E pensar que há pouco mais de uma
semana éramos vistos como um povo sem atitude. Que aquela imagem da praça da Sé
cheia de gente pedindo eleições diretas, com seus quase trinta anos,
teimava em parecer um ponto fora da curva, pra usar termo recém consagrado.
Não fosse o cinismo
teria sido surpreendente ver gente da CBF, cartolas em geral, governantes e
afins, fazendo questão de apoiar as manifestações que tomaram o país. E tão
bonito quanto ver uma juventude acusada de acomodada mostrar uma enorme
disposição para lutar por um país melhor foi ir percebendo o que tudo isso
provocava. Como ia revolvendo nossas entranhas.
Graças aos acontecimentos
ficamos sabendo que os policiais lá de Fortaleza - dona de um dos maiores índices de
homicídios do país - iriam protestar também porque há tempos andam às turras com
o governo, lutando por melhores salários e condições de trabalho. E que louvável
foi ver o atacante Hulk dizer corajosamente durante a coletiva de imprensa - em
um dos dias mais quentes das manifestações - que tinha vontade de ir pra rua
sim. Que seu passado de dificuldades não permitia deixar de ver o que aqueles
que continuavam pobres, como ele foi um dia, tinham de enfrentar.
Pouco depois
foi Rivaldo, o craque tímido, que veio a público dizer que considerava uma
vergonha gastar tanto dinheiro com uma Copa do Mundo quando nossos hospitais
continuavam nos envergonhando. "Já fui pobre e senti na pele a dificuldade de
estudar em escola pública e não ter um bom serviço de saúde" confessou o
homem-chave de nossa última conquista mundial, não sem antes ter dito que "
precisava desabafar". Enfim, a condição humilde de boa parte dos nossos
jogadores servia finalmente para algo mais
grandioso do que gerar matérias tocantes, emotivas.
Estes dias históricos que
vivemos, como toda situação limite, tiveram a virtude de escancarar como os
homens são diferentes. Que o diga outro dos nossos grandes ídolos,
Ronaldo, praticamente obrigado a explicar declarações dadas em 2011. Isso
enquanto Juninho Pernambucano radicalizava e sugeria à nossa seleção cantar o
hino de costas.
Escrevo estas linhas horas antes da partida entre Brasil e
Uruguai sob uma expectativa que não é das melhores para todos os que irão ao
Mineirão. Seja pra jogar, para assistir ou protestar. Quando tiver tido a honra
da sua leitura o futebol e o povo brasileiro terão escrito mais uma página da
nossa história. Que tenha sido motivo de orgulho pra nós, já que ele andou
seriamente ameaçado pelas muitas barbáries que uns poucos aproveitaram para
cometer.
*artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos
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