segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Táticas, modismos e liberdade

“Se eu sei tática e o rival também sabe, o jogo termina 0 a 0".

A frase que você acaba de ler é de autoria do técnico da seleção brasileira. Ele mesmo, o atual, o Dunga. Foi proferida em uma das entrevistas dadas por ele antes do Brasil enfrentar o peculiar e viril esquadrão da Estônia. Mas não fiz questão de relembrá-la aqui só para manter viva a surpresa que ela é capaz de provocar, e sim por entender que, partindo de quem partiu, a citação abre um vasto horizonte para a discussão. O assunto, vocês provavelmente já notaram, é polêmico. Encanta uma multidão, intriga alguns, entedia outros tantos. Na semana passada, por exemplo, um amigo desabafou comigo. Um desabafo futebolístico interpretativo. Coisa comum na vida de um jornalista esportivo.

O sujeito estava indignado. Contestava essa sanha pelos esquemas táticos que tomou a crônica. Defendia com veemência que essa fixação só podia esconder um desejo reprimido. Segundo o tal torcedor descontente, no fundo o que todos esses comentaristas queriam era virar treinador. Como não tenho a intenção de deixar a coisa ainda mais complexa vou evitar incluir nestas linhas reflexões sobre o complemento da frase, que era o seguinte: “O que decide é um drible”.

Mas, vamos voltar à questão inicial. Ora, não se trata de “saber tática“. O saber pelo saber poderia acabar em empate, claro. A profundidade desse saber e a capacidade para colocá-lo em prática é que são alguns dos muitos detalhes que provocam a diferença no placar. A parte mais mordaz da consciência que carrego, no entanto, sugere que Dunga pode ter elucidado, sem querer, o motivo pelo qual alguns treinadores têm sido elevados à categoria de semi-deuses. São integrantes de um seleto grupo, detentores de um conhecimento que outros apenas fingem dominar.

Como o tempo de ingênuos no futebol ficou pra trás, sou quase obrigado a avalizar o inverso desse raciocínio. A maioria esmagadora dos treinadores, mesmo aqueles que jamais tinham exercido o cargo, como Dunga, é oriunda dos gramados, ou de muito perto dele, todos sabem de tática. Compreendem muito bem o 3.5.2, o 4.4.2, e até o menos usual 4.3.1.2, e por aí vai. Agora se um técnico sabe de tática e outro sabe também, não conseguir segurar o adversário passa a ser apenas uma questão de ter, ou não ter peças para fazer o serviço. Aí, feliz daqueles que têm à disposição um elenco de primeira. Uma maneira de pensar que pode esclarecer a razão pela qual o São Paulo reage, e o Corinthians patina.

Dunga foi além, e reforçou a tese do torcedor descontente ao afirmar que falar de tática virou moda, e apontou um caminho ao sentenciar que o que o treinador tem que fazer é dar liberdade para os jogadores. SE é assim, não devemos nos contentar com pouco. Lembremos. Livres, pra valer, eram os holandeses de Rinus Michels brincando de carrossel em plena Copa de 1974, liderados em campo pela sabedoria de Cruyff. Mas no nosso futebol, o máximo exercício de liberdade tem sido permitir que um volante tenha, às vezes, o ímpeto de um armador, e outras coisinhas mais. Se pensa realmente desse modo, Dunga já deve ter sacado que nunca foi fácil convencer os donos do poder de que apostar na liberdade é sempre um bom esquema para evoluir.

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