sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O Rei é nosso !


                                                             

Tomem ciência. Fosse o maior camisa dez de todos os tempos um italiano, um alemão, e era uma vez essa proximidade que de alguma forma nos deixa na condição de íntimos do Rei. Talvez a essa altura as pessoas já nem lembrem, até pela insanidade do ato, que certo dia um certo presidente santista decidiu mandar Pelé, que ocupava um cargo de diretoria, embora do Santos. Bastaram algumas horas e um mundo de jornalistas estava às portas da Vila Belmiro esperando a despedida, como se um adeus desse tipo fosse possível. Foram horas de espera até que um carro parou em uma das esquinas e dele desceu Pelé, com o sorriso de sempre no rosto como sendo o avesso do fato. Respeitosa, a pequena multidão de jornalistas foi se dirigindo a ele. Mas para a surpresa de todos uma repórter em disparada, esbaforida, quase arrastando o cinegrafista pelo cabo do microfone avançou em direção ao Rei e para lá de afoita perguntou:

_ Pelé, o que você tem a dizer?


No silêncio que se deu, o sorriso dele cresceu ainda mais, e com aquele tom de voz sereno e inconfundível disse:


_Agora? Nada!


Murcha e sem entender direito o que tinha vivido, a repórter se encolheu e voltou a sumir entre os profissionais e curiosos. Tinha sem querer atropelado o protocolo que quase todos ali conheciam bem. Passada a cena, sem microfones em punho, perguntamos ao Rei qual seria o itinerário dele. Pelé disse que subiria até sua sala e depois iria se despedir dos jogadores que treinavam no gramado e lá falaria com a imprensa. Resgato a história por achar que ela reflete de algum modo essa proximidade, esse privilégio de ao menos em algum momento da história estar perto de Pelé e que esta data a se comemorar me fez notar melhor. Como veladamente mostra o cerimonial que se cumpria, mesmo Pelé tendo sido sempre um homem despido de arroubos. Não tardou e Pelé estaria de volta à Vila, ao Santos, claro. E como era assim nunca esqueci também certa cena que vi registrada em noventa e quatro, na época da Copa dos Estados Unidos. Num evento com o Rei uma fila imensa - que transbordava a sala de um prédio luxuoso e descia pelas escadarias de alguns andares - colocando em linha convidados vips, celebridades, Chefes de Estado. Tudo muito diferente de certos dias em que Pelé aparecia em Urbano Caldeira e era cercado por alguns poucos repórteres que faziam a cobertura diária do clube. Escolhi essa receita pra homenagem porque falar do jogador é chover no molhado. E também pra driblar algo que já virou um chavão: colocar na balança o Rei e o Edson. Pois, de verdade, acho que não existe homem que exposto desse jeito aos olhos do mundo pareceria perfeito. Não que isso deva servir de perdão. E vamos em frente, Rei, que o tempo sempre foi dos nossos adversários mais duros.    





* Foto: Domício Pinheiro 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Revista do Esporte - TV Cultura , ao vivo, 20h45



com Roberto Rivellino e Arnaldo Ribeiro








 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Absolvição e castigo



O que vai aqui não tem a alma de um artigo. De crônica, talvez. O assunto frequentou as páginas de jornais e de portais nos últimos vinte e poucos dias. Mas duvido que o povão, essa entidade abstrata muito citada no meu tempo de moleque para se defender um ponto de vista, teve algum interesse nele. E se teve deve ter sido mais por picuinha, para marcar posição, do que propriamente como reflexo de algo que  importava. Interessante notar que não se fala mais nesse tal povão. O tempo fez questão de dividi-lo. E é justamente essa divisão que fez o tema virar o que virou. Sem contar , é claro, o faro apuradíssimo do Superior Tribunal de Justiça Esportiva, para questões que o coloquem sob os holofotes. Sem elas desfruta de um ostracismo quase absoluto. 

O fato é a jogadora de voleibol, Carol Solberg, ter soltado um já famoso " Fora Bolsonaro" ao final de uma entrevista. A atleta tinha acabado de conquistar o terceiro lugar em uma das etapas do circuito brasileiro. O enredo a partir daí foi trivial. A fala se fazendo viral nas redes sociais, os defensores do presidente - sempre tão digitais - proferindo ameaças. E o STJD dias depois a denunciando em dois artigos.  O primeiro por deixar de cumprir ou dificultar o cumprimento do regulamento. E o segundo por assumir conduta contrária à disciplina e à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código. Notem a dificuldade para enquadrar a moça. Foi preciso buscar um artigo que  dissesse respeito e algo que não estava previsto. Minha primeira reação foi similar a que teve a campeã, Ana Mozer. Tudo isso por um fora Bolsonaro? Jura?, escreveu a jogadora de vôlei campeã mundial no twitter. A partir dali não tirei mais o assunto do horizonte. 

Mas a minha análise não estava sobre o ocorrido, estava na reação das pessoas e entidades que se pronunciaram a respeito dele. Desde a Confederação, cuja postura desde o início deixou transparecer outras preocupações, passando pela Comissão de Atletas de Praia, afirmando não ser favorável a nenhuma manifestação de cunho político em competições esportivas. Sem, talvez, notar o quanto uma posição dessa pode lhe impor limites. No Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil que se colocou à disposição para defender a atleta do que considerou uma violência. No julgamento sendo adiado em virtude do pedido da Associação Brasileira de Imprensa e do Movimento Nacional de Direitos Humanos terem pedido para tomar parte no processo, o que foi indeferido. 

E vi, com alegria, Radamés Lattari, CEO da Confederação dizer com todas as letras que não gostaria de ver Carol Solberg punida. E que nenhum dos cinco patrocinadores da Confederação tinham reclamado do ocorrido, inclusive o Banco do Brasil que, ao contrário do que foi dito, não patrocina a atleta. Um dos últimos lances teve o Ministério Público do Rio entrando em cena e pedindo à CBV e ao STJD explicações sobre a denuncia. Escrevi tudo isso antes de sair a sentença, que eu sabia teria muito de nós, do nosso momento. Não errei. Carol foi advertida, avisada que provocar uma nova situação semelhante a colocará na condição de reincidente com as implicações previstas. Nada de multa ou suspensão. Enfim, um lamentável e singular caso em que a absolvição foi ao mesmo tempo castigo.   

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Revista do Esporte - uma opção para as suas noites de segunda

 


Luxemburgo não é inocente



Começa mais um dia de treino na Vila Belmiro. É uma terça -feira de sol. O time santista nem deu as caras. Mas repórteres, cinegrafistas e fotógrafos já estão ali à beira do gramado, esperando o treino começar. Divididos em pequenos grupos falam um pouco de tudo. Mas a troca de impressões a respeito do time é o tema principal. Minutos depois os jogadores e a comissão saem do túnel, sem pressa. Alguns vão além dos cumprimentos, param brevemente. O momento é a primeira deixa pra se engatilhar um pedido posterior de entrevista, sentir se a pauta, o tema pensado, vai dar pé. Enfim, ali à disposição da imprensa estão todas as faces de um time profissional. Um olhar atento, treinado também, vai ser capaz de extrair dele todos os detalhes, desvendá-lo. O semblante do artilheiro que vive uma incômoda seca de gols, a petulância do jovem meia recém chegado do interior quando a bola rola, as preocupações e os pedidos que vão sendo externados pelo treinador. Está tudo aos olhos dos presentes. E não irá demorar muito todas as descobertas estarão estampadas nas páginas dos Cadernos de Esportes, estarão sendo contadas nos programas radiofônicos da hora do almoço ou do final da tarde. Nos programas esportivos da TV. 



Existia, claro, um tema, um acontecimento que se impunha, mas ao mesmo tempo cada repórter que aportava ali trazia consigo uma ideia, uma possibilidade. Cinegrafistas e fotógrafos, por sua vez, tinham liberdade para escolher o ponto do qual acreditavam seria possível extrair daquele ambiente a melhor imagem.  Fosse da beira do campo, da arquibancada, atrás do gol. Não estavam confinados em pequenos espaços como hoje. Via-se e mostrava-se tudo, ou quase. E no fim, quando voltavam a se encaminhar para o ponto de onde tinham saído, os repórteres de microfone em punho iam se aproximando a esse ou aquele, barrando-lhes o caminho em nome do ofício. Pra quem cobria futebol existia uma graça em descobrir um personagem que, de algum modo, fosse só seu. Driblar de certo modo a celebridade, o homem-gol da hora, enriquecia a cobertura e ajudava a colocar os tais em seu devido lugar. E não era uma bagunça, não. A coisa tinha seus ritos. Um modus operandi que vinha sendo lapidado desde que o futebol tinha caído nas graças da grande mídia. Nem tudo era possível, não se enganem. Mas cobrir futebol de maneira mais ampla e fiel, ah isso era. 




O que me motivou a escrever sobre o tema foram as lamúrias de Vanderlei Luxemburgo a respeito do trabalho da imprensa. E o que vai aqui não é coisa que se deu há meio século. É cena tirada dos anos noventa, quando Luxa reinava e tirava também bom aproveito dessa maneira de se fazer as coisas. Notadamente sempre se preocupou em entender como ela age. A pandemia certamente acentuou esse abismo. Mas bem antes disso os homens do futebol já tinham se encarregado de tornar a relação  quase estéril. E partir daí iremos buscar informações onde? Nas mídias digitais? Onde homens e instituições sempre podem se mostrar mais como gostariam de ser, e não exatamente como são?  Erra quem pensa que o ônus dos cercadinhos nos CTs, os treinos fechados, a blindagem pesada, essa falta de vontade de falar com os jornalistas, fosse ter como vítima apenas a imprensa. 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Nosso futebol sem saída



Os primeiros capítulos da novela vivida pelo Flamengo na semana passada no Equador, se vendo em outro país precisando trazer de volta ao Brasil seis jogadores infectados por Covid, tendo de armar uma logística que além disso permitisse levar até lá outros quatro para substituí-los, já seria mais do que suficiente para provar que ter em andamento a Libertadores do jeito que está é um descalabro. Mais bizarro do que esse capítulo só mesmo o segundo provocado pela situação. As autoridades de Guayaquil analisando tudo que estava acontecendo, decidindo - como parecia mandar o bom senso - suspender a partida, para em seguida tomarem uma invertida das instâncias superiores que permitiram a realização do jogo.

Um enredo que deixa tão na cara a queda de braço que tem se desenrolado nos bastidores desde que se passou a falar na volta do futebol. O Equador, enquanto país, teve nas mãos, uma chance incrível de se mostrar digno de elogio. Mas como dá pra notar falou mais alto o compromisso com o que poderia ser - e era - do interesse da Conmebol do que uma quase abstrata preocupação com a saúde dos atletas e dos envolvidos com o evento. Toda essa esbórnia redundou num verdadeiro surto que se abateu sobre o clube rubro-negro atingindo jogadores, comissão, diretoria. E tudo seguiu como antes, por incrível que pareça. A razão é óbvia. Ao decidir manter a Libertadores do jeito que estava e o Brasileirão também, os homens do futebol colocaram a navalha no próprio pescoço. Não há uma data para respiro. 

O calendário está esgotado. E diante disso aceitar um adiamento seria comprometer tudo. Correr o risco alto de um efeito dominó. Em outras palavras, esses torneios com suas doses cavalares de jogos terá de ser mantido a qualquer preço. E a postura quase mórbida do Flamengo desde o início, voltando aos treinos sem autorização, deu a esse cenário todo um quê de efeito retroativo, colateral. Mas que ao mesmo tempo condena a todos pagar pela imprudência, quicá com a própria saúde. Mais incrível que isso só mesmo a insensibilidade de se levar adiante a discussão sobre a volta da torcida.  Como se falou aos quatro ventos, convocar uma reunião com participantes remotos para discutir se outros podem estar juntos beira a piada, de mau gosto obviamente. 

A exigência de alguns cartolas de que a volta só se desse se a resolução valesse para todos tinha um ar de argumento feito sob medida para forçar o libera geral.  Mas tudo foi por água abaixo quando o governo paulista disse não, sem titubear, apontando decisões técnicas. E, notem, tendo pela frente um jogo da Seleção Brasileira pelas Eliminatórias que será disputado em São Paulo. Em sintonia com a postura adotada na maior parte do tempo a resolução soou como uma bola entre as pernas da cartolagem. Até porque da parte de quem comanda o futebol essa pregação por igualdade tem um ar  de história pra boi dormir, já que em muitos casos, e no caso do Brasileirão, inclusive, aceitaram que a bola voltasse a rolar com os times vivendo estágios de volta e preparação totalmente distintos. Enfim, em matéria de futebol em tempos de pandemia o bom senso respira por aparelhos, poucos parecem dispostos a salvá-lo.