sexta-feira, 25 de abril de 2025

O Santos atual



Analisar o momento do Santos FC provoca certa melancolia. Dirão os otimistas que ela era maior na temporada passada quando o time foi obrigado a disputar a segunda divisão. Não é um parecer sem sentido. Mas ao relembrar agora a história recente vivida pelo clube tenho a impressão de que a trajetória desenhada ali se deu mais ou menos dentro do esperado. O time alternou bons e maus momentos. Havia no ar não o medo de um novo rebaixamento, mas o temor de passar mais uma temporada alijado da elite. O fim, adornado por um acesso antecipado e pelo título, por certo, soou mais glamouroso do que o percurso. 

Um triunfo que, para além de apaziguar o ânimo dos torcedores, foi extremamente salutar porque evitou uma debacle financeira ainda maior. A essa altura pouca gente deve lembrar que a volta à primeira divisão evitou que o Santos tivesse de devolver um adiantamento de sessenta e dois milhões de reais recebido por ter assinado um contrato de repasse de direitos de transmissão. Contrato que passaria a vigorar este ano e que irá até 2029. Também não me espanta que a visão geral se prenda a questões do presente. Mas, sou levado a crer que pode ser um engano pensar que tudo isso são águas passadas. A história é uma construção sem recessos. O Santos vive hoje a sequência de um período que é o menos glorioso de toda a sua existência. 

A chegada de Neymar, grande ídolo que é, contribuiu imensamente para mascarar essa realidade, para mascarar os desafios dessa continuidade histórica. Voltar jamais será como ter estado sempre. E para além da contribuição o camisa dez possa a vir a dar em campo, e sobre a qual os últimos acontecimentos vão derramando certo pessimismo, há o fato de que nos últimos anos o futebol brasileiro viveu um avanço vertiginoso no que diz respeito a questões econômicas. Entre o Santos e a verdadeira elite do futebol nacional neste momento existe um abismo que jamais existiu. Não consigo enxergar de outro modo, será necessário muito trabalho para diminuí-lo. E reside aí uma outra questão. 

Neymar e seu estafe, com seus parceiros endinheirados, desde sempre são vistos como capazes de salvar o Santos desse atraso. De fazer o clube dar um salto. Ocorre que o primeiro efeito colateral disso tudo tem sido, também desde o primeiro capítulo, ofuscar aqueles que foram eleitos para cuidar do clube. Uma equação pra lá de delicada, pois se há uma coisa que o atual presidente nunca fez questão de esconder foi a dificuldade que vinha tendo para lidar com a situação frágil em que encontrou o clube. E, diante de tudo isso, não é descabido olhar com certo ar de espanto para o elenco santista e sua mais de dezena de recém contratados. 

A montagem do time se não torna claro tudo o que anda acontecendo com o clube, no mínimo, é um elo entre todos os pontos e provoca boas questões. Está a altura das finanças de um clube que nunca escondeu suas fragilidades financeiras? Foi montado pensando em dar amparo a Neymar? É fruto de transações que o clube sozinho não conseguiria ter feito? A complexidade dos dias que o Santos anda vivendo sugere a urgência de se descobrir se há mesmo entre todas as forças que agem sobre o clube neste momento um interesse comum. De outro modo, mesmo que se tire do chapéu um técnico ideal, será difícil voltar a ver o Santos brilhar em campo e ser dono do próprio nariz como ele foi um dia.   

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Viva o Seo Macia !



O futebol está em nós de um jeito muito singular. Não só com aqueles que nossos olhos puderam ver em campo mas também com aqueles que a história tratou de ungir com ares de eternos e que não ver em campo. Se a Copa de 1982, nos idos dos meus saudosos quinze anos,  me pegou em cheio com Zico, Sócrates e Falcão, à minha geração escaparam nomes como Pagão, Toninho Guerreiro, Jair Rosa Pinto, de quem nem por isso deixo de me sentir um tanto íntimo. A magia do jogo alimenta em nós a possibilidade de ultrapassar esse desvão histórico com devoção. E sigo acreditando que de alguma forma isso é possível, tanto são os craques de outras áreas que admiramos e trazemos pras nossas vidas. 

Quisera eu puder ter visto em campo um Zizinho, um Didi. Deus do céu, um Garrincha. Quem dera. E não tratem como heresia não ter citado até aqui o Rei Pelé que, dizia meu pai, vimos em campo. Mas que eu devo confessar, um tanto envergonhado, não ter conservado em mim a mínima lembrança. O que nesta hora faz com que eu me sinta como se a memória tivesse - diante de um estádio lotado - colocado a bola entre as minhas pernas. E nesse time cultuado, a que meu tempo não me deu direito, está também, em lugar de honra, o ponta-esquerda Pepe. Muito se fala sobre o seu chute potente com o qual ele foi deixando pelo caminho um sem fim de adversários, mas que eu , secretamente, aprendi a admirar por outras virtudes menos exaltadas, como a precisão, por exemplo. 

Nunca esqueci do slogan de uma antiga propaganda de pneus que dizia o seguinte: potência não é nada sem controle. E a primeira vez que ouvi aquilo lembrei imediatamente do Seo Macia porque no dia em que eu o conheci ele fez com o amigo que estava a meu lado uma brincadeira que sempre gostou de fazer e que consistia em jogar a bola repentinamente pro alto e dizer de antemão onde ela iria parar. Lembro bem. Naquele manhã de sol na Vila, disse que seria na linha de meio de campo e quando cheguei perto dela pude comprovar que a mesma não estava mais de dois dedos além do previsto. Impressionante. Mas se não sou do jogador testemunha, sou do homem. E com certos privilégios até, que me foram dados pela profissão e pelo destino. 

No primeiro caso, por ter desfrutado dos registros cuidadosos que ele tratou de fazer a respeito da própria história. E de poder, na condição de jornalista poder colhê-los. E no segundo, por ter vivido em São Vicente, e vê-lo muitas vezes por ali, com os amigos a falar de futebol. A revirar lembranças. E, vejam só, por ter formado num time de escritores ocasional que, podem acreditar, teve a honra de ter Seo Macia como treinador. O mesmo bondoso destino que, tabelando com a filha Gisa e outros amigos, me deu a oportunidade de escrever um prefácio para sua biografia publicada tempos atrás pela valente Realejo. 

E não bastassem todas as conquistas o ponta-esquerda a essa altura do jogo se apresenta com a alta patente dos que viveram muito e não se deslumbraram com a imensidão da própria obra. Que bom é saber que partir do próximo sábado, no Museu Pelé, estará a exposição Pepe - Futebol, vida e glórias. Aos amantes do futebol digo que se trata de oportunidade imperdível, em especial aos que, como eu, lamentam não tê-lo visto em campo, pois o homem segue aí cativante e admirável como nem todos os grandes campeões conseguem ser. Viva o Seo Macia!  

quinta-feira, 3 de abril de 2025

A peneira invisível



Existem muitas teorias que tentam explicar o rumo que o futebol tomou. Uma das mais defendidas é aquela que prega que o fim dos campos de terra, expressão máxima da várzea que outrora cansou de revelar talentos, contribuiu deveras para o empobrecimento do jogo. Difícil combater o argumento. A expansão imobiliária notadamente roubou espaços preciosos nesse sentido e confinou a molecada em quadras, sejam elas as dos prédios ou as de society. Abençoados sejam os meninos que têm ainda uma praia pra usar como cenário de suas  peladas. 

Notem que jogar bola em um gramado natural e em campo grande virou um luxo total. Conheço muita gente que joga - e jogou bola - e nunca teve tamanho privilégio. É fato que a várzea também mudou. Está longe de ser só passado. Em uma cidade como São Paulo ela pulsa, mobiliza multidões, dá identidade a certas comunidades, preservando o ar que tinha em outros tempos. E é, muitas vezes, uma várzea requintada se comparada à de antigamente. Paga bons cachês. Atrai jogadores profissionais recém aposentados. Vira e mexe migra para estádios pequenos como o da Rua Javari, na capital paulista.

Por essas e outras uma manchete anunciando que o jogador considerado o número um da várzea paulista acabara de ganhar a chance de disputar a Série B do Campeonato Brasileiro me chamou a atenção outro dia.  O craque em questão é, Gabriel Mendes, de vinte e nove anos, que chegou lá sem jamais ter passado por uma categoria de base do nosso futebol.  Gabriel é o mais novo reforço do Avaí. E conseguiu a chance depois de ter ido jogar no ano passado no Santa Catarina para disputar a segunda divisão estadual. Lá foi vice-campeão e eleito o melhor meia do torneio. 

Antes disso a melhor chance que tinha tido foi disputar a quarta e última divisão do futebol paulista. Passagem que durou onze jogos. Mas tão valoroso quanto o talento de Gabriel foi uma das declarações dadas por ele que, a meu ver, explica muito certas carências do nosso futebol atual.  Nela o meia explicou a razão que o fez apostar na várzea e não nas categorias de base. Ele se considerava magrinho demais e isso o faria ser preterido. Era a crença que tinha pelo que conhecia desse universo. E apurou com ainda mais lucidez nossa realidade ao dizer que não queria viver o processo para ser jogador profissional. Um processo que ele sabe que precisa ser vivido. 

Em seguida se declarou um apaixonado pela várzea e prometeu na Série B ter o mesmo foco que teve para desenhar a trajetória que o trouxe até aqui. Nesse mercado - que Gabriel conhece tão bem - os valores recebidos no futebol amador ou nas categorias profissionais inferiores praticamente se equivalem. E foi se equilibrando entre eles que viveu todos esses anos. Mas a grande contribuição dessa história é sugerir uma reflexão sobre as categorias de base que ditam o rumo do nosso futebol. 

Não é preciso ser profundo conhecedor do tema pra entender que há um sem fim de condições exigidas da meninada. Exigências que passam por questões físicas, econômicas, e que muitas vezes esnobam o dom, o talento. Quero crer que para muito além de São Paulo onde a várzea, é preciso ressaltar, ostenta uma força singular, seguimos sendo um  país imenso cheio de meninos bons de bola. Uma revisão de processos e de valores certamente faria, além de Gabriel Mendes, muitos outros passarem por essa peneira disfarçada e invisível que vem ditando o futuro do futebol brasileiro.