quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um duelo. O duelo.

Não se trata de paixão. A palavra soa até deslocada num artigo que tem a intenção de falar sobre o duelo entre Brasil e Argentina. Tanto que, ao abandonar o raciocínio que me chega para reler a primeira frase escrita aqui, ao passar os olhos por ela, intuo olhares atravessados me desafiando, semblantes de pouco caso à espreita. Não importa.

O respeitável e sempre aguardado embate sulamericano não é um encontro de apaixonados, mas transborda uma rara química. Aquela que faz alguém ou algo diferente de todo o resto. Lembro muito bem da Copa de 1982. Há muita gente por aí com mais cabelos brancos do que eu, e que pôde ver em campo outros "Brasis", e por isso se sentir e se julgar, com razão, mais afortunada do que eu e os da minha geração. O fato é que aquele bendito mundial me pegou justamente no momento que costuma ser classificado como o momento em que estamos nos entendendo por gente, sabe? E ali eu saquei tudo.

Tínhamos batido a União Soviética no finalzinho, despachado a Escócia com um placar de quatro a um, goleado a Nova Zelândia. Mas cruzar com a argentina impunha outra dimensão ao ato de torcer. E não só pelo fato de não se tratar mais da primeira fase. Hoje sei que só uma coisa poderia ter sido mais terrível que os gols de Paolo Rossi. Ter sido jogado pra fora daquele sonho por gols de Maradona ou Kempes.

Mas tínhamos Zico, Serginho, Júnior, e eu pude, cercado de amigos, ainda um tanto inocentes, descobrir o prazer de uma vitória sobre a Argentina. Caramba, preciso agradecer o Chulapa por isso. Aquela partida é, pra mim, a expressão máxima de arte e rivalidade.

Não essa rivalidade rasa, normalmente confundida com entradas desleais e pontapés. Não essa rivalidade forçada que irá temperar as manchetes antes e depois que Brasil e Argentina voltarem a se enfrentar. Falo da rivalidade como uma oportunidade de triunfar sobre alguém que você reconhece como dono de uma técnica refinada.

E acredito que está aí o que torna esse confronto tão importante pra nós. Diante de um jogo com os argentinos sabemos que só uma coisa evitará o desgostoso ato de sair de campo como derrotado. Se aproximar da perfeição. Ter atitude, estar ligado, tratar a bola com dignidade. Sem isso, ou um pouco disso, é possível ganhar de muita seleção por aí.

Mas a Argentina é outra história. E eles, por sua vez, podem fazer o que for, podem tentar nos cozinhar no caldeirão de Rosário, podem tentar nos convencer de que a vitória, mais do que nunca, é uma questão de vida ou morte. De honra sempre será. Ainda assim, no fundo, estarão transbordando respeito, vontade de um dia poder desfilar pelo mundo a imponência de cinco títulos mundiais, como nós.

Se fosse questão de vingança devíamos é correr atrás dos uruguaios que nos tatuaram na alma ludopédica o infausto Maracanazo. Estranho é perceber que nesses dias, Don Diego, o mais passional dos boleiros argentinos - que nunca escondeu a admiração por esse nosso jeito verde e amarelo de jogar bola - é o mais incompreendido.

Maradona está cansado de saber que jamais será capaz de tirar Pelé do trono, ainda mais aos gritos. Mas sabe que o futebol é repleto de artifícios, e não abre mão do seu jeito. E isso é uma das virtudes que enxergo nele. Está dito. E que revelem seu semblante de pouco caso os que não são capazes de perdoar certos defeitos.

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