quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Fala aí, arquibancada!



Dias atrás lendo o livro "Política, propina e futebol", do jornalista Jamil Chade, mais uma vez lamentei em silêncio, como já fiz outras vezes, o fato de que neste dito país do futebol os torcedores até hoje não tenham explorado toda a potencialidade das arquibancadas. Nunca é tarde. Elas estão aí e poderíamos desde sempre tê-las transformado em uma grande tribuna que expressasse nossa indignação, nossas reivindicações e até nossas outras alegrias, aquelas que nada têm a ver com o jogo. 

O autor do livro repassa alguns momentos em que as arquibancadas, pelo mundo, ganharam essa outra dimensão. Como em um jogo no Cairo em que o líder da oposição foi efusivamente saudado pelos torcedores, que ainda fizeram questão de adornar o momento com gritos de "Fora, Mubarak". Amplificando o desejo popular de tirar o  político do poder. Na Jordânia, os gritos ofensivos dos torcedores do Faisali à Rainha Raina seriam fatalmente punidos com tortura. Mas como era impossível prender todo mundo restou aos donos do poder interromper o jogo e multar o time. O recado das arquibancadas, no entanto, estava dado. O livro traz ainda uma interessante declaração de um sociólogo britânico que nos alerta para o fato de que, apesar dos governos insistentemente usarem o futebol e os eventos esportivos para se autopromover, a massa pode durante noventa minutos transformar os estádios em "enclaves de autonomia". 

Eis que na última quinta-feira a nossa polícia militar entrou em cena para impedir a torcida corintiana de se manifestar através de algumas faixas, e fazendo do Estatuto do Torcedor seu escudo. Não vou entrar no mérito do teor das faixas, nem vou fazer digressões a respeito das intenções da torcida. Ocorre que o estatuto versa sobre faixas com conteúdos ofensivos. Impedir que a torcida se manifeste é um abuso, é atentar contra a liberdade de expressão. O torcedor pode até não fazer uso desse direito, como em geral não faz. Salvo belas exceções como aquela faixa erguida com astúcia em 1979 durante um Corinthians e Santos para pedir "Anistia ampla, geral e irrestrita". Algo que bem antes já se manifestava nas ruas. 

A arquibancada não é a rua mas tem a alma dela, sua transcendência. E digo mais, se de hora pra outra o "Estatuto do Torcedor" passar a ser usado contra ele, que o torcedor proteste exigindo que mude. Pois protestar, como aliás fizeram na semana passada torcedores do Liverpool e mais tarde os do Borusia Dortmund, indignados com o alto preço do ingressos, não deixa de ser uma forma nobre e inteligente de comungar com o futebol.  

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