quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Os dribles que o futebol impõe



O futebol esbanja dribles. Nos impõe vários. Alguns muito impiedosos, porque insistentes. Falo do que sofremos toda vez que tentamos decifrá-lo. E não perdemos a mania. Essa constatação faz com que eu me sinta como um zagueiro desses estabanados que no afã de colocar um ponto final em uma investida adversária acaba sendo driblado duas vezes e, pra fechar, ainda erra o carrinho que tenta desferir já em notável desespero. Mas há dribles desse tipo que são suaves, como aquele que silenciosamente  fustiga alguém que tenha decretado por aí  que jogar em alto nível aos quarenta anos, nesse futebol supra físico que se desenhou, beira o impossível. Eis que olho pra TV e dou de cara com um jogo das Eliminatórias Europeias. De um lado a República Tcheca, do outro a Croácia. E lá está o quarentão Luka Modric, envergando a camisa dez com a elegância de sempre,  sugerindo que é melhor a gente não tentar prever até onde se pode ir. 

Quer mais um exemplo? Bom, outro veredito que já ouvi ser proferido por aí é aquele que decreta que essa inundação de estrangeiros vista no futebol brasileiro atualmente cobraria um preço terrível: o de limitar severamente as oportunidades dadas aos talentos das categorias de base. É conclusão difícil de refutar assim de primeira. Já andei assinando a tal. Mas um olhar atento às ultimas rodadas do Brasileirão inevitavelmente  nos coloca uma pulga atrás da orelha. É só lembrar das alegrias que o garoto Gui Negão andou dando à torcida corintiana. E, em menor grau, o volante André, autor de um dos gols da vitória do timão sobre o Mirassol. Mas não pensem que é assim rasa a realidade que se contrapõe ao que pode parecer óbvio. 



Lembremos do jogo maluco que fez o Vasco com o Vitória. Um quatro a três cheio de reviravoltas em que triunfou o time de São Januário graças a dois gols cheios de juventude. Um do camisa setenta e sete Rayan, de dezenove anos. E o outro, mais nobre ainda por ter sido o quarto do time da casa, o que garantiu de verdade os três pontos, marcado aos cinquenta e dois do segundo tempo por GB, de vinte anos. Mesmo nos poderosos Palmeiras e Flamengo que tanto gastaram para moldar seus elencos atuais a garotada dá as caras. Allan, no alviverde, que tem vinte e um anos, mas está no clube desde o sub-15. Wallace Yan, no Flamengo. Ainda que no segundo caso, do alto de seus vinte anos, o rubro-negro tenha acabado expulso no jogo contra o Bahia e forçado a torcida do Mengo a temer um tanto sua juventude. Ainda que os lances que redundaram na expulsão - e seu histórico em campo - sejam capazes de convencer qualquer um que se trata mais de uma deficiência comportamental do que técnica. 

Há outros exemplos que poderiam ser pinçados, mas por falar no Flamengo não dá pra deixar passar, já que o assunto é esse, a oportunidade que teve Kauê Furquim. O garoto de apenas de dezesseis anos - que ao deixar o Corinthians e seguir para o time baiano meses atrás colocou os dois times em pé de guerra - foi colocado em campo por Rogério Ceni quando o jogo contra o rubro-negro estava perto do fim. Não é a toda hora que damos de cara com alguém dessa  idade num jogo desse tamanho. Ainda mais quando a briga por um lugar ao sol no futebol brasileiro nunca pareceu tão acirrada. O próprio Ceni foi muito bem ao não esconder a realidade e dizer que se tivesse a disposição o argentino Sanabria, ou o ponta EricK Pulga, Furquim não teria saído do banco de reservas. Enfim, talvez essa nova realidade do futebol brasileiro não se faça adversária do sonho que desde sempre foi de tantos meninos. Tem sido bom ver o argentino palmeirense Flaco Lopez, ou o colombiano Kevin Serna, do Fluminense, jogando o fino. Mas nada como poder desfrutar desse tipo de talento que, além de tudo, se fez para nossa tristeza produto de exportação precoce. E que o futebol nos reserve outros dribles.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Nada será como antes



O ano que vem promete sensações novas para quem gosta de futebol. Mas não se empolgue não. Tô falando da realidade distinta a que as mudanças orquestradas pela FIFA e pela CBF irão condenar os amantes do jogo de bola, e não prevendo triunfos. Muito menos descrete nacional, como pode concluir dessa breve abertura um leitor mais empolgado. Vejam, depois de todas as alterações que serão feitas no calendário nacional na temporada vindoura, os torcedores que gostam de gastar os janeiros à beira-mar talvez precisem deixar as areias para ver que enredo terá o debute do time do coração no principal campeonato do país. Uma vez que isso passará a se dar antes mesmo do carnaval, e não mais quando as águas de março já tiverem fechado o verão, como andamos acostumados. Donde concluo que os cartolas andam ousados. Não deveriam encarar tão de peito aberto a concorrência, porque se pensarmos bem são poucos os times por aí com mais apelo do que uma boa praia. Vai saber. Não duvido que o sol brilhando e as areias escaldantes, que também tantas emoções provocam, venham dar uma leve derretida na audiência das primeiras rodadas.  E nem vou falar da petulância diretiva de marcar compromissos para essa época, quando estamos todos cansados de saber que neste rincão dos trópicos o ano só começa depois da folia de Momo. 

Outro efeito das alterações poderá ser uma certa sensação de que as cervejas da quarta à noite já tiveram acompanhamento melhor, já que nos primeiros meses do ano que vem passarão a se destinar aos jogos dos torneios estaduais. Nunca foi má tática, e passará a ser mais indicada ainda, dar uma turbinada nos petiscos.  Quem sabe jogando com uma linha dtrês atrás, ou ao lado, dos copos. E que fique registrado que sou e fui, desde sempre, totalmente contra o fim dos Estaduais. Os considero parte importante do patrimônio futebolístico que construímos e que deveria ao longo do tempo ter sido mais bem tratado. Tenho a essa altura sérias dúvidas se um tratamento digno será possível diante das míseras onze datas a que a nova ordem lhes condenou. 

Mas quando falo em novas sensações falo também da Copa do Mundo, claro. Copa que parece ter transformado, Gianni Infantino, o presidente da FIFA, em amigo de infância de Donald Trump, que morro de curiosidade de saber se seria capaz de nos explicar a regra do impedimento. Será, sem dúvida, o momento mais singular da vida dos que há tempos se entregam a esse tipo de prazer, ou de paixão, como preferem os mais ardentes. A coisa dessa vez irá muito além de tentar adivinhar que papel a Seleção Brasileira interpretará. Esqueça tudo o que você já viu em matéria de mundiais. Serão três países. Infinitas quarenta e oito seleções. Sugerindo um nível técnico como realmente nunca se viu.  Podem escrever o que estou dizendo: não demora e a Micronésia vai garantir um lugar na Copa. Não quero parecer aqui um descrente nos avanços. Só os ignorantes não aceitam a obviedade de que tudo está em constante transformação. Está aí o Santos que não me deixa mentir, o Santa Cruz. 

E é sempre bom saber que pelo menos no que diz respeito à Copa do Mundo não estaremos solitários. Os italianos verão, talvez novamente de longe, que já não se faz mais Copa como antigamente. Os alemães, os argentinos. Só não arrisco dizer que até no Uzbequistão isso se dará já que os uzbeques serão debutantes nessa. Importa é não ser refratário ao novo. Sinto-me tão vanguardista escrevendo isso. Que venha a Copa do Brasil com final em jogo único, a Série D com sua quase centena de elegidos. Como chegaremos lá não sabemos. Agora como chegaremos na Copa o jogo de amanhã contra a Coréia do Sul pode nos dar mais algumas pistas. Mas temo certo desapontamento já que  sob a batuta do prestigiado Ancelotti, e ainda que nada  venha a ser como antes, pouca coisa mudou.  

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O futebol acabou



Não se deixe levar pelo tom apocalíptico do título. Vai nele uma certa licença poética. Foi inspirado no dito por Renato Gaúcho dias atrás, na coletiva dada depois da eliminação do Fluminense para o Lanús na Copa Sul-Americana. Ocasião em que ele surpreendeu a quase todos anunciando a própria demissão. Disse o treinador do tricolor carioca, ainda no calor do que tinha rolado no gramado do Maracanã: "...eu dei uma entrevista há uns dois meses e hoje estou repetindo. Acabou o futebol. Acabou por causa daredes sociais. Tanto para o jogador quanto para o treinador ". 

Bom, que as redes sociais andam torrando nossa paciência é fato. E, ainda que eu acredite que há um sem fim de fatores envolvidos nessa tomada de posição, Renato Gaúcho colocou em evidência uma grande questão. Não me espanta que a crônica não tenha se interessado por essa grande bola pingando na área. Afinal, a essa altura já se faz um tanto difícil estabelecer a fronteira que a separa das redes sociais. Se a gente entende por crônica esportiva um, digamos, gênero que mescla análise e informação, sabemos todos que tanto uma coisa quanto a outra hoje brotam mais do mundo digital do que de páginas de jornais e programas de rádio ou TV.  Mas sou levado a crer que a premissa que baliza a mídia clássica ainda se distingue consideravelmente da digital. Embora essa fronteira se faça cada vez mais tênue. 

Essa realidade mudou o foco e, principalmente, o tom da cobertura. Grandes veículos viraram minoria nesse tipo de situação. O grosso da conversa é construído por canais e influenciadores que, não raro, cobrem apenas um clube. Num tom indulgente poderia dizer que esse desenho favorece interlocuções mais emotivas. Mas tratar o jogo com sentimento tem seu preço. E um deles é colocar em risco a qualidade da informação. Talvez  venhamos a ver o próprio Renato mostrar que o que pregou não era verdade. A menos que jamais voltemos a dar de cara com ele assumindo algum clube aqui ou no exterior. O que definitivamente comprovaria para ele que o futebol não acabou. 

Um fato é : a internet elevou o poder dos corneteiros à décima potência. E se há uma virtude que se esconde no mundo digital é a capacidade de mostrar sem firulas o quanto é difícil, pra não dizer impossível, agradar a todos. Aos que pretensiosamente sentem que conseguiram lamento avisar que essa sensação não passa de uma ilusão, obra-mor dos algoritmos. Como eu disse, há um sem fim de questões a orbitar nisso tudo. A  política e os políticos dos clubes, o imenso desafio de manter satisfeito um grande grupo de profissionais. Teria sido em virtude justamente de uma saraivada de críticas que Renato Gaúcho  decidiu se dar por vencido. 

Tempos atrás, meu amigo Arnaldo Ribeiro foi o primeiro a me chamar a atenção para o fato de que essa nova ordem fragmentou a torcida. Disse ele na ocasião, com propriedade: "Hoje há a torcida da internet e a torcida da arquibancada. E as duas se comportam de em geral de modos muito diferentes". E acho que nem é preciso dizer aqui qual delas é mais impaciente, mais visceral. E, para complicar de vez, essa capacidade que a torcida digital tem de amplificar seu descontentamento acaba pautando os clubes. Uma realidade ditada não exatamente pelo que vem das arquibancadas e sim por esse ecossistema que se formou em torno do futebol. Logo, não deve nos espantar nenhum pouco que a torcida virtual seja mais atuante do que a real. Ainda mais nestes tempos em que as Arenas - para muitos que por lá passam - viraram algo que não vai muito além de um espaço instragramável. 

Gostaria, portanto, de acreditar no que disse Ronaldo Fenômeno semana passada durante um evento no qual abordou essa relação com o mundo digital. O genial camisa nove choveu no molhado ao dizer que as redes sociais deram voz pra muita gente. E voltou a chover no molhado ao afirmar que há a crítica respeitosa e com critério, e uma outra violenta e ofensiva. Mas no que eu gostaria de acreditar é no que disse na sequência, que nunca levou em consideração em nenhum segundo da vida dele as críticas do segundo tipo. O que me fez aceitar melhor a postura de Renato Gaúcho, porque mais verdadeira. É difícil  crer que exista no mundo de hoje alguma figura pública de grande quilate que não tenha sido de alguma forma assombrada pelas tais redes sociais.  

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O timão no Bar do Zé Ladrão



Vocês dirão que andei sonhando. Mas a verdade é que voltei ao Bar do Zé Ladrão. A saudade só não era maior do que a prosa que se desfia por lá. Atrás do balcão o Zé ostentava a elegância de sempre. O avental de um azul puxando pro claro parecia lavado. As meias de compressão  tinham brilho de novas, e só as pude ver quando ele deixou a posição em que joga para mexer na pilha de caixas de cerveja que sempre fizeram parte da decoração. Tinha notado também o bigode bem aparado.  Por um instante tive a impressão de que intuiu que receberia visita incomum. No fundo, perto da entrada do banheiro, notei exposto o distintivo da Portuguesa de Desportos. Não era pra menos. Pra quem não sabe, ou não lembra, Seo Zé é corintiano, mas com mais de meio século no ofício encontrou um meio muito eficaz de espantar assuntos incômodos. Tem lá na parede de trás um distintivo do Timão, que guarda no verso um outro, da Lusa. 

Quando o humor ou o time alvinegro vão mal é só ele virar e fazer o teatro. Os desavisados normalmente chegam com o sarro pronto. Mas nem bem começam a tecer a graça o hómi se finge de ocupado, dispara um olhar de desdém, e emenda:

_ E eu lá quero saber do Corinthians? Quero saber é da Lusa.

O sujeito insiste. Diz que ele tá de graça. E aí vem o golpe final. Com a faca que usa para preparar os petiscos na mão sugere um olhar na tal direção.

_  Aquilo é enfeite, né? Afinal, todo mundo sabe que eu sou chinês - e encena uma cara de bravo pra completar.

Rapaz, o português é afiado. Mas eu, que o conheço bem, não resisto. Sem ninguém perceber dou uma cutucada. Primeiro faço uma observação a respeito do trabalho de Dorival Júnior. A quem ele não 
condena mas também não absolve.  E na sequência é minha vez de jogar duro:

_ E o Menphis, Zé? É post pra lá, post pra cá. Esquisito!

_ Pois é, devia virar influencer. Se acha malandro. Só precisava jogar bola. Ó, vou te dizer uma coisa: não durava um dia na Calábria.

Pra quem não sabe, a Calábria citada ficava, décadas atrás, ali onde a Rua Monte Alegre hoje se faz sem saída. Um baixio acentuado das Perdizes, na capital paulista. E onde o Zé, com toda a sua malandragem em tempos idos dizia não gostar nem de passar perto. Pois as famílias ali além de temperamentais eram boas de briga. Foi aí que notei que na ponta do balcão, mais perto da rua, Alfredinho, o juventino, com sua cerveja solo, filmava todo nosso papo. Lançou pra mim um sorriso dissimulado. Notou que o sujeito que tinha sido driblado pelo Zé já tinha engatado outra conversa e, então, com a discrição que sempre teve, disse:

_Zé, sabe o que é? O escriba aí anda com inveja dos nossos times. O Juventus virou SAF, a Portuguesa virou SAF. E o time dele que, todo mundo sabe, tá louco para se jogar na mão de um investidor anda tratando do tema aqui. Fazendo uma reunião ali. Enquanto a maré da zona do rebaixamento vai ameaçando subir.    

É por essas e outras que eu vou dizer pra vocês que tenho de voltar lá. Fiz o possível pra convencer meus amigos de que era torcedor da Portuguesa Santista. Mas a cada argumento recebia de volta uma risadinha, como acontece sempre. Eu não sei porque quase todo mundo do dúvida. Mas desconfio, é porque eu sou neto de chinês, né!?  

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O destino do talento



Se tem uma coisa para a qual a última janela da transferências serviu foi para mostrar que o futebol é mesmo um mundo à parte. Sabemos disso faz tempo, mas neste momento em que guerras e chantagens tarifárias colocam o planeta em ebulição e testam a lucidez da economia poderia ser até normal a constatação de que o período de negociações de atletas foi o maior da história, afinal, o mercado tem dessas, é um monstro insaciável que exige sempre que as cifras não se acomodem custe isso o que custar. Mas ocorre que os cinquenta e três bilhões que foram movimentados, segundo a FIFA, representaram um crescimento de cinquenta por cento em relação ao mesmo período do ano passado. Um desempenho que deve causar inveja em muitos investidores graúdos por esse mundão afora.  

Desse montante , dezesseis bilhões foram investidos pelos ingleses, que também foram os que mais venderam atletas, seguidos por Portugal e, vejam, pelo Brasil. E é aí que eu quero chegar porque ainda que comprar e vender seja do jogo, são ações com consequências infinitamente distintas. E ainda que eu tenha pra mim que boa parte das vezes nossos clubes comprem muito mal é na hora de vender que em geral se torna explícita nossa falta de apuro para esse tipo de negócio. Já posso imaginar um mandatário qualquer, com ar de enfado, tentando me explicar que o futebol aqui nestas terras tem suas peculiaridades e se a gente não vende as contas não fecham. A quem eu responderia, com uma inocência sacana, que se a nossa realidade continua sendo essa depois de passadas tantas décadas - e em termos tão gritantes - é porque administrativamente mal evoluímos. 

E mesmo os clubes bem sucedidos da hora, para os quais esse argumento que sugere uma corda no pescoço já não faria sentido, poderiam muito bem ser colocados na prateleira dos que nem sempre compram bem, ou dos que aceitam pagar muito. Mas como a economia do futebol é tão singular, se é que me entendem, essas suposições sempre se verão fundadas em terreno movediço. Já sobre as vendas, usando a memória dos fatos, talvez seja mais fácil encontrar uma base sólida para ancorá-las. Vamos ao caso do jovem atacante do Santos, Luca Meirelles, de dezoito anos, vendido para o já conhecido porto de talentos brasileiros chamado Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Destino que teve também o jovem Lucas Ferreira, do São Paulo. A grita das duas torcidas foi grande, e não era para menos. No caso do tricolor, as negociatas desse tipo, digamos, precoce, levaram também Henrique Carmo e Matheus Alves, ao CSKA da Rússia. Tão similar quanto o perfil das mercadorias é o perfil dos compradores. O que nos leva a crer que nesse meio difícil mesmo é driblar o caminho da grana. 

E nem vou cair naquele lugar comum e dizer que esse tipo de negócio drena o talento do futebol  brasileiro. Ou apontar que o Palmeiras, ao vender o zagueiro Vitor Reis, de dezenove anos, para o Manchester City, no último janeiro, o fez por um valor praticamente igual ao que o São Paulo amealhou vendendo cinco das suas joias. E por falar em Palmeiras, dias atrás a transação feita com um outro jogador do time alviverde voltou a escancarar como é manjada a rota que muitos times brasileiros reservam aos seus talentos. Vendido ao tal Shakhtar um ano e pouco atrás por treze milhões de euros, o ponta Kevin acaba de sair de lá para o Fulham, da Inglaterra, por quarenta milhões. Outro negócio da China, como diriam em outros tempos. E não venham me falar de tudo que o Shakhtar conseguiu nos últimos anos, que passou a ter alguma relevância no mundo da bola porque, muito além das questões esportivas, não entra na minha cabeça que venha a ser ideal mandar garotos para países em guerra. O talento deles deveria ser mais bem tratado, mas o destino deles mais ainda.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O futuro nos dirá



Desconfio que apesar de tudo o que vimos rolar no gramado do Maracanã e no quase céu boliviano, onde fica o estádio de El Alto, o sentimento do torcedor com relação à Seleção Brasileira não sofreu grandes alterações nessa reta final das Eliminatórias para a Copa. Imagino que alimente esse sentimento um misto de curiosidade, uma pitada leve de pendor cívico, tudo isso temperado com a paixão pelo futebol que habita em muitos desde sempre, apesar das dores e provações a que as paixões costumam nos condenar.  O jogo de terça contra a Bolívia foi uma provação. Teve um quê de castigo. A pergunta que me faço, às vezes, com certo receio da resposta, é a seguinte: e se Ancelotti não conseguir fazer a Seleção Brasileira jogar, quem seria capaz de dar conta de tão desafiadora missão ? 

E vejam que não estou pedindo títulos, nada disso. Imagino algo que possa ser definido como um resgate da respeitabilidade, um certo reconhecimento de que há ali um time de se admirar. Mas reconheço que essa minha modéstia de quereres é de complexa execução porque conseguir isso sem levantar uma taça exige certa boa vontade de quem interpreta o desenrolar da história.  Melhor seria ganhar uma Copa e pronto! Não há nada melhor para neutralizar a acidez dos críticos.  Deixo aqui até uma ideia para o caso de termos de pensar em um novo treinador. Que tal Lionel Scaloni? Esse professor de trajetória tão singular, que sem jamais ter comandado um clube sequer, foi capaz não só de fazer da Argentina campeã do mundo, mas de alguma forma ajudar a pavimentar o caminho para que Lionel Messi pudesse, enfim, tomar o lugar que lhe pertencia no futebol argentino e mundial. 

E antes que alguém passe a coçar a cabeça lendo estas linhas ao pensar que não temos um Messi, lhes digo que estou ciente disso. E concluo indo além na questão. Se vier a ser verdade o que se diz à boca pequena, que quem manda é o Messi, que os hermanos só chegaram onde chegaram porque quiseram jogar para ele e coisa e tal. Pois bem, então talvez more aí um motivo a mais para acreditar que Scaloni poderia nos ajudar, já que ele deve saber muito bem quem merece esse tipo de benesse, quem verdadeiramente é capaz de exercer tal papel. Mas o que eu sei é que as Eliminatórias ficaram para trás e, pela ótica grandiosa do tempo, talvez não tarde o dia em que seremos obrigados a apurar se os donos do jogo querem que Ancelotti continue, ou se terão de empreender a dura missão de substituí-lo. 

Por hora, nos devolverão o Brasileirão, com uma rodada que analisada friamente tem tudo pra ser mais desafiadora para o Palmeiras, que recebe o Internacional, do que para o Flamengo, que encara o antepenúltimo colocado, o Juventude, mas no sempre caloroso Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul. Para um rubro-negro tão endinheirado e confessadamente obcecado pela conquista do principal torneio de futebol do país qualquer resultado que não seja a vitória soará mal. Não que o Palmeiras, no Allianz Parque, tenha mais opções. Não tem. Agora, mais espinhosa será a rodada para o Cruzeiro que,  talvez, munido da grande fase de Kaio Jorge, teima em se colocar entre rubro-negros e alviverdes e na segunda-feira irá fechar a rodada jogando em Salvador contra um Bahia que pareceu perder um pouco do fôlego diante do entusiasmado Mirassol. Bahia que ainda teve de dar conta das finais da Copa do Nordeste em meio à Data Fifa e ontem foi eliminado da Copa do Brasil.  

Já o Santos escreverá o segundo capítulo da era Vojvoda, fora de casa, enfrentando o Atlético Mineiro, que escreverá o primeiro da segunda era Sampaoli. E pensar que dias atrás as manchetes diziam que a volta do treinador argentino à Vila não se deu porque o time não conseguiria atender às exigências dele. E imagino que deviam ser mesmo cabeludas, porque o Santos que ele terá de enfrentar encerrou a janela de transferências contratando muito, apesar de ter no mercado a credibilidade aniquilada como fez questão de dizer o próprio executivo de futebol do time alvinegro. Mas não tem nada não, como diria Peninha, o futuro nos dirá tudo o caldo que deu a Seleção com Don Carlo no comando, e em que pé foi parar a credibilidade santista.  

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A seleção no Maraca

Foto:Gov. Estado do RJ- Divulgação


A noite desta quinta-feira pode deixar certos torcedores nostálgicos. E não é pra menos. Veremos a Seleção Brasileira se apresentar no Maracanã. Time e estádio perderam prestígio, mas não perderam a majestade. Será, quem sabe, uma noite pra não deixar dúvida de que nas mãos de Carlo Ancelottii a história pode mesmo ser escrita de um modo diferente. Talvez nem todos lembrem, porque é daquelas páginas que pedem pra ser esquecidas, que a última apresentação no templo chamadMário Filho foi um fiasco danado. Naquela noite, não bastasse a confusão que se estabeleceu no setor sul  - e acabou envolvendo os jogadores argentinos preocupados em defender compatriotas e familiares que estavam por lá - pela primeira vez na história das Eliminatórias o Brasil perdeu uma partida jogando em casa. 

E nem perdemos levando um gol de Messi, o que acabaria por ser mais aceitável. Fomos derrotados por um gol solitário marcado pelo zagueirão, Otamendi. Vejam vocês. Aquela noite, que teve o time brasileiro chamado de sem vergonha e olé entusiasmado vindo das arquibancadas quando os adversários teimavam em ficar com bola, só não soou mais terrível do que a passagem de Fernando Diniz pelo cargo. Ao se despedir, pouco depois, tinha se tornado o primeiro treinador a perder um jogo pelas Eliminatórias em casa, o primeiro a sofrer três derrotas seguidas no torneio e o primeiro a perder para a Colômbia nele. De quebra tinha colocado por terra uma invencibilidade de trinta e sete jogos do time brasileiro. 

Justiça seja feita, o castigo de Diniz, ainda que merecido, ganhou ares de tragédiaE, insistindo em fazer alguma justiça, a Colômbia andava jogando bola. O que não tem sido nem um pouco o caso dChile, lanterna das Eliminatórias e que chega ao Maracanã no dia de hoje carregando o fardo de ter sofrido até aqui uma dezena de derrotas. Secretamente, até Dom Carlo, homem tão curtido de grandes experiências futebolísticas, deu pistas de que irá sentir lhe correr pela espinha uma sensação diferente  na hora em que o túnel lhe entregar a visão de um Maracanã funcionando a todo vapor. Pode até, quem sabe, ter desenhado um time levando em conta todo esse contexto. Um time, não digo mais brasileiro, pois nesse quesito dessa vez se mostrou mais comedido, mas um escrete pra frente, para usar um termo que os que venham mesmo a ficar nostálgicos na noite de hoje vendo a bola rolar irão entender com facilidade. 

Um verniz de brasilidade que talvez se fizesse bem expresso na figura de kaio Jorge, que vem roubando a cena com a camisa do Cruzeiro e ocupa neste momento o posto de grande artilheiro do principal campeonato de futebol do país. Não basta ter quatro atacantes, é preciso ter alma. No mais, fico aqui tecendo suposições sobre como veremos a Seleção ocupar tão nobre palco. Intrigado sobre como Ancelotti resolverá a questão das laterais, que têm sido uma provação para muitas equipes. E imagino que a intrigante convocação do experiente e improvável, Douglas Santos, seja de alguma forma uma prova do quanto isso vem mexendo com a cabeça dos treinadores. Pois que jogue o fino se tiver a chance. 

A fragilidade do adversário sugere um jogo sem maiores complicações, mas costuma morar justamente aí a veia sobrenatural do bendito futebol. E é bom, diante da festa possível, não esquecer que a atribuladíssima história recente da CBF comprometeu todo o ciclo entre a última Copa e a que vem aí. Não faz muito tempo - corria o mês de março de 2022 - fechávamos as Eliminatórias, justamente diante do Chile, e no Maracanã, vencendo por quatro a zero e garantindo a vaga no Mundial do Qatar de maneira invicta. O que sugere que lá pra cá andamos para trás e e talvez explique  a razão do torcedor brasileiro andar desiludido. Mas, apesar de tudo, dessa opacidade que a falta de virtuosismo e de beleza depositam sobre a carcaça do nosso escrete, uma noite com Seleção Brasileira e com Maracanã ainda continua sendo diferente das outras.   

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Bons personagens



Pode-se falar o que quiser do futebol, menos que deixou de nos oferecer bons personagens. Ainda que se tenha a impressão de que vão rareando. E isso nada tem a ver com divisões. É possível encontrá-los por toda parte, eu aqui mesmo já citei alguns. Tenho certa predileção por isso. É receita certa pra revestir o jogo de certa humanidade.  Juan Pablo Vojvoda, que acaba de desembarcar na Vila Belmiro, pode ser apontado como um deles. Chegou ao Brasil sem causar alarde e lembro bem que quando o trabalho dele no Fortaleza foi lhe dando notoriedade descobriram que entre um compromisso e outro  tinha ido ver de perto uma pelada de society que rolava nos arredores. Não seria nada demais, se tão raro não fosse encontrar entre nós um técnico de time grande se ocupando do tempo dessa forma. Talvez existisse nisso uma investigação sociológica. Afinal, estava conhecendo um outro país. Ou talvez fosse simplesmente uma forma de matar o tempo já que andava apartado dos amigos, da família. 

Fato é que para além dos hábitos que gosta de cultivar esse ex-zagueiro desafiou como poucos a maneira de se comportar que tem sido padrão no futebol brasileiro. Ao terminar a segunda temporada no Brasil com o trabalho à frente do Fortaleza reconhecido, virou alvo de grandes clubes. E ainda assim resistiu. Negou aventuras que poderiam ter se revelado lucrativas, como costumam ser as de muitos treinadores que mal se despedem de um clube e já assinam com outro, mesmo quando debaixo de fortes evidencias de que o convite tem um grande ar de roubada. E assim Vojvoda desenhou uma das mais longevas trajetórias de um treinador por estas bandas nos últimos anos. A recompensa talvez seja poder ter dito sim ao Santos e ser visto de forma mais respeitosa, como alguém realmente capaz de tirar o time do lugar incômodo em que se encontra. Uma respeitabilidade que nem Pedro Caixinha, nem Cleber Xavier estiveram perto de ter. A sedução pode ter se dado por toda a história que o clube construiu. E é bem provável que neste momento seja só o que o clube santista tem pra oferecer.

 Tenho andado de olho também em Leonardo Jardim, que chegou ao Brasil com boa fama e que nos últimos tempos tem dado declarações que me chamaram a atenção. Uma delas a de que não pretende ficar muito tempo por aqui dadas algumas peculiaridades do nosso futebol como os grande deslocamentos. Coisa que Vojvoda também deve ter percebido, pois ao chegar aqui só tinha trabalhado em países de extensões geográficas mais modestas, no entanto, nunca citou tal questão, que é interessante. Em geral não temos muita noção de nossa dimensão continental. 

Leonardo Jardim, também falou com certa elegância sobre uma das coisas que desabonam nossa arbitragem. A falta de critérios. Mas o disse com elegância. Afirmou ver muitos jogos do Brasileiro e notar que os mesmos árbitros em outros jogos, e diante de outros times, tomam decisões de maneira diferente. Realmente intrigante. E também sugeriu dias atrás - depois de não concordar com uma decisão do homem que apitava o jogo do time dele - que os técnicos deveriam ter direito ao desafio técnico, como se dá no vôlei, quando o treinador pede para que se consulte o vídeo quando tem dúvida a respeito de uma marcação. Fosse nosso VAR ágil... quem sabe. Mas, enfim, vejamos quanto há de durar a paciência de Leonardo Jardim e como se sairá Vojvoda. 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Quem dá a bola ?



Claramente, agora, quem dá a bola não é o Santos, como sugere o cântico "Leão do Mar". Digam o que quiserem, e que me perdoem os cruzeirenses que andam sonhando alto, os botafoguenses atuais donos do caneco, e todos aqueles que têm uma ponta de esperança de que seus times possam estragar os planos que palmeirenses e flamenguistas têm muito bem traçado. Mas um campeão brasileiro que não venha a ser nenhum dos dois terá sim um quê de surpreendente. Interessante notar, para além das contendas que os dois desenharão pela Libertadores entre a noite de ontem e a de hoje, que o diagnóstico que se faz deles é similar. Elencos renovados que precisam um tempo para que passem a mostrar tudo o que podem. Um parecer difícil de não aceitar, e nem há razão pra isso. 

Chega-se a conclusão, portanto, que triunfará aquele que mais rapidamente conseguir se reinventar. E nesse caso a atuação da dupla formada  por Flaco Lopez e Vitor Roque no meio da semana passada diante do Universitário se não sugeriu certa vantagem do time paulista encheu os alviverdes de esperança. Enquanto a atuação do Flamengo diante do Inter só reforçou uma sensação incômoda não é de hoje para os rubro-negros, que é a de ver o time comandado por Filipe Luís se impor sem no entanto conseguir desenhar placares que corroborem as diferenças vistas em campo em relação aos adversários. E levando em conta o poderio dos dois é preciso tratar as eliminações nas oitavas da Copa do Brasil, não como um fracasso, mas como um insucesso. Se é que não me faço entender, pois o dicionário, se não estou enganado, apontará os dois substantivos como sinônimos. 



Dito de outra forma, ficou no ar essa coisa de que o time rubro-negro não tinha a tal Copa em alta conta, dela não fazia questão. Dá pra entender, mas ainda considero cedo demais. No caso do Palmeiras, a rivalidade com o Corinthians impediu qualquer possibilidade de tratar a questão como algo menor. E o discurso palmeirense, pelo que me lembro, não deixou essa possibilidade nas entrelinhas, ao contrário do Flamengo, cujo diretor, José Boto, disse com todas as letras que a prioridade do clube da Gávea nesta temporada é o Brasileiro. Uma prioridade que exigirá disciplina para ser levada à termo.  A sedução da Libertadores é imensa. Sem contar o fato de que num futuro breve, se vier a ter o Palmeiras como adversário, será instado a repensar a questão. Tudo bem que isso pode depender também de como as coisas andem no Brasileirão. 

Gostaria de acreditar que esse quadro que se desenhou prova a importância do principal torneio de futebol do nosso país. Mas talvez não seja o caso. Diria que ele tem sido tratado como algo que não se pode ficar tanto tempo sem ganhar. E nada mais. Lembrem que o Palmeiras já se viu nesta situação. Com Abel já tinha vencido a Copa do Brasil e sido bi da Libertadores, mas lhe faltava o dito Brasileirão. E naquela momento nem na crônica esportiva, nem no clube, alguém ousou dizer o contrário. O Palmeiras quando venceu o Brasileiro em 2022 tinha sido campeão pela última vez quatro anos antes, com Luiz Felipe Scolari. No ano seguinte, veio Jorge Jesus e o Flamengo não só ficou com a taça como se sagrou bi no ano seguinte, mas sob comando de Rogério Ceni. E, detalhe,  com Felipe Luiz, então lateral, sendo muito elogiado pela atuação na partida do título. O que significa que, apesar de toda a pompa, há quase meia década o time carioca não dá essa emoção ao seu torcedor.  E aí se revela a realidade: o Flamengo, que tanto almeja, se vê necessitado de um Brasileirão. No mais, creio, sejam quais forem as teorias, Palmeiras e Flamengo têm tudo para seguir dominando a cena.  

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

A grande pauta



Sei que o assunto talvez não se revele o mais interessante para o torcedor. É compreensível. Mas digo a vocês que a questão do piso sintético segue sendo, na minha opinião, a grande pauta do futebol brasileiro. E por isso Neymar foi muito bem ao ressuscitar o tema dias atrás. A falta de estudos conclusivos torna o assunto espinhoso. Pesquisando um pouco, como tudo nos dias de hoje, é possível encontrar pareceres à favor e contra. E aceito perfeitamente a validade de quem argumenta que não há provas para se condenar o piso sintético. Mas considero a posição da FIFA um grande sinal de que mesmo com toda a tecnologia disponível ele não consegue fazer com louvor o papel de um gramado natural. E, sejamos sinceros, essa condição talvez inadequada de jogo tem sido enfiada goela abaixo dos jogadores. 

Por isso, digo que é de se condenar que a entidade máxima do futebol chancele o piso sintético mas o proíba nas competições que organiza. Pode haver posição mais ambígua e descarada do que essa? Creio que isso basta para qualquer contestação. Nem precisamos apelar para o fato de as principais Ligas do mundo não quererem nem ouvir falar em gramados que não sejam naturais. É uma pena que inevitavelmente o assunto se revista quase sempre de um viés clubista. A facilidade com a manutenção ampara esse tipo de escolha não há a menor dúvida. Mas acima de tudo influi na questão o gasto, que tende a ser consideravelmente maior no caso da grama natural. Difícil convencer administradores a abraçar uma manutenção mais complexa, e isso só piora quando junto com ela vem também um gasto maior. 

Feita essa reflexão só há uma maneira de impor aos clubes  usar o tipo de grama que o futebol usou desde sempre, ou quase, exigir! Um detalhe pouco lembrado quando se fala nesse assunto é que na tentativa de diminuir gastos passou a ser cada vez mais comum que os campos das categorias de base passem a ter piso sintético. E não me espanta que quem é do ramo aposte que as reclamações tendam a diminuir com o tempo já que as novas gerações se farão mais acostumadas com essa realidade. Mas não é preciso pensar muito para admitir que qualquer vantagem mínima em termos de impacto, qualquer ganho que se tenha em termos de saúde, devem ser tratados como suficientes para definir a questão. E nem vou aqui entrar no mérito do jogo. Faça uma averiguação a respeito e facilmente encontrará gente que joga e jogou, gente credenciada para tratar do tema, falando do quanto o piso sintético transforma o jogo, muda os movimentos, altera sua plástica. Mesmo que dito de maneira velada, com outros termos. 

Neymar com toda a patente que tem bem poderia fazer disso uma bandeira, tem voz pra isso, tem visibilidade, se relaciona bem com os companheiros de ofício, é respeitado por eles. Para além do que conseguirá entregar em campo, o que sabemos depende de um sem fim de fatores, seria uma nobre contribuição para o futebol brasileiro. Nesse momento da história em que nosso jogo de bola é acusado de estar muito aquém daquele que se pratica, em especial nos gramados europeus, seria um modo de, minimamente, fazer o futebol brasileiro mais parecido com o das grandes Ligas do planeta. De outro modo, a grana vai continuar definindo o modus operandi condenando os de agora e os que virão a se apresentar num palco que um dia todos souberam que não era o ideal.  

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Antiquado é tentar ganhar no grito

 Alexandre Schneider/Getty Images


Olha, a volta não é fácil. Todos os que tiraram alguns dias para descansar sabem bem disso. Já não falo em férias porque sou levado a crer que a realidade do mercado de trabalho brasileiro fez delas um luxo. E como qualquer luxo não é coisa da qual se possa tirar conclusões que sirvam para o todo. Aos que voltam a dar de cara comigo depois de um período desses e fazem aquela fatídica pergunta: como foi? Costumo brincar afirmando que é duro voltar, mas a gente acostuma. Frase sempre seguida de um risinho sacana. Digo a vocês que a maior virtude de um período de descanso é nos jogar na cara o quanto a nossa rotina é cruel. Seja como for, fato é que estou na área. E, estando, uma das coisas que de cara testaram minha paciência foi o comportamento pouco civilizado dos praticantes profissionais do nosso velho esporte bretão. 

Sobre a cera dos goleiros já tinha tido a oportunidade de falar neste espaço, elencando ideias e iniciativas pensadas aqui e alhures pra tentar colocar os arqueiros na linha. O do Vasco pode até ter sido injustiçado, mas não terá sido à toa. Já nas arquibancadas, outrora tidas como terra de ninguém, onde praticamente tudo era tido como normal, incluído aí cenas que beiravam a barbárie, pelo que vejo agora se cobra um comportamento de nobre. Onde o torcedor que não conseguir segurar um grito de mercenário para alguém que ganha milhões corre o risco de ser intimado pelo próprio. Enquanto isso, em campo, o clima é quase de  vale tudo. E que diga que estou exagerando aquele que diante de berros e palavrões proferidos olho no olho com os árbitros já não pensou: agora esse cara vai  ser expulso. Mas, meio sem acreditar, acaba testemunhando que o homem do apito deixou por isso mesmo. 

E muitas vezes nem se trata do capitão do time que, em tese, poderia fazer essa interlocução. Se é que o que se dá pode ser chamado de interlocução. E na beira do gramado? Bom, ali na área reservada aos ditos professores, a linha de conduta é muito parecida. E acho que não seria exagero afirmar que o técnico do Palmeiras se fez o grande baluarte desse tipo condenável de comportamento. O português mete a boca, como diziam antigamente. Um dia depois do jogo entre Corinthians e Palmeiras cheguei na redação e a conversa se alimentava do tema. Os envolvidos se mostravam indignados com a reação de Abel Ferreira na coletiva pós jogo, quando disse que estava desiludido com o que viu, levantou, e foi embora. Grosseria que ele repetiu no final de semana. Talvez Abel não saiba, mas não há desrespeito maior que se possa fazer a um repórter. 

E como observou um dos que participavam do papo - fazendo coro ao que tem se ouvido por aí - Abel não respeita ninguém. Não respeita o adversário. Não respeita o juiz. Não respeita jornalista. E depois de tudo que já vimos, me digam, como discordar de uma observação dessas? Agora, das feitas por ele, gostei particularmente de uma. Foi quando Abel disse o seguinte: estamos no século vinte e um e andamos a trabalhar com ferramentas do século passado. Ainda que dito de maneira enviesada, porque com a intenção de colocar o VAR em dúvida, sigo considerando uma aberração mesmo não darmos a arbitragem o amparo de tecnologias como a da linha do gol e a do impedimento semiautomático. Não seria a solução de tudo, seria uma ajuda imensa. Mas voltando ao nosso personagem, homem esclarecido que é, deveria se ligar que a essa altura nada soa tão antigo e antiquado quanto querer ganhar no grito. 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

O time da rua de trás



Se tem uma coisa que esse Mundial de Clubes tornou evidente é um certo temor que temos de encarar quem tem fama. Qualquer pessoa mais atenta há de ter notado que começamos a temer esse tipo de adversário assim que o encontro com eles é anunciado. Entendo que a coisa possa se dar mais no âmbito da mídia, que não pode ver uma bola dessa pingando na área. Por isso gostaria muito de desvendar o quanto esconde de verdade aquele discurso que prega que não tem dessa, que é no campo de jogo que a coisa se resolve. Não acho que se trate de uma inverdade. E foi refletindo sobre embates que dão certo frio na barriga que acabei lembrando do meu tempo de moleque, quando os ditos times da rua de trás testavam a coragem da meninada. 

O time da rua de trás era um signo. Boa parte do tempo batíamos bola com a mesma turma, com os mais chegados. Vez ou outra pintava alguém de fora, mas nada que fizesse a pelada tomar outro ar. Tanto era assim que a prática ia nos ensinando como distribuir os times sem comprometer o equilíbrio. Coisa que qualquer um da minha geração irá lembrar. Qualquer um que tenha vivido aquele tempo em que o futebol era, disparado, a brincadeira número um dos meninos. Mas os tais times da rua trás colocavam por terra essa cumplicidade. Faziam do jogo de bola um verdadeiro enfrentamento. Eram adversários desconhecidos, de quem muitas vezes se contavam histórias de grandes feitos. Fossem eles feitos de dribles, gols ou valentia. O frio na barriga era provocado também por não sermos sabedores do comprometimento deles com a lealdade. 

Lembro bem de um time desse tipo. E no meu caso não era bem o time da rua de trás. Era o da molecada que morava a certa altura da Rua Freitas Guimarães. Quatro ou cinco quadras adiante do lugar onde costumávamos construir nossos estádios imaginários. Lá formavam, entre outros, os irmãos Claudinho e Marqueta. Sabe-se lá como é que encaravam nosso time. Sobre o deles sei que a fama não era feita só de bola. Detalhes que foram me fazendo entender o papel da intimidação no esporte. Embora nesse clássico não lembre de peleja que tenha acabado em sopapos e pontapés, o que chegava a ser comum nesse tipo de encontro. Seja como for que nos encaravam havia um respeito mútuo. E, lembrando agora, havia também uma coisa engraçada: a dificuldade de colocar nossos times frente a frente. Como se sobre aquela molecada que em geral só tinha de dar conta da escola pesasse um calendário draconiano e cheio como esse do futebol brasileiro. 

Mas esses pormenores todos ofertavam graça.  A citada dificuldade dava a esse tipo de "contra" - era assim que chamávamos - um ar solene. Não era raro que nos preparássemos, ensaiássemos jogadas. Trocássemos impressões sobre quem deveria receber marcação especial. Mas a lição maior que um encontro desses deixava era a de que jogar com um time realmente bom melhorava nosso futebol. Não esqueci até hoje a boa sensação de terminar um jogo desses que era tido como duríssimo com a certeza de que não só eu, mas o time , tinha ido muito além do que achava que podia. Muitas vezes mesmo não passando de um empate, ou até mesmo sendo derrotado. E minha capacidade de imaginação andou tentando me convencer nos últimos dias que isso talvez possa explicar um pouco os resultados que andamos vendo no pomposo Mundial de Clubes que ainda se desenrola na terra do Tio Sam. 

quinta-feira, 3 de julho de 2025

O Mundial e a nossa arbitragem



Tenho curiosidade pra saber que tipo de desdobramentos esse Mundial de Clubes irá provocar no futebol brasileiro. Para os europeus, sempre tão falados, e teoricamente donos de uma excelência que o torneio tem insistido em colocar em xeque, o apito final ou a eliminação serão sinônimos de férias. Para os brasileiros hora de voltar a pensar na vida como ela é. Há uma temporada pra se terminar. Voltarão os que lá estiveram de ânimos renovados, escondendo uma dose de confiança, por terem figurado entre os nobres do mundo da bola? Esse número de jogos a mais cobrará um preço alto quando o calendário brazuca tiver feito todas as suas exigências? E mais, irão os que ficaram tirar mesmo algum proveito do tempo que tiveram para trabalhar? Que o deus da bola nos ajude quando todos os fantasmas que rondam nosso futebol voltarem a nos assombrar.  

Por falar neles digo a vocês que a mim soa como uma lição ter atravessado toda a fase de grupos do Mundial sem que um lance tenha se sobreposto ao jogo, virado uma polêmica daquelas. Sem o bendito VAR como protagonista. E olha que foram nisso quarenta e oito jogos. É fato que apenas doze deles envolveram brasileiros e que, de certa forma, temos olhos mesmo é para nós e os europeus. Sendo assim, mesmo que um time de outro continente tenha sido tungado é bem possível que o lance tenha passado despercebido. Mas por falar no tema, a CBF diz que prepara a primeira fornada de árbitros profissionais para o ano que vem.  Sessenta e quatro deles, entre juízes, assistentes e bandeirinhas realizaram na semana passada no Rio de Janeiro treinamentos práticos e teóricos.  

A profissionalização dos árbitros é tema antigo. Hoje em dia a remuneração média de quem atua na Série A é de quinze mil reais. Alguns estão bem acima dessa média o que no entendimento de muita gente já seria suficiente para que vivessem disso. É compreensível. Como é compreensível também a necessidade de um vínculo empregatício. No modelo atual recebem por partidas. Pelo que li a respeito o projeto que vem sendo implementado tem um grande cuidado com a parte física. Quem trabalha na Série A passará a usar aquele tipo de colete, já muito usado pelos clubes, que não deixa escapar nada. Medindo o que eles correram, onde se posicionaram. Tudo muito importante. Só um louco faria pouco caso dessas questões. 

A impressão que tenho é que muito do vivemos se dá em outro plano, no da interpretação, na leitura de jogo. É comum diante de casos polêmicos alguém bradar que não é possível, que esse ou aquele árbitro nunca jogou bola. É um comentário que pode soar banal mas que está longe de ser despropositado. Talvez mais valioso do que profissionalizar fosse com esses cursos conseguir de alguma forma uniformizar a leitura de jogo, aproximar critérios. Vejam, virou comum ouvirmos que fulano é do tipo que deixa o jogo correr, que não dá qualquer falta. Entendo o que está por trás desse ponto de vista. Não deixo de considerar virtude. 

Mas quando se trata de arbitragem importa é ter um padrão. E não alijar nosso futebol de tecnologias que a essa altura são simples, como a do chip que indica se a bola ultrapassou a linha do gol. Seria nobre contribuição. Como seria aquela outra que define um impedimento de maneira automática. Coisas que poupariam os árbitros em muitos casos. Porque falar em profissionalizar sem dar aos árbitros as melhores condições de exercer o ofício será sempre fazer a lição de casa pela metade.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

A fantasia no futebol

Alexsandro Ribeiro


Nem um outro esporte consegue ofertar o nível de fantasia do futebol. Sei que se trata de uma afirmação que pode soar pretensiosa. E de que é também algo impossível de ser apurado com precisão. Mas não nego, claro, essa virtude a outras modalidades. Talvez seja o caso apenas de admitir a intensidade com que ela se dá, essa contundência singular que ela ganha quando se trata do jogo de bola. O que num primeiro momento poderia vir a ser explicado pelas cifras cada vez maiores que movimenta, pela representatividade que tem em nossa cultura e mais um sem fim de outros detalhes. Mas sou levado a crer que nada alimenta mais esse viés de fantasia do que as histórias de superação que desde sempre o futebol desenhou. 

E a capacidade de fazer o brasileiro fantasiar é tamanha que todo mundo por aí deve conhecer um pai que, mesmo sendo o sujeito mais ponderado do mundo, diante dos primeiros dribles do filho passou a desconfiar de que poderia, quem sabe, ter em casa um novo Pelé. Não deixo de reconhecer também e, principalmente, que neste nosso país em que a miséria assombra tantos brilhar no mundo da bola acaba sendo a única coisa capaz de alimentar o sonho de conquistar uma vida, mais do que digna, abastada. E foi pensando em um amigo que anda empolgado com os primeiros lances uniformizados do filho e em duas histórias sobre as quais li nos últimos dias que me veio esse questionamento sobre a capacidade que o futebol tem de fazer as pessoas acreditarem no improvável. 

A primeira dessas histórias foi a do zagueiro Alexsandro Ribeiro, de vinte e cinco anos, o nome menos conhecido entre os convocados para defender a Seleção na primeira lista anunciada pelo técnico Carlo Ancelotti. Mais velho de cinco irmãos. Companheiro de Vini Jr no Flamengo nos tempos de moleque. Alexsandro foi criado numa comunidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde  a mãe para sustentar os cinco filhos trabalhava perto de um lixão. Sem espaço, deixou o Flamengo. Fez teste em mais de dez clubes. Entre eles Vasco e Botafogo. No Fluminense durou dois meses. Acabou dispensado. Até que um ex-treinador que o comandou num time sub-20 teve a chance de ir para o Portugal e acabou o levando também.  Era, sem que ele soubesse, o início da redenção de alguém que trabalhou em obra, na feira, cortando grama e que viveu como catador de latinhas.  


Mas o que me chamou a atenção foi Alexsandro em uma de suas entrevistas ter dito que o que o atrapalhou na fase de maturação do flamengo foi, e aí palavra minha, fantasiar. Eu fiquei vivendo um sonho, disse ele. Dias depois dei da cara com a matéria que falava de um outro personagem, uma outra história do tipo. A de Denílson Nascimento, atacante baiano, apresentado na matéria como o "Ronaldo das Arábias". Um baiano que perdeu a mãe aos seis anos, viu o pai sair de casa pouco depois. O que o separou das duas irmãs que foram morar com famílias diferentes. Viveu em orfanatos. Vendeu picolé, verduras, fez de tudo um pouco, até desaguar no futebol tardiamente. Sem ter passado por times de base e com séria deficiência técnica, que trataria de corrigir ao longo do tempo. Em duas décadas e meia de carreira desvendou mercados, foi parar no PSG e virou até o maior goleador da história do Mundial de Clubes até ser desbancado pelo uruguaio, Luís Suarez, em 2015. É provável que você nunca tenha ouvido falar dele. Normal. Denílson mesmo tratou de dizer que entrou no futebol como saiu. Sem ninguém ver. Só não acredito que tudo isso fosse possível se o futebol não tivesse essa imensa vocação para provocar fantasias. 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Que feriadão é esse?

Imagem: Quadro de Djanira/1975


Este poderia ser um feriadão como outro qualquer. Mas definitivamente não é. Que o digam os palmeirenses e botafoguenses que verão seus times escreverem neste dia fértil para curtições o segundo capítulo deles no Mundial de Clubes. Sobre o time de Abel Ferreira, vos digo que me surpreendeu na estreia pela atitude. E não descarto a teoria de um amigo que a justificou como um modo de fazer um pouco menos desafiador o que o cruzamento da próxima fase poderia lhe guardar. Aos que não são dados às minucias do torneio eu explico. Sendo primeiro de seu grupo teria pela frente, nas oitavas, o segundo colocado do grupo B. Mas sendo o segundo lhe caberia ficar frente a frente com o primeiro. E posso dizer que enquanto escrevo estas linhas o mundo aponta o PSG como mais do que favorito ao posto. 

De certo mesmo é que o debute alviverde sem gols faz da vitória no jogo de hoje contra o Al Ahly, do Egito, uma exigência. Já o Botafogo não terá como escapar de tão temido encontro. Está no grupo do atual campeão europeu e ficará frente a frente com ele quando a noite desse feriadão já estiver caminhando para a fronteira que o separa de uma dessas sextas que os brasileiros tão bem sabem transformar numa espécie de semiferiado. E a essa altura o torcedor do time carioca já saberá o que se deu no encontro entre o Seatle e o Atlético de Madrid. E se o futebol não nos pregar uma peça  transformará o encontro com o time de Simeone em um tudo ou nada para o time da estrela solitária. 

É fato que se fará um encontro infinitamente menos assustador do que com o afinado time francês. Nem por isso um encontro comum, muito menos simples. Por essas e outras não há brasileiro que possa chegar às oitavas com mais jeitão de sobrevivente do que o Botafogo. E seja lá qual for o desenlace que a mais nova invenção da FIFA terá as primeiras impressões me convenceram de que o torcedor brasileiro comprou a ideia. Ao contrário de alguns europeus, que trataram de deixar bem claro que por lá o Mundial não desfruta do prestígio que vai desenhando por aqui. Aos que apontam o abismo que transforma partidas como as que vimos entre Bayern de Munique e Auckland City, da Nova Zelândia, numa coisa meio sem sentido até lembro que não será muito diferente na próxima Copa do mundo que, pela primeira vez na história, terá infinitas quarenta e oito seleções. 

Para além de qualquer outra consideração, e como disse o técnico do Borussia, Nico Kovac, é preciso valorizar a oportunidade de se medir com os melhores dos outros continentes. Se a oportunidade vem a ser de alguma valia pra eles pode-se até discutir. Já pra nós, sul-americanos, creio, não resta dúvida. E enquanto o creme de la creme do futebol mundial desfila em gramados norte-americanos gerando um sem fim de manchetes uma que não tem nada a ver com ele me chamou a atenção e soou como o anúncio de uma grande vitória. Ela dava conta da condenação de quatro envolvidos no caso do boneco de Vini Jr pendurado em uma ponte de Madrid, simulando um enforcamento, pouco antes de um jogo da Copa do Rei em 2023. Um dos casos mais grotescos que já vi em décadas de jornalismo esportivo.  Os quatro, torcedores do Atlético de Madrid, foram condenados por crime de ódio e ameaças. As penas somadas chegaram a 22 meses de prisão. É bom saber que em algum lugar casos do tipo são levados até o fim. 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Dá um tempo?



Digo a vocês que vejo no tempo uma grande lente. Só ele nos aclara as coisas. Tô chegando filosófico, eu sei. Mas não tarda e a prosa vai desaguar em algo mais terreno. Insista na leitura e verá. É que o cotidiano quase sempre nos dá a impressão de não estarmos saindo do lugar. Mas sempre estamos. O aprendizado de um instrumento é das tarefas que, pra mim,  mais corroboram essa sensação. Você morde a língua aqui, estica o dedo pra fazer soar uma nota ali e quase se convence que não nasceu pra isso. Mas Insiste na coisa. Repete, repete, e um dia lá na frente percebe que evoluiu, que aprendeu algo, ainda que não tenha virado nenhum Stravinski.  

Vejam, acabamos de testemunhar o debute de Carlo Ancelotti no comando da Seleção. Que de cara o italiano conseguiu acabar com a modorra da Data FIFA é fato. Mas  não se trata de verdade absoluta. O próprio lugar que Ancelotti terá na história do nosso futebol só o tempo verdadeiramente revelará. O mesmo tempo que poderá nos mostrar que essa primeira impressão foi só um efeito colateral de algo tão novo, se as datas FIFA seguirão nos assombrando. Mesmo com Ancelotti na área entendo completamente aqueles que perderam a paciência com a Seleção. O que me faz pensar o quanto o escrete nacional terá de jogar para reconquistá-los. A lente do tempo irá nos mostrar. 

Mas resta nesta quinta um pouco do nosso cotidiano boleiro. Uma rodada do Brasileirão já sem os que têm compromisso marcado com o Mundial de clubes. No Castelão, o Fortaleza recebe O Santos. Jogo em que uma vitória, dependendo de outros resultados, poderá trazer com ela o simbolismo de sair da zona de rebaixamento. Digo simbolismo porque se trata de uma condição à qual o futebol dos dois dá um certo ar efêmero. Difícil acreditar neste momento que não seguirão às voltas com ela. Se a fase do time cearense é a pior da era Vojvoda, não pense o Santos que está muito longe disso. E que tenha humildade de reconhecer que o tempo fez o adversário de hoje atualmente mais bem sucedido do que ele. O que me faz  acreditar que a tal lente do tempo pode também diminuir um clube dito grande. 

E por falar em tempo, que chance terá na noite de hoje o Cruzeiro, no Barradão, diante do Vitória. O time celeste dirigido por Leonardo Jardim, que derrotou o Flamengo, que derrotou o Palmeiras, com um triunfo será catapultado à liderança do Brasileirão. Conquista muitas vezes passageira mas que o recesso imposto pelo Mundial de clubes fará durar sem ameaças por um mês.  O que não deixaria de soar como um prêmio por toda a graça que emprestou ao Brasileirão nas últimas semanas. E se o Cruzeiro chegar lá terá vencido também uma certa secação porque o Bragantino, dono da mesma pontuação, se vencer o jogo com o Bahia em casa e a raposa tropeçar na capital baiana é quem vai desfrutar dessa liderança temporalmente longa. 

No Morumbi, o São Paulo, recordista de empates no torneio e que vem de derrota, enfrenta o Vasco. Não bastasse a proximidade dos dois com a zona do descenso, um resultado adverso terá tanta contundência e longevidade quanto a liderança de que estávamos falando. Estranha alquimia essa em que um Mundial cravado no calendário ganha o poder de tornar um resultado um tanto mais eterno. No mesmo horário o Atlético Mineiro irá receber o Internacional. E a essa altura já estará quase desenhado o enredo da visita do Corinthians ao Grêmio. Corinthians pra quem neste momento o tempo parece ter escancarado todas as mazelas.