Mas trata-se da mais pura verdade. Eu estava lá, eu vi. Falo do dia em que Dilma entrou em rede nacional para falar sobre as manifestações que sacudiram o país. Você pode estar aí dizendo o que isso tem de mais. Pois eu lhe digo, companheiro. Nunca antes na história deste país o Bar do Zé tinha parado pra ouvir alguém falar.
Desde sempre a televisão que lá
está era muda. Os jogos que deram o clima de tantas tardes e noites lá são
vistos sem aúdio, isso mesmo. Nada pode interferir no burburinho do lugar
provocado por línguas destravadas depois de algumas tulipas. Lá se fala mais do
que se escuta. E isso é praticamente constitucional no venerando botequim. Ou
melhor, era. Divido aqui discretamente com vocês que em dados momentos até perdi
o fio da meada do que vinha sendo lido pela presidenta ali no teleprompter
presidencial... tão embasbacado que estava com o clima que tomou o lugar.
Ouso
dizer até que nos primeiros minutos não houve registro de um único gole por mais
que alguns tenham se aproveitado da situação para exercitar aquele tipo de humor
bélico. Lembro bem, por exemplo, de ter ouvido um invocado grito de ' sapatão'
vindo de algum lugar. A coisa foi tão séria que quando a Dilma passou a citar a
Copa do Mundo, outro manifesto me chamou a atenção. Alguém lá mais ao fundo
ainda fez questão de mostrar sua indignação.
_ Pô,
o bicho tá pegando e essa dona ainda vem me falar de futebol? Tenha
paciência!
Mas nem todo mundo estava
indignado. O tio, autor da marchinha do Bar do Zé no último carnaval, e sarrista
dos bons, encostado na parede com o copo apoiado no balcão, mantinha no canto
da boca um sorrisinho ácido que ele mesmo faria questão de explicar pouco depois. O sujeito
trabalha numa empresa que vende produtos químicos, entres os quais um que é
matéria prima na fabricação de gás lacrimôgeneo e, claro, tá vendendo como
nunca. É mole? E, como se não bastasse, pra não perder a veia de humorista mandou :
_ Ô Zé,
amanhã nós vamos queimar uns pneu aqui em frente. É cerveja a quatro e cinquenta
ou vamô quebrar tudo.
Foram uns quinze minutos diferentes de tudo que já
tinha sido registrado nesse meio século que o Seo Zé atravessou atrás do
balcão. Não vou ser cara de pau a ponto de dizer que o clima permaneceu
inalterado durante os eternos quinze minutos de pronunciamento. Mas que foi
coisa de louco, isso foi. Algum tempo depois de passado acontecimento tão
singular, eis que surge mais um freguês. O cara entrou naquela simpatia,
estendeu a mão, e perguntou:
_ E aí,
como vai?
Alfredinho, o juventino, não titubeou:
_ O Brasil tá complicado. Do resto tá tudo bem!
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