiu ferido pela beleza dele. O drible explica a si mesmo. O drible não tem segundas intenções. O drible é futebol em estado puro. Esperar atitudes maduras dentro de campo, sob certa óptica, empobrece o futebol.

Neymar, o elegante Paulo Henrique, que de ganso não tem nada, e Philipe Coutinho, estão aí para provar. Quer saber, não foi a paradinha do Neymar que tirou Rogério Ceni do lance, foi a certeza alimentada pelo arqueiro de que o garoto iria encarar o momento como adulto, e que correria para a bola carregando nas costas o peso da responsabilidade. Mas de nada adiantou.

O futebol tem essa capacidade louvável de tecer armadilhas sublimes. De repente, Neymar partiu pro lance leve como quem disputa uma pelada, deu um breque, e deixou claro que só tinha levado consigo a maturidade da ousadia. Ah, moleque!


* artigo publicado no jornal "A Tribuna", Santos

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