terça-feira, 28 de julho de 2009

O gol da Rua Javari ( 50 anos)



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Naquela tarde a torcida não perdoou a entrada dura em Pando, o zagueiro do time da casa, e transformou o estádio da Rua Javari num mar de hostilidade para o autor do lance, um garoto de dezenove anos.
Foi com essa idade, e num ambiente assim, que o Rei do Futebol desenhou um dos momentos mais sublimes da carreira.
Quis o destino que o adversário fosse o Juventus. Quis o destino que Homero, Clóvis, Julinho, e o goleiro Mão de Onça, fossem os principais coadjuvantes. Corria o quadragésimo segundo minuto da etapa final. A bola partiu da direita - passe de Dorval - e encontrou o pé de Pelé. O camisa 10 do Santos, com um movimento certeiro, fez com que ela circundasse o corpo de Homero. Já um tanto incrédulo Clóvis resolveu dar o bote. Pra quê? Sentiu até um frio na barriga ao perceber que tinha acabado de tomar um chapéu na entrada da grande área. Pior para o lateral Julinho que, repentinamente, herdou a tarefa de pará-lo e teve que tomar providência em uma fração de segundo. Não teve jeito, recebeu tratamento semelhante. Sem deixar que a bola tocasse o chão,
Pelé havia deixado para trás três adversários, e dado dois chapéus.
Restou ao arqueiro do time da Mooca se atirar na direção dele. Mão de Onça foi o último a tentar impedir o Rei de desenhar sua obra-prima. Batido por um terceiro chapéu... acabou caído, repleto de lama, com olhar um tanto assustado, como mostra a rara foto tirada no dia 02 de agosto de 1959. Quando já não havia mais adversários pela frente, Pelé controlou a bola com a cabeça e a mandou para o gol. O terceiro dele na goleada por quatro a zero. Sua Majestade, como ficaria cada vez mais claro, não gostava de ser provocada.
O gol da Rua Javari é assim. Tem um quê de Capela Sistina. Um quê dos Jardins da Babilônia. Maravilhoso e impalpável. O gol da Rua Javari é um exercício de imaginação que o melhor jogador de futebol de todos os tempos permite que partilhemos com ele eternamente. Não há outro gol tão denso e profundo no nosso imaginário. Nem mesmo os que marcamos quando criança.
Também foi nesse dia distante - prestes a completar meio século - que o Rei do Futebol descobriu o gesto perfeito para comemorar seus gols. Antes disso, um soco no ar nunca tinha sido tão poderoso. Tão cheio de significado.
Tempos atrás esse mítico gol da Rua Javari acabou recriado no computador. Entendo. Temos mesmo em nós essa sede infinita de descobri-lo. Mas não há registro em movimento desse primoroso gol marcado naquele domingo no campo da Javari.
Um capricho da história, que ao permitir que tal acontecimento driblasse todas as lentes de vídeo, o fez ainda mais perfeito.
Foto: Rafael Dias Herrera (A Tribuna)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Chegadas e partidas

Há muitas maneiras de encarar um retorno. Voltamos ao lugar de onde um dia partimos por vários motivos. Por chegar à conclusão de que não deveríamos ter saído de lá. Por sentir uma saudade terrível nos tomar a alma, ou até mesmo por concluir que não havia outro lugar para ir.

Mas razões poéticas - desculpem a dose letal de realidade - não servem para explicar o vai e vem que acomete o futebol nacional. Aquele ensinamento que sugere jamais voltar a um lugar em que fomos felizes também parece deslocado, afinal, nada mais transitório no jogo de bola do que a felicidade.

Seja como for, Luxemburgo começou a escrever sua quarta passagem pelo time da Vila Belmiro, e eu fiquei pensando o que teria sido decisivo para que ele aceitasse voltar, já que o salário anunciado é muito menor do que ele estava acostumado a receber. Em 2007, depois de ser campeão paulista e vice brasileiro, deixou de lado a chance de, uma vez mais, disputar o torneio continental. Foi embora.

Uma das matérias geradas pela partida do treinador - a terceira delas - versava sobre os motivos da saída, muito comentados à época. Luxemburgo queria um time forte para 2008. Marcelo Teixeira não tinha caixa para os planos do técnico. O ano seguinte custou a passar. Teve momentos amargos. Ameaça de rebaixamento. E aquele Santos de chegada, que gerou muitos dividendos, foi ficando para trás.

Nesta temporada as duas partidas contra o Palmeiras na semifinal do Paulista representaram o supra-sumo do que o time tinha a oferecer. Nos dias atuais, o décimo terceiro lugar em que o time se viu no início da semana é parte ínfima do desafio que aguarda Luxemburgo na sua volta. Não se pode dizer que o Santos hoje seja o sonho de consumo dos grandes estrategistas do nosso futebol. Há muito a fazer.

Mas nessa seara ludopédica a obsessão é sempre uma só. Se não para os que comandam, para os que torcem. Triunfar é o verbo primeiro. Só que para voltar a um lugar onde já esteve - sempre com brilho distinto - o time santista precisa mais de um técnico, e menos de um parceiro. Precisa mais de futebol e menos de negócios. Precisa se manter soberano em suas decisões. Precisa provar a capacidade de sua administração e estrutura. Precisa virar o jogo. Precisa ser um lugar onde todas as pessoas que voltem saibam que serão lembradas menos pelo que representam e mais pela herança que irão deixar.

E como o título acima me fez lembrar da música "Encontros e despedidas", de Milton Nascimento e Fernando Brant, aproveito pra deixar aqui uns versos da canção: Melhor ainda é poder voltar quando quero.../É a vida desse meu lugar/É a vida.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Em câmera lenta


Amigos, a câmera lenta é uma armadilha. Muito boa, às vezes, porque nos livra da insana velocidade do mundo. Mas tá demais. Os especialistas passam horas discutindo um toque que eles veriam de outra forma não fosse o tal recurso.

O futebol é esporte de movimentos complexos. Alguns tão complicados, que impedem quem quer que seja de chegar à uma conclusão mesmo depois de analisá-los com a ajuda do infausto e brilhante efeito de tornar o andamento das imagens mais vagaroso.

Os homens olham incansavelmente as cenas que vão se desenhando no ar e não conseguem concordar sobre o ocorrido. Pudera. Pobres juízes que precisam desvendar tudo com seus meros olhos humanos.

Não é à toa que muita gente desacostumada a frequentar os estádios sente um vazio terrível após testemunhar um gol, ao lembrar, repentinamente, que não haverá replay, slow.

Podíamos pelo menos por uma semana, uma rodada que fosse, voltar a usar três câmeras na transmissão das partidas. Uma de cima, dando o geralzão. E uma atrás de cada gol, que seja, pra evitar maiores radicalismos. Só pra ver no que ia dar.

Com uma infinidade de puxões, maldades, gestos, cotovelos e falas fora do alcance das lentes ficaríamos mais próximos da visão daquele torcedor que ainda se dispõe a estar nas arquibancadas. Os detalhes à disposição dos comentaristas sofreriam drástica redução. E essa carência poderia ajudar a melhorar as discussões, promover debates sobre temas novos, não sei.

"O Mundo é muito veloz pra ser visto sem um slow", costumo dizer aos meus amigos de TV na hora da edição. E falo sério. É mais fácil decifrá-lo assim lentamente. Desse modo percebemos melhor suas belezas. Mas no futebol a coisa não para por aí.

No futebol o replay em slow-motion muitas vezes deturpa o ocorrido. Com ele as imagens sugerem uma realidade e uma situação que nem sempre existiram, e enchem os homens da justiça desportiva de munição, logo eles, sedentos por entrar no jogo.

De repente, aquele puxão óbvio nem foi notado pelo atacante. Naquele outro momento, ao sentir um leve toque, o zagueiro se atirou pra frente. E depois se deleitou ao ver o VT e perceber que tinha desenhado o lance à perfeição. Parecia mesmo ter sofrido um tranco poderoso.

Ao invés de ficar desnudando o jogo de futebol com câmeras por todos os lados, deveríamos, de maneira experimental, nos livrar desses muitos ângulos. Nos contentar com imagens mais possíveis de serem testemunhadas a olho nu. Aceitar que muitas delas reproduzem situações impossíveis de serem interpretadas.

Mas já não somos capazes de negar a modernidade. Não podemos viver sem as micro câmeras, os zoons, os tira-teimas. Se a intenção era chegar ao consenso, é preciso admitir a inviabilidade do sistema.

E vem aí mais uma dose caprichada de empurra-empurra. É, tem mais essa. A câmera lenta revela sem pudor a baixaria que virou a disputa na grande área. Ninguém mais quer jogar bola por ali. Essa é a impressão que tenho.

sábado, 11 de julho de 2009

Um furo negado

Dias atrás, quando Lula recebeu alguns jogadores do Corinthians, em Brasília, e desfilou com a Taça da Copa do Brasil pelo Palácio, me vi com alguns amigos em meio a uma discussão acalorada sobre a atitude do Presidente da República.

Entre um aparte e outro, ouvi, de um deles, que quem estava ali não era o Presidente, era, simplesmente, o corintiano apaixonado Luis Inácio. Bastava atentar para os trajes do chefe do executivo. Razoável.

Mas se era assim talvez fosse o caso de recebê-los na Granja do Torto, e não no Palácio, certo?

Creio ser de grande valia contar com um Presidente da República que reconheça o futebol como uma grande expressão da nossa cultura. Só o bom senso poderia ser mais valioso do que isso. ( Tiro as mãos do teclado rapidamente, observo a tela do computador, e penso. Estaria eu tendo um acesso gigantesco de caretice? Teria sido tomado pelo germe nada complacente da picuinha?) A vida é dúbia. Porque o estranhamento?

Quando Lula em plena reunião com os líderes das maiores potências do mundo saca um punhado de camisas da seleção para distribuir, faz boa propaganda, enaltece, coloca em evidência aquela que é uma das nossas marcas. Aliás, temos muitas. A bossa nova, por exemplo. Mas pode não ser nada disso, talvez ele só não tenha entendido direito quando lhe disseram que uma das intenções por lá era deixar o clima mais ameno.

Se o nosso Presidente gosta tanto de futebol, porque é que não exigiu uma contrapartida dos clubes na implantação da Timemania? Por que não faz pressão para que a Democracia - que lhe é tão cara - esteja presente nas Federações e na Confederação que controla o esporte no país? Por que não faz uma reunião para pedir urgência e pulso firme no projeto que prevê penas maiores para os atos de violência praticados nos estádios e ao redor deles?

Os cartolas daqui há tempos não estavam tão próximos do poder. Há tempos não desfrutavam tanto desse privilégio. E mais, eu duvido que o Ronaldo tenha citado as empreiteiras sem ter ouvido isso de alguém, em algum lugar.

Será que sou o único a pensar que quando um presidente de clube encontra um Presidente da República não é apenas sobre títulos e táticas que eles conversam? Sobre grandes jogadas pode até ser. Ronaldo afirma, Lula nega. E ficamos assim. Tudo termina muito mal explicado, com um monte de gente fingindo que não viu o nó.

No meio político, é fato, o episódio foi encarado como uma tremenda bola fora do camisa nove. Vocês querem o quê? Não dá pra ser bom em tudo.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Um flerte com o futuro

Outro dia eu cravei Flamengo no jogo contra o Avaí. Perdi. Na mesma rodada disse que o Coritiba, em casa, batia o Santo André. Deu Ramalhão. Fazer o quê? Nessa vida é impossível resisitir à todas as tentações.

Mas agora eu vendo. Amanhece no Recife e os torcedores do Sport comentam o último feito do time rubronegro. Aquele gol aos quarenta e quatro do segundo tempo na Vila, no domingo retrasado, tinha feito o Leão engasgar. O Durval deu um gás, o Ciro voltou a ser o que era, e o Goiás se viu perdido no Retiro. Bem longe de lá, na Ressaca de quem mira o fim da tabela, o Botafogo bem que tentou. Esse Avaí é complicado. Ruim na hora de vencer, chegado a dar um calor dos bons no visitante.

No Barradão, pudera, Neymar , suspenso, fez falta. Ganso, cheio de moral e de contrato novo tentou ditar o ritmo. Madson seguiu sendo o baixinho que dá sangue. E olha que há tempos os números do peixe fora de casa mais assustam do que confortam. Há tardes, e tardes. Na cidade mais rica do país, enquanto as máquinas vão levando embora o que restou de verde entre as marginais, na Avenida Paulista, na Praça Silvio Romero, no Anhangabau, na Lapa, corintianos esmiúçam a partida recém disputada no estádio Olímpico, que teve o Fenômeno Ronaldo rondando uma área, e Maxi Lopéz farejando a outra. É, nunca foi fácil a vida de um time que se pretende o melhor do Brasil.

De norte a sul do país todos defendem e lamentam lances mal marcados, jogadas de talento e entradas duras. São conversas alimentadas pelas cenas de um final de semana em que o Palmeiras, comandado pelas mãos de um outro técnico, aproveitou o vento a favor pra acalmar sua sempre ressabiada torcida. O que se viu na vindoura Arena da Rua Turiassu foi um time alviverde disposto, que mergulhou o Náutico numa mistura fatal de entusiasmo e toque de bola.

Os resquícios do ocorrido no Morumba são mais complexos. Não dá pra negar que o manto rubro-negro veste bem o imperador. Coisa que o passado - veja que ironia para um texto pretensamente futurista como este - é capaz de explicar. Isso sem falar que todo mundo tá cansado de saber o que anda roubando a tranquilidade das almas tricolores. Ter acostumado com a glória.

Nesse dia que se aproxima tudo será como antes. Quem teve, e perdeu, lamentará muito mais do que quem não tinha nada a perder.

E em Minas. Ah! Em Minas tá na cara! Os cruzeirenses vão semeando ressalvas, dizendo que só foi assim porque eles têm mais o que fazer. A decisão da Libertadores está aí. Além do mais, o Galo abraçou a condição de candidato ao título, e isso tem um preço. À vista nessa segunda-feira que já vejo despontar no horizonte.

Ao mirar esse futuro, ao dobrar essa esquina do tempo, a única coisa que sou capaz de bancar é que o futebol será infinitamente mais caprichoso e surpreendente ao escrever a própria história, repleta de instantes mágicos e sórdidos. Você verá. É logo ali. Um pouco depois que a décima rodada do Brasileirão terminar.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Digerindo o Dunga

A frase "Vocês vão te que me engolir", de tão impactante, entrou para a história. Poderia ter se perdido como tantas outras. Mas como teve a capacidade de concisão de poucas, perambula por aí até hoje. Vira e mexe vem à tona.

Quando Zagallo, em 1997, depois de vencer a Copa América avisou, com as veias estufadas, que os seus críticos teriam que lhe engolir, tirou um nó da própria garganta, e tratou de tocar a vida. Ora, se nem mesmo o velho Lobo, tão calejado pelo futebol, foi capaz de suportar as críticas sem perder a calma, por que achar que Dunga seria?

Acredito que a essa hora, vendo o filme dos últimos dias passar pela memória, o atual técnico da seleção deva estar desfrutando de uma sensação muito parecida com aquela vivida por Zagallo após o inesquecível desabafo.

Ou seja, depois de engolir o ex-treinador, pelo visto estamos digerindo o atual.

Com a fibra de sempre, Dunga não amoleceu, nem mesmo quando esteve enfiado num banho-maria dos bons, que de tão quente parecia fritura. Escolado que é, talvez não se deixe levar pela exaltação das tantas qualidades descobertas nele com a ajuda das lentes da vitória.

Mais importante do que isso é não acreditar nessa coisa de ter nas mãos um time quase pronto. Em setembro, se cair diante da Argentina, numa noite infeliz (e põe infeliz nisso) tudo poderá mudar. É o que basta para o discurso, no geral, voltar a ser o de quem teve o paladar contrariado.

Meus amigos, o que é um time pronto?

Diziam que a nossa seleção da Copa de 2006 era. Vejam como acabou! Um time só está pronto até o momento em que um detalhe qualquer compromete o bom andamento do conjunto. Ou menos ainda, até o dia em que um dos seus zagueiros levanta com o pé esquerdo. Não se deixe enganar.

Quando tivemos um time pronto?

Em 58, quando começamos a jogar sem Pelé? Em 70, quando tínhamos mais craques do que posições para serem distribuídas? Em 2002, quando Gilberto Silva ganhou uma chance depois da contusão de Emerson, e Kleberson - que jogou muito - só virou titular quase na metade da Copa? Ah! O time de 82! Bom, parecia aos olhos de todos uma obra de arte bem acabada, é verdade, mas...

Dunga sabe de cor todas as armadilhas do futebol e, por isso, deveria encará-las com um pouco mais de bom humor, e perceber que a acidez é uma das tantas características da crônica esportiva, e que para enfrentá-la não é preciso sorrisos demais, nem de menos.

Por favor, sem essa de time pronto, semi-pronto, ou sei lá o quê.

Acreditar num time pronto é fazer pouco de todas as reviravoltas que o deus do futebol faz questão de decretar, mais cedo, ou mais tarde, tanto faz. Um time verdadeiramente pronto, roubaria, sorrateiramente, a graça do jogo. Está, portanto, em condição de eterno impedimento por ordens superiores.

E tem mais, nesse universo da bola, uns poucos movimentos separam o ato de engolir, do ato de ser engolido. E não há craque ou retranca capaz de vencer essa verdade