quarta-feira, 17 de junho de 2020

O Tri e o Maraca

                                   

Um vai fazer cinquenta anos, o outro acaba de fazer setenta. Duas datas gigantes para o nosso futebol. A primeira é a da conquista que ficou batizada como o "tri", e se completa no próximo domingo. Dia desde sempre afinado com o futebol.  Entendo a razão desse que de tão falado lhe parece até um nome de batismo. Mas esse papo de tri, ou bi, ou tetra, sem ser em sequência, na minha opinião, vai contra o espírito da coisa. Além do mais, o que a Seleção Brasileira fez na Copa de 70, a conquista definitiva da taça Jules  Rimet que o mundo cobiçava tanto, praticamente fazem dispensáveis outras exaltações ao triunfo. 

Como andei dizendo, não creio num Deus do futebol mas, às vezes, o jogo me faz crer que há por trás dele um roteirista com dons divinos.  E nada renova mais essa minha fé singular  do que ver a Seleção de 70. Devemos considerar sempre uma possível interpretação exagerada dos fatos, uma vez que fomos colocados do lado de quem nele triunfa. Ainda que a nobreza do que se desenhou  naqueles dias nos gramados do México nunca tenha deixado de ser reconhecida  pelos derrotados, muito pelo contrário. Cada lance desenhado pelo time brasileiro naquele junho distante está envolto em tamanha magia que toda vez que dou de cara com eles sinto que algo ali se renova. 

Não importa que nestes dias já meio século se encaixe  entre estnosso momento e aquele em que a bola começou a rolar lá no México. Tudo ali se revela atual. E não falo só de lances muito simbólicos, como aquela tentativa de gol por cobertura do meio de campo do Pelé, ou a gingada desvairada de Clodoaldo pra cima dos uruguaios. Não, qualquer lance daqueles me parece envolto por uma aura mágica, por mais simples que se apresente. Um time que desafia a lógica. Num instante soa desenhado pelo talento individual e no instante seguinte nos convence de que era na realidade a fina flor do que pode uma equipe ciente da importância de atuar coletivamente. Sei, são coisas que não se excluem, mas notem a beleza que reside no equilíbrio dessa fórmula, nesse jeito de se metamorfosear. 


                                     


A outra data se refere a um estádio que nasceu com a imponência das catedrais. Sonhado pra ser cenário de uma glória que, quis o destino, até hoje o torcedor brasileiro não teve direito. Vencer uma Copa em casa. Que sina essa. Construído o Maracanã o futebol brasileiro viu erguido seu símbolo maior. Com ar de templo o velho Mário Filho se fez a casa de homens admirados como deuses. 

E de tudo o que o Maracanã é - e foi -  nada se fez mais seu espelho do que a saudosa geral. Aquela parte funda de seu ventre que a sanha de modernidade dos homens simplesmente enterrou. A saudosa geral dos homens com seus rádios de pilha colados ao ouvido e que em sua simplicidade absoluta  dava a impressão  de ter espaço para abrigar as dores e prazeres de todos os que por ventura quisessem comungar com um jogo de bola.

Temos sido testemunha de tudo o que o Maracanã tem enfrentado. Não pude comprovar, mas me disseram que depois da última reforma já não se pode mais ver o Cristo Redentor de nenhum ponto da arquibancada. Pura heresia. Hoje, depois de atravessar sete décadas, o que mais se ouve é que está mudado. Mas, me digam,  quem é capaz de cruzar o tempo sendo e parecendo exatamente o mesmo? 


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

Nenhum comentário: