sexta-feira, 16 de abril de 2010

Uma versão dos fatos

À procura de um tema para esse nosso encontro semanal acabei me lembrando de um romance de Luigi Pirandello. O livro do autor italiano que me veio à cabeça é "Um, nenhum e cem mil".

Trata-se da história de um homem que, a partir de um comentário trivial feito por sua mulher, começa a descobrir que é visto pelos outros de uma forma muito diferente da que imaginava. E mais, que essa maneira de encará-lo era única para cada um dos habitantes da pequena cidade em que vive.

Em linhas gerais, o personagem principal da obra, Vitangelo Moscarda, passa a conviver com essa intrigante descoberta de que, ao mesmo tempo em que é apenas um, não é nenhum daqueles que as pessoas imaginam, mas ao mesmo tempo é todos eles.

A essa hora os mais impacientes estarão se perguntando: E daí, e daí? Bom, e daí que o futebol também vive, e sempre viveu, esse choque de versões, essa riqueza filosófica.

Eu aqui com as minhas verdades, nada absolutas, afirmo que o árbitro da primeira partida da semifinal entre São Paulo e Santos, preocupado em não perder o controle da situação optou por uma maneira de agir pouco corajosa e saiu distribuindo cartões amarelos.

Por outro lado, certos jogadores do São Paulo devem ter imaginado, como aqueles que encaravam o Vitangelo Moscarda de Pirandello, que o homem do apito era um cara diferente, e ao forçar uma situação, acabaram provocando uma reação inesperada por eles, e que levou à expulsão de Marlos, o jogador mais estratégico do elenco sãopaulino.

Outra coisa, o time do Morumbi soube tirar proveito da maturidade, porque só tendo maturidade é possível reagir diante da desvantagem de ter um jogador a menos em campo e um placar marcando dois a zero para o adversário.

É certo também que o time do Santos esteve longe de fazer uma apresentação de gala, e pra mim o principal sintoma disso foi ver o talentoso Neymar ir ao chão sozinho ao tentar uma arrancada. Agora, decisivo mesmo pra que eu centrasse a atenção nessa relação "atleta x árbitro" foi ter acompanhado a outra semifinal, entre Grêmio Prudente e Santo André, onde essa tensão praticamente não existiu.

Ali, no tira-teima entre dois times mais modestos, todo mundo parecia mais preocupado em jogar futebol do que em ficar rezando na orelha do juiz a sua versão do que acontecia em campo.

Mas, voltando ao clássico, insisto em dizer que o jogo aproximou as duas torcidas da realidade. Afinal, só se surpreende com o fato de um time formado por garotos titubear diante do peso de uma decisão, os interessados em fabricar super-heróis.

E na outra ponta desse enredo, os torcedores do São Paulo, sempre tão exigentes, puderam ver que há no Morumbi um elenco capaz de encarar de igual pra igual o time que é a sensação da temporada, e a prova disso é que só os mais empolgados serão capazes de dizer, neste momento, que a vantagem santista já decidiu a vaga na final.

E não fique chateado se, por um acaso, você tiver uma outra versão dos homens e dos fatos. Em se tratando de futebol, somos bem mais de cem mil. .

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