sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Eu e a Seleção




Olha eu sei que eu nem devia falar disso aqui. Ainda mais agora que cumprimos todos os compromissos e neste final de ano não teremos mais nenhum encontro. Quem sabe no ano que vem as coisas mudem. Uma festa de gala sempre tem o poder de mudar as coisas. Fazer sacudir um pouco o pó dessa nossa rotina sul-americana meio pobretona e sem glamour. Até acho que o  melhor que temos a fazer é tocar a vida sem pensar um no outro. Tenho certeza que se trata de tática que trará um certo alívio. Você sabe que falo isso com dor no coração. Nos conhecemos há tanto tempo. Tá na cara que nossa relação não é mesma. Como eu sei que já não sou quem eu era. Quisera eu. Mas talvez seja mesmo você quem mais mudou, tá todo mundo dizendo. 

Entenda isso mais como um desabafo do que como uma acusação. Não existe insanidade maior do que acreditar que algo possa permanecer exatamente igual pra sempre. E com os anos tão entrados, como dizem, não fico alimentando esperança de que você volte a ser o que era. Nem eu tenho esperança de mudar. Quem sabe sendo um cara mais resignado, com mais vocação pra aceitar que, muitas vezes, é preciso se contentar com o trivial, pudesse voltar a ter alguma alegria em estar ao seu lado. Mas você me acostumou tão mal. E olha que eu te conheci depois de você ter vivido seu melhor momento. Que importa.  Fomos felizes. Prova disso é que nunca havia passado pela minha cabeça esse rompimento. A sedução que você exercia em mim me bastava. 



Lembro bem da época idílica que foi o começo dos anos oitenta, quando entre um bailinho e outro, ainda animados pela trilha sonora dos embalos de sábado à noite, eu desfrutava a sensação de que você me daria o que em outros tempos tinha dado a outros, aos que tiveram a sorte de chegar antes de mim. Você numa versão capaz de conquistar o mundo, de deixá-lo a seus pés. O que até viemos a viver, mas de um jeito diferente, mais normal. E esse tipo de simplicidade não cabe numa relação como a nossa. Por mais que eu a vida toda tenha cultuado o simples. E não fique pensando besteira. Que só estou nessa porque arrumei outro alguém para me divertir, pra me fazer sonhar.  A minha outra paixão de adolescente, que desde sempre me fez promessas muito parecidas com as tuas está que é um declínio só.  

Foi vista caindo por aí. E depois de ter dado a impressão de que tinha se aprumado voltou a fazer tudo errado. Não duvido que volte a viver o martírio que andou vivendo não faz muito tempo. E, olha, te digo que seria bem feito. A impressão que tenho é que pegou gosto pelas atitudes mal pensadas, mal refletidas. Anda flertando com o desatino. Tipo de atitude que eu sempre considerei imperdoável. Mas deixe isso pra lá. Falemos de nós. Acho até que você não vai mal, orientada por esse italiano que te arrumaram. Sei que é um nobre. E preciso admitir que é dono de uma reputação considerável. Não deixo de reconhecer isso. Se vai te dar jeito não sei.  Como nem sei se ele sabe com precisão de tudo que você andou aprontando. Se sabe dos descaminhos que a trouxeram até aqui. Se há alguém nesse mundo que pode consertar sua vida é ele, não eu. Mas se vai, não sei. 

Nunca a distância se fez tão presente entre nós. Antes te sentia tão perto. Mas o destino, pelo que vejo, insistiu e insiste em te levar cada vez mais longe. Acho até que não seria descabido dizer que ao te olhar agora, quase não te reconheço. E não sei se por isso posso culpá-la, já que esse costuma ser o que se dá com quem é enredado pela fortuna. Essa coisa tão maquiavélica que se finge ser o paraíso e tantas vezes se revela mais dura que um purgatório. Enfim, a realidade aí está. E diante dela o que posso prometer nesse momento é que por tudo o que já vivemos não serei capaz de te esquecer.  É possível que siga te acompanhando, mas com uma devoção fria, uma devoção não de quem ama, mas de quem apenas cumpre um ofício.    

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Era uma vez o futebol arte



Tenho dito não é de hoje que as transmissões têm feito pouco caso da beleza. Um pecado capital. Deveriam por natureza jogar a favor dela. Mas os tempos mudam. Nem lembro a última vez que ouvi alguém falar do futebol como uma arte. O que em outros tempos se não abundava era notadamente menos raro. São muitos os fatores que levaram à essa mudança de olhar. Mas ouso dizer que a obsessão atual pela arbitragem é um dos principais e se iniciou antes da implementação do árbitro de vídeo, mas foi levada às últimas consequências depois que isso se deu. Um dia, quero crer, evoluiremos. E corremos o risco de olhar para trás e ver de maneira escancarada  a sandice que alimentávamos.

Digo isso porque diante de toda a dúvida que já alimentei tentando chegar a alguma conclusão sobre um sem fim de lances que as transmissões trataram de averiguar, sou levado a crer que mais do que opinião temos um olhar que é só nosso. Os filósofos que me ajudem com essa teoria. Ou cada um enxerga de um jeito ou não passamos de um bando de teimosos. Hoje um ponta pé qualquer, um tapinha que jamais iria doer, são resgatados no segundo seguinte e passam a ser analisados com um fervor absurdo. Ao mesmo tempo, um lance de efeito, um lençol bem dado, um chapéu, uma caneta, não recebem o mesmo tratamento. Prova da nossa indigência ao tratar do jogo. 


Pudera. É tanta coisa pra mostrar.  A tela que precisa se acomodar pra exibir a publicidade. O treinador que dá chilique à beira do gramado. O lance de potencial polêmico. E aí quase não sobra espaço para o drible, para uma matada de bola dessas que sempre será sinônimo de excelência. Sei que pode soar de um romantismo exagerado, algo de que sou constantemente acusado por companheiros de ofício. Mas precisamos reeducar nosso olhar. Não só porque seria uma maneira de acalmar essa veia estufada pela discórdia, mas também uma espécie de resgate da face mais sedutora do jogo. Sobre o romantismo, digo a vocês que secretamente até me alegro porque a essa altura ele chega a ser uma forma de desobediência, de rebeldia. 


Além do mais, só quem nunca se viu em comunhão com alguma minoria é que não sabe da nobreza que elas podem guardar. Até me espantei vendo um jogo do Atlético Mineiro dia desses, pois em dado momento um jogador do Galo deu um drible bonito no marcador e o lance foi mostrado umas três vezes. E merecia. Usando os dois pés, o atleticano puxou a bola de um pro outro e a colocou entre as pernas de quem tentava barrá-lo, para em seguida se desvencilhar dos puxões, das tentativas sempre desesperadas que esse tipo de lance provoca. Sim, porque nunca bastou dar o drible, ou o chapéu, sempre foi preciso no instante seguinte se salvar da apelação que certamente vem. Esses lances são um tipo de castigo que uma vez sofrido tem na falta sua última possibilidade de vingança. 


Digo isso ciente de que para muitos a coisa sempre foi assim. Mas um romântico incorrigível como eu  quer acreditar que houve um tempo em que ser driblado não era exatamente uma questão de vida ou morte. E grandioso mesmo era devolver na mesma moeda. Mas não tô aqui pra semear poesia nesse árido chão. Gostaria apenas que essa minha reflexão fosse vista como uma proposta pragmática, pois é disso que se trata, e não como um devaneio de alguém que não entende o que virou o futebol.  Já que é disso que me acusam, ainda que veladamente, quando você dá a entender que ainda alimenta alguma esperança de que o futebol venha a ser algo mais plástico do que tem sido. Até porque se entregar sem reflexão a essa mania instituída de autopsiar lances de natureza polêmica me parece o avesso da arte do jogo.  

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Ah, os nossos treinadores !

Tenho um amigo de profissão, sábio, que vive alertando os estabanados de que é possível dizer qualquer coisa a qualquer pessoa, o segredo reside no modo de falar. Mas é fato que o mundo está repleto de gente que não faz a mínima questão de ser gentil. E como fiz dos treinadores brasileiros tema deste espaço dias atrás, não vou resistir à tentação de falar sobre o ocorrido no Fórum de treinadores realizado na última terça e que virou notícia pra valer graças a imensa saia justa provocada pelas declarações dadas por Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira. Os dois sacaram a gentileza de campo e foram pro ataque pra mostrar que ainda não engoliram a realidade que os mandou, talvez para sempre, ao banco de reservas. Realidade que eles ajudaram a construir. 


Pensando no amigo citado, imagino que o momento até comportasse, pelo que representava, palavras que afirmassem aos presentes de que aquela era uma oportunidade para repensar tudo o que tinha sido feito pelos treinadores brasileiros na nossa história recente, e que claramente se faz necessário um esforço de toda a classe  para que num espaço de tempo muito breve eles possam retomar um espaço que foi todo deles e que hoje está ocupado por um dos treinadores mais respeitados do mundo, que aceitou a missão de trabalhar pelo futebol brasileiro, e  a quem fizeram questão de homenagear na ocasião. Algo nessa linha. Mas, levando em consideração o que prega o velho amigo de redação, adequar discursos exige humildade, exige cuidado. 


Em uma coisa , ao menos, Emerson Leão acertou, o culpado por Carlo Ancelotti hoje ser visto como o maioral na antiga colônia dos ditos professores que aqui reinaram é mesmo culpa dele e de seus conterrâneos. Isso sem falar em Oswaldo de Oliveira, que soou ainda menos polido do que o ex-goleiro da Seleção Brasileira. Mais pelo tom inflamado e por se mostrar tão incomodado com o fato de a Seleção estar sendo comandada por um estrangeiro, do que propriamente por afirmar que espera ver um brasileiro no cargo depois da Copa. E eu arrisco dizer que boa parte dos que acompanham futebol também gostaria que isso se desse. A questão posta - não é de hoje - é que o cargo exige alta capacidade. Também é interessante notar que a deselegância parte justamente de dois profissionais que estão certamente entre os principais nomes arrancados do panteão outrora intocável do futebol brasileiro quando a realidade começou a mudar.


O que eu sei é que não faltou canelada. Em Ancelotti, que topou dar uma descida da Sala que ocupa na sede da CBF já que lhe disseram que era uma homenagem o que lhe aguardava no Auditório do piso térreo. Canelada na aproximação que a Federação de Treinadores tentava com a CBF, como foi dito com todas as letras por um dos seus diretores que repudiou as palavras de Oswaldo de Oliveira. Enquanto o presidente, Wagner Mancini, adulado no discurso de Leão, adotando a linha que sugere meu amigo, reconheceu que foram falas fortes, mas frutos do tom democrático do Fórum, que o próprio Ancelotti sugeriu que a CBF recebesse, vejam só. À parte tudo que essa postura evidencia e justifica, devo dizer que Oswaldo de Oliveira foi dos treinadores mais educados que vi no trato com a imprensa. O mesmo não pode ser dito de Emerson Leão, que vi ser grosseiro algumas vezes, mas que sempre soube respeitar ambientes. Os que já viveram um tanto sabem bem que a partir de certo momento a gente passa a não ter papas na língua. O que não anula grosserias - nem de deixa de aclarar posições contestáveis - e que, no caso, só torna mais evidente o tamanho do trabalho que os treinadores brasileiros têm pela frente se quiserem voltar a ser vistos como os tais.     

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Personagens


Não sei se seus olhos já vieram desaguar aqui ou se, distraidamente, passaram pelo título. Se passaram, ele deve ter lhe semeado na cuca, como diziam os da minha geração, uma certa curiosidade. Diante de um título desse a gente quer saber logo de quem se trata. Pois bem. O primeiro personagem é Zinedine Zidane. Isso porque outro dia dei eu de cara com um título que me abduziu. Mas, devo confessar, menos pelo viés apelativo que tinha e mais pelo fato de há tempos não saber de nada a respeito de um jogador tão magnífico. A promessa que o tal título embutia era a de me esclarecer quais são os jogadores que ele mais admira na atualidade. E ser elogiado como boleiro pelo francês argelino deveria valer por um troféu. E se vocês andaram dando de cara com a mesma notícia que eu, fiquem tranquilos, vou fazer o favor de lhes matar essa curiosidade também. Mas já adianto que não tinha nenhum brasileiro na parada. 

Eram dois portugueses e um espanhol. Vitinha e João Neves. E o garoto Lamine Yamal, de quem, aliás, já ouvi  Roberto Rivellino tecer comentários para lá de empolgados também. Interessante que Zidane tenha citado apenas jovens, pois o mais velho do trio no caso é o primeiro, Vitinha, que tem vinte e cinco. Yamal tem dezoito. E João Neves está entre os dois nesse quesito. Poucos dos que vi jogar mostraram tamanha elegância como Zidane. Ou melhor, em matéria de elegância ninguém o superou até hoje. E aquele gol marcado por ele contra o Bayer Leverkusen na final da Champions de 2002, que ficou conhecido como o gol de uma perna só, habita meu imaginário de modo singular.  E o nome que ganhou deve servir de aviso, porque como se costuma dizer ele daria baile em muitos por aí mesmo jogando com uma perna só. 



Quando tenho arroubos, e flerto com o politicamente incorreto, afirmo que se trata de um jogador tão raro no futebol que mesmo quando optou por dar uma cabeçada no adversário o fez com estilo. Ao pensar que está afastado desde 2001 imagino que deva ter se cansado do mundo da bola, soa incongruente que isso tenha partido do futebol. Mas como Didier Deschamps já avisou que deixará o comando da Seleção Francesa depois da Copa, Zidane pinta na área como o mais cotado. Melhor para o futebol.  

E por falar em quem sabe tratar a bola, quero colocar nesse hall aqui, Jorge Carrascal, do Flamengo. Que o jogo de ida com o Racing colocou em evidência. Num elenco como o do rubro-negro ser ou não ser titular será sempre uma questão, além de condição que pode mudar muito rapidamente. Mas que o colombiano anda numa frequência que dá gosto de ver isso anda. Tem mostrado um tino pro jogo vertical como poucos, e a força física que o jogo hoje exige de quem quer jogar em alto nivel. Emerge como outro desses jogadores com trajetória mais modesta do que o futebol deles sugere. Na carreira de pouco mais de uma década, entre o surgimento no Millionarios e a chegada no Flamengo, defendeu um time pequeno na Espanha, gastou dois anos na Ucrânia, antes de desaguar no River, para em seguida consumir outros três jogando na Rússia. 


Pedro Souza/ Atlético MG


E o meu outro personagem é o paraibano Givanildo Vieira de Souza, a quem o futebol emprestou pra sempre  um ar de herói, ao batizá-lo como Hulk. E não é que depois de ter feito tudo o que andou fazendo com a camisa do Atlético Mineiro fez nascer manchetes avisando que ficou mais de ano sem marcar um gol de bola rolando no Brasileirão? Ainda que nesse período tenha feito uns de falta, outros de pênalti e até marcado gol olímpico. Sem contar que deixou bem claro, inclusive na noite da última terça, que segue sendo capaz de ajudar o time de outras maneiras e em outros torneios. A cobrança é mesmo brava, sempre. Mas não fosse o jejum de gols queria ver o Sampaoli, esse baixinho que faz questão de se dar cara de invocado, ter peito pra colocar o cara no banco. Encarar heróis desde sempre foi coisa que só se pode fazer tirando proveito de fragilidades. E que nunca nos falte bons personagens, porque bom futebol nos falta... e não é de hoje. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A revolução do futebol brasileiro



Se alguma revolução houve no futebol brasileiro nos últimos tempos foi a que destituiu do panteão um grande número de treinadores que durante um bom tempo reinaram por aqui. Não cabe  citar esse ou aquele, mas tenho certeza de que qualquer um que tenha acompanhado a novela que o jogo de bola sempre tece terá em mente bons exemplos para ilustrar esse raciocínio que proponho. Não dá pra negar o papel da crônica esportiva  nisso. Em dado momento o atraso dos ditos professores era apontado dia após dia como a principal causa da modorra vista nos gramados. Seria leviano dizer que padecíamos apenas desse mal. Longe disso.  Para além do que eram capazes àquela altura de construir taticamente havia em paralelo um sem fim de outras questões jogando contra. O retrato que ficou desse tempo é um ballet grotesco, com treinadores pulando de um clube para o outro, e muita retranca, que ao mesmo tempo tinha a intenção de proteger placares e empregos. 

lição que se pode tirar disso é que não era à toa que a crônica mirava os professores. O efeito colateral, num primeiro momento, foi abrir as portas para uma nova geração. Era por ela que se clamava. Novos nomes tiveram oportunidades. Viram cair sobre si a perigosa fórmula do sucesso rápido. Outros, que iam bem, acabaram vitimados por passos maiores do que as pernas. Mas foi um período abreviado porque não tardou e o futebol brasileiro passou a viver uma espécie de abertura, fazendo valer sua condição financeira sobre os outros países do continente. E aí a coisa não teve mais freio. Os primeiros estrangeiros já tinham chegado, pinçados um pouco por esse descontentamento nacional e um pouco também pelas conquistas modestas da nova geração que notadamente precisava de tempo para amadurecer. E foi graças a um sucesso imediato acompanhado de grandes conquistas que os treinadores estrangeiros, feita a revolução, começaram a reinar. 

Os antigos poderão sempre dizer que não tiveram as mesmas armas, já que os que chegaram depois encontraram um futebol brasileiro em que as cifras cresciam com vigor, possibilitando uma melhora sensível na qualidade técnica dos elencos. Nada muito significativo. E como o futebol não está apartado do mundo, muito menos de suas mazelas, riqueza nele é coisa pra poucos também.  Aliás, os dois são tão parecidos que o futebol anda cheio de nobres perdendo a distinção. E notem que os times mais endinheirado do país, Palmeiras e Flamengo, são comandados por dois treinadores  que espelham muito bem essa pós-revolução. Abel Ferreira, tem quarenta e seis anos, e por mais que goste sempre de deixar nas entrelinhas, mas não só nelas, que já decifrou o futebol brasileiro, não deve fazer nem ideia do que aqui se passou antes que chegasse com sua caravela. E nem poderia, não tem culpa alguma. Vive a mais singular realidade já vivida por um treinador nestas terras, pois amparado por uma diretoria poderosa, num clube com finanças invejáveis, assim é visto pelo menos, e cercado por conquistas de respeito que desde sempre se fizeram o melhor dos escudos para exercer o ofício. Em outros tempos teria ar de eterno. 

O outro personagem que ilustra esse momento é Filipe Luís. Mais jovem do que Abel, e que o destino - não sem merecimento -catapultou ao comando do Flamengo.  Tem sido comum ouvir comentários prevendo que irá desenhar uma gloriosa carreira. Algo de que não há razão para duvidar, por sua formação. Difícil é discordar que antes dessa, vamos dizer, mudança de costumes, algum dirigente iria arriscar o pescoço entregando um time milionário nas mãos de um treinador de quarenta anos e não laureado. Não discordo do que dizem a respeito dele, mas muitas vezes, entre amigos, me sinto obrigado a ponderar que não deixa de ser um piloto com poucas horas de voo pilotando um boeing. E algumas páginas desenhadas pelo rubro-negro nesta temporada talvez possam ser explicadas por esse frescor. E é do jogo. Alvissareiro mesmo é notar que, seja como for, o futebol brasileiro em alguma coisa mudou. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Os dribles que o futebol impõe



O futebol esbanja dribles. Nos impõe vários. Alguns muito impiedosos, porque insistentes. Falo do que sofremos toda vez que tentamos decifrá-lo. E não perdemos a mania. Essa constatação faz com que eu me sinta como um zagueiro desses estabanados que no afã de colocar um ponto final em uma investida adversária acaba sendo driblado duas vezes e, pra fechar, ainda erra o carrinho que tenta desferir já em notável desespero. Mas há dribles desse tipo que são suaves, como aquele que silenciosamente  fustiga alguém que tenha decretado por aí  que jogar em alto nível aos quarenta anos, nesse futebol supra físico que se desenhou, beira o impossível. Eis que olho pra TV e dou de cara com um jogo das Eliminatórias Europeias. De um lado a República Tcheca, do outro a Croácia. E lá está o quarentão Luka Modric, envergando a camisa dez com a elegância de sempre,  sugerindo que é melhor a gente não tentar prever até onde se pode ir. 

Quer mais um exemplo? Bom, outro veredito que já ouvi ser proferido por aí é aquele que decreta que essa inundação de estrangeiros vista no futebol brasileiro atualmente cobraria um preço terrível: o de limitar severamente as oportunidades dadas aos talentos das categorias de base. É conclusão difícil de refutar assim de primeira. Já andei assinando a tal. Mas um olhar atento às ultimas rodadas do Brasileirão inevitavelmente  nos coloca uma pulga atrás da orelha. É só lembrar das alegrias que o garoto Gui Negão andou dando à torcida corintiana. E, em menor grau, o volante André, autor de um dos gols da vitória do timão sobre o Mirassol. Mas não pensem que é assim rasa a realidade que se contrapõe ao que pode parecer óbvio. 



Lembremos do jogo maluco que fez o Vasco com o Vitória. Um quatro a três cheio de reviravoltas em que triunfou o time de São Januário graças a dois gols cheios de juventude. Um do camisa setenta e sete Rayan, de dezenove anos. E o outro, mais nobre ainda por ter sido o quarto do time da casa, o que garantiu de verdade os três pontos, marcado aos cinquenta e dois do segundo tempo por GB, de vinte anos. Mesmo nos poderosos Palmeiras e Flamengo que tanto gastaram para moldar seus elencos atuais a garotada dá as caras. Allan, no alviverde, que tem vinte e um anos, mas está no clube desde o sub-15. Wallace Yan, no Flamengo. Ainda que no segundo caso, do alto de seus vinte anos, o rubro-negro tenha acabado expulso no jogo contra o Bahia e forçado a torcida do Mengo a temer um tanto sua juventude. Ainda que os lances que redundaram na expulsão - e seu histórico em campo - sejam capazes de convencer qualquer um que se trata mais de uma deficiência comportamental do que técnica. 

Há outros exemplos que poderiam ser pinçados, mas por falar no Flamengo não dá pra deixar passar, já que o assunto é esse, a oportunidade que teve Kauê Furquim. O garoto de apenas de dezesseis anos - que ao deixar o Corinthians e seguir para o time baiano meses atrás colocou os dois times em pé de guerra - foi colocado em campo por Rogério Ceni quando o jogo contra o rubro-negro estava perto do fim. Não é a toda hora que damos de cara com alguém dessa  idade num jogo desse tamanho. Ainda mais quando a briga por um lugar ao sol no futebol brasileiro nunca pareceu tão acirrada. O próprio Ceni foi muito bem ao não esconder a realidade e dizer que se tivesse a disposição o argentino Sanabria, ou o ponta EricK Pulga, Furquim não teria saído do banco de reservas. Enfim, talvez essa nova realidade do futebol brasileiro não se faça adversária do sonho que desde sempre foi de tantos meninos. Tem sido bom ver o argentino palmeirense Flaco Lopez, ou o colombiano Kevin Serna, do Fluminense, jogando o fino. Mas nada como poder desfrutar desse tipo de talento que, além de tudo, se fez para nossa tristeza produto de exportação precoce. E que o futebol nos reserve outros dribles.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Nada será como antes



O ano que vem promete sensações novas para quem gosta de futebol. Mas não se empolgue não. Tô falando da realidade distinta a que as mudanças orquestradas pela FIFA e pela CBF irão condenar os amantes do jogo de bola, e não prevendo triunfos. Muito menos descrete nacional, como pode concluir dessa breve abertura um leitor mais empolgado. Vejam, depois de todas as alterações que serão feitas no calendário nacional na temporada vindoura, os torcedores que gostam de gastar os janeiros à beira-mar talvez precisem deixar as areias para ver que enredo terá o debute do time do coração no principal campeonato do país. Uma vez que isso passará a se dar antes mesmo do carnaval, e não mais quando as águas de março já tiverem fechado o verão, como andamos acostumados. Donde concluo que os cartolas andam ousados. Não deveriam encarar tão de peito aberto a concorrência, porque se pensarmos bem são poucos os times por aí com mais apelo do que uma boa praia. Vai saber. Não duvido que o sol brilhando e as areias escaldantes, que também tantas emoções provocam, venham dar uma leve derretida na audiência das primeiras rodadas.  E nem vou falar da petulância diretiva de marcar compromissos para essa época, quando estamos todos cansados de saber que neste rincão dos trópicos o ano só começa depois da folia de Momo. 

Outro efeito das alterações poderá ser uma certa sensação de que as cervejas da quarta à noite já tiveram acompanhamento melhor, já que nos primeiros meses do ano que vem passarão a se destinar aos jogos dos torneios estaduais. Nunca foi má tática, e passará a ser mais indicada ainda, dar uma turbinada nos petiscos.  Quem sabe jogando com uma linha dtrês atrás, ou ao lado, dos copos. E que fique registrado que sou e fui, desde sempre, totalmente contra o fim dos Estaduais. Os considero parte importante do patrimônio futebolístico que construímos e que deveria ao longo do tempo ter sido mais bem tratado. Tenho a essa altura sérias dúvidas se um tratamento digno será possível diante das míseras onze datas a que a nova ordem lhes condenou. 

Mas quando falo em novas sensações falo também da Copa do Mundo, claro. Copa que parece ter transformado, Gianni Infantino, o presidente da FIFA, em amigo de infância de Donald Trump, que morro de curiosidade de saber se seria capaz de nos explicar a regra do impedimento. Será, sem dúvida, o momento mais singular da vida dos que há tempos se entregam a esse tipo de prazer, ou de paixão, como preferem os mais ardentes. A coisa dessa vez irá muito além de tentar adivinhar que papel a Seleção Brasileira interpretará. Esqueça tudo o que você já viu em matéria de mundiais. Serão três países. Infinitas quarenta e oito seleções. Sugerindo um nível técnico como realmente nunca se viu.  Podem escrever o que estou dizendo: não demora e a Micronésia vai garantir um lugar na Copa. Não quero parecer aqui um descrente nos avanços. Só os ignorantes não aceitam a obviedade de que tudo está em constante transformação. Está aí o Santos que não me deixa mentir, o Santa Cruz. 

E é sempre bom saber que pelo menos no que diz respeito à Copa do Mundo não estaremos solitários. Os italianos verão, talvez novamente de longe, que já não se faz mais Copa como antigamente. Os alemães, os argentinos. Só não arrisco dizer que até no Uzbequistão isso se dará já que os uzbeques serão debutantes nessa. Importa é não ser refratário ao novo. Sinto-me tão vanguardista escrevendo isso. Que venha a Copa do Brasil com final em jogo único, a Série D com sua quase centena de elegidos. Como chegaremos lá não sabemos. Agora como chegaremos na Copa o jogo de amanhã contra a Coréia do Sul pode nos dar mais algumas pistas. Mas temo certo desapontamento já que  sob a batuta do prestigiado Ancelotti, e ainda que nada  venha a ser como antes, pouca coisa mudou.  

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O futebol acabou



Não se deixe levar pelo tom apocalíptico do título. Vai nele uma certa licença poética. Foi inspirado no dito por Renato Gaúcho dias atrás, na coletiva dada depois da eliminação do Fluminense para o Lanús na Copa Sul-Americana. Ocasião em que ele surpreendeu a quase todos anunciando a própria demissão. Disse o treinador do tricolor carioca, ainda no calor do que tinha rolado no gramado do Maracanã: "...eu dei uma entrevista há uns dois meses e hoje estou repetindo. Acabou o futebol. Acabou por causa daredes sociais. Tanto para o jogador quanto para o treinador ". 

Bom, que as redes sociais andam torrando nossa paciência é fato. E, ainda que eu acredite que há um sem fim de fatores envolvidos nessa tomada de posição, Renato Gaúcho colocou em evidência uma grande questão. Não me espanta que a crônica não tenha se interessado por essa grande bola pingando na área. Afinal, a essa altura já se faz um tanto difícil estabelecer a fronteira que a separa das redes sociais. Se a gente entende por crônica esportiva um, digamos, gênero que mescla análise e informação, sabemos todos que tanto uma coisa quanto a outra hoje brotam mais do mundo digital do que de páginas de jornais e programas de rádio ou TV.  Mas sou levado a crer que a premissa que baliza a mídia clássica ainda se distingue consideravelmente da digital. Embora essa fronteira se faça cada vez mais tênue. 

Essa realidade mudou o foco e, principalmente, o tom da cobertura. Grandes veículos viraram minoria nesse tipo de situação. O grosso da conversa é construído por canais e influenciadores que, não raro, cobrem apenas um clube. Num tom indulgente poderia dizer que esse desenho favorece interlocuções mais emotivas. Mas tratar o jogo com sentimento tem seu preço. E um deles é colocar em risco a qualidade da informação. Talvez  venhamos a ver o próprio Renato mostrar que o que pregou não era verdade. A menos que jamais voltemos a dar de cara com ele assumindo algum clube aqui ou no exterior. O que definitivamente comprovaria para ele que o futebol não acabou. 

Um fato é : a internet elevou o poder dos corneteiros à décima potência. E se há uma virtude que se esconde no mundo digital é a capacidade de mostrar sem firulas o quanto é difícil, pra não dizer impossível, agradar a todos. Aos que pretensiosamente sentem que conseguiram lamento avisar que essa sensação não passa de uma ilusão, obra-mor dos algoritmos. Como eu disse, há um sem fim de questões a orbitar nisso tudo. A  política e os políticos dos clubes, o imenso desafio de manter satisfeito um grande grupo de profissionais. Teria sido em virtude justamente de uma saraivada de críticas que Renato Gaúcho  decidiu se dar por vencido. 

Tempos atrás, meu amigo Arnaldo Ribeiro foi o primeiro a me chamar a atenção para o fato de que essa nova ordem fragmentou a torcida. Disse ele na ocasião, com propriedade: "Hoje há a torcida da internet e a torcida da arquibancada. E as duas se comportam de em geral de modos muito diferentes". E acho que nem é preciso dizer aqui qual delas é mais impaciente, mais visceral. E, para complicar de vez, essa capacidade que a torcida digital tem de amplificar seu descontentamento acaba pautando os clubes. Uma realidade ditada não exatamente pelo que vem das arquibancadas e sim por esse ecossistema que se formou em torno do futebol. Logo, não deve nos espantar nenhum pouco que a torcida virtual seja mais atuante do que a real. Ainda mais nestes tempos em que as Arenas - para muitos que por lá passam - viraram algo que não vai muito além de um espaço instragramável. 

Gostaria, portanto, de acreditar no que disse Ronaldo Fenômeno semana passada durante um evento no qual abordou essa relação com o mundo digital. O genial camisa nove choveu no molhado ao dizer que as redes sociais deram voz pra muita gente. E voltou a chover no molhado ao afirmar que há a crítica respeitosa e com critério, e uma outra violenta e ofensiva. Mas no que eu gostaria de acreditar é no que disse na sequência, que nunca levou em consideração em nenhum segundo da vida dele as críticas do segundo tipo. O que me fez aceitar melhor a postura de Renato Gaúcho, porque mais verdadeira. É difícil  crer que exista no mundo de hoje alguma figura pública de grande quilate que não tenha sido de alguma forma assombrada pelas tais redes sociais.  

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O timão no Bar do Zé Ladrão



Vocês dirão que andei sonhando. Mas a verdade é que voltei ao Bar do Zé Ladrão. A saudade só não era maior do que a prosa que se desfia por lá. Atrás do balcão o Zé ostentava a elegância de sempre. O avental de um azul puxando pro claro parecia lavado. As meias de compressão  tinham brilho de novas, e só as pude ver quando ele deixou a posição em que joga para mexer na pilha de caixas de cerveja que sempre fizeram parte da decoração. Tinha notado também o bigode bem aparado.  Por um instante tive a impressão de que intuiu que receberia visita incomum. No fundo, perto da entrada do banheiro, notei exposto o distintivo da Portuguesa de Desportos. Não era pra menos. Pra quem não sabe, ou não lembra, Seo Zé é corintiano, mas com mais de meio século no ofício encontrou um meio muito eficaz de espantar assuntos incômodos. Tem lá na parede de trás um distintivo do Timão, que guarda no verso um outro, da Lusa. 

Quando o humor ou o time alvinegro vão mal é só ele virar e fazer o teatro. Os desavisados normalmente chegam com o sarro pronto. Mas nem bem começam a tecer a graça o hómi se finge de ocupado, dispara um olhar de desdém, e emenda:

_ E eu lá quero saber do Corinthians? Quero saber é da Lusa.

O sujeito insiste. Diz que ele tá de graça. E aí vem o golpe final. Com a faca que usa para preparar os petiscos na mão sugere um olhar na tal direção.

_  Aquilo é enfeite, né? Afinal, todo mundo sabe que eu sou chinês - e encena uma cara de bravo pra completar.

Rapaz, o português é afiado. Mas eu, que o conheço bem, não resisto. Sem ninguém perceber dou uma cutucada. Primeiro faço uma observação a respeito do trabalho de Dorival Júnior. A quem ele não 
condena mas também não absolve.  E na sequência é minha vez de jogar duro:

_ E o Menphis, Zé? É post pra lá, post pra cá. Esquisito!

_ Pois é, devia virar influencer. Se acha malandro. Só precisava jogar bola. Ó, vou te dizer uma coisa: não durava um dia na Calábria.

Pra quem não sabe, a Calábria citada ficava, décadas atrás, ali onde a Rua Monte Alegre hoje se faz sem saída. Um baixio acentuado das Perdizes, na capital paulista. E onde o Zé, com toda a sua malandragem em tempos idos dizia não gostar nem de passar perto. Pois as famílias ali além de temperamentais eram boas de briga. Foi aí que notei que na ponta do balcão, mais perto da rua, Alfredinho, o juventino, com sua cerveja solo, filmava todo nosso papo. Lançou pra mim um sorriso dissimulado. Notou que o sujeito que tinha sido driblado pelo Zé já tinha engatado outra conversa e, então, com a discrição que sempre teve, disse:

_Zé, sabe o que é? O escriba aí anda com inveja dos nossos times. O Juventus virou SAF, a Portuguesa virou SAF. E o time dele que, todo mundo sabe, tá louco para se jogar na mão de um investidor anda tratando do tema aqui. Fazendo uma reunião ali. Enquanto a maré da zona do rebaixamento vai ameaçando subir.    

É por essas e outras que eu vou dizer pra vocês que tenho de voltar lá. Fiz o possível pra convencer meus amigos de que era torcedor da Portuguesa Santista. Mas a cada argumento recebia de volta uma risadinha, como acontece sempre. Eu não sei porque quase todo mundo do dúvida. Mas desconfio, é porque eu sou neto de chinês, né!?  

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O destino do talento



Se tem uma coisa para a qual a última janela da transferências serviu foi para mostrar que o futebol é mesmo um mundo à parte. Sabemos disso faz tempo, mas neste momento em que guerras e chantagens tarifárias colocam o planeta em ebulição e testam a lucidez da economia poderia ser até normal a constatação de que o período de negociações de atletas foi o maior da história, afinal, o mercado tem dessas, é um monstro insaciável que exige sempre que as cifras não se acomodem custe isso o que custar. Mas ocorre que os cinquenta e três bilhões que foram movimentados, segundo a FIFA, representaram um crescimento de cinquenta por cento em relação ao mesmo período do ano passado. Um desempenho que deve causar inveja em muitos investidores graúdos por esse mundão afora.  

Desse montante , dezesseis bilhões foram investidos pelos ingleses, que também foram os que mais venderam atletas, seguidos por Portugal e, vejam, pelo Brasil. E é aí que eu quero chegar porque ainda que comprar e vender seja do jogo, são ações com consequências infinitamente distintas. E ainda que eu tenha pra mim que boa parte das vezes nossos clubes comprem muito mal é na hora de vender que em geral se torna explícita nossa falta de apuro para esse tipo de negócio. Já posso imaginar um mandatário qualquer, com ar de enfado, tentando me explicar que o futebol aqui nestas terras tem suas peculiaridades e se a gente não vende as contas não fecham. A quem eu responderia, com uma inocência sacana, que se a nossa realidade continua sendo essa depois de passadas tantas décadas - e em termos tão gritantes - é porque administrativamente mal evoluímos. 

E mesmo os clubes bem sucedidos da hora, para os quais esse argumento que sugere uma corda no pescoço já não faria sentido, poderiam muito bem ser colocados na prateleira dos que nem sempre compram bem, ou dos que aceitam pagar muito. Mas como a economia do futebol é tão singular, se é que me entendem, essas suposições sempre se verão fundadas em terreno movediço. Já sobre as vendas, usando a memória dos fatos, talvez seja mais fácil encontrar uma base sólida para ancorá-las. Vamos ao caso do jovem atacante do Santos, Luca Meirelles, de dezoito anos, vendido para o já conhecido porto de talentos brasileiros chamado Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Destino que teve também o jovem Lucas Ferreira, do São Paulo. A grita das duas torcidas foi grande, e não era para menos. No caso do tricolor, as negociatas desse tipo, digamos, precoce, levaram também Henrique Carmo e Matheus Alves, ao CSKA da Rússia. Tão similar quanto o perfil das mercadorias é o perfil dos compradores. O que nos leva a crer que nesse meio difícil mesmo é driblar o caminho da grana. 

E nem vou cair naquele lugar comum e dizer que esse tipo de negócio drena o talento do futebol  brasileiro. Ou apontar que o Palmeiras, ao vender o zagueiro Vitor Reis, de dezenove anos, para o Manchester City, no último janeiro, o fez por um valor praticamente igual ao que o São Paulo amealhou vendendo cinco das suas joias. E por falar em Palmeiras, dias atrás a transação feita com um outro jogador do time alviverde voltou a escancarar como é manjada a rota que muitos times brasileiros reservam aos seus talentos. Vendido ao tal Shakhtar um ano e pouco atrás por treze milhões de euros, o ponta Kevin acaba de sair de lá para o Fulham, da Inglaterra, por quarenta milhões. Outro negócio da China, como diriam em outros tempos. E não venham me falar de tudo que o Shakhtar conseguiu nos últimos anos, que passou a ter alguma relevância no mundo da bola porque, muito além das questões esportivas, não entra na minha cabeça que venha a ser ideal mandar garotos para países em guerra. O talento deles deveria ser mais bem tratado, mas o destino deles mais ainda.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O futuro nos dirá



Desconfio que apesar de tudo o que vimos rolar no gramado do Maracanã e no quase céu boliviano, onde fica o estádio de El Alto, o sentimento do torcedor com relação à Seleção Brasileira não sofreu grandes alterações nessa reta final das Eliminatórias para a Copa. Imagino que alimente esse sentimento um misto de curiosidade, uma pitada leve de pendor cívico, tudo isso temperado com a paixão pelo futebol que habita em muitos desde sempre, apesar das dores e provações a que as paixões costumam nos condenar.  O jogo de terça contra a Bolívia foi uma provação. Teve um quê de castigo. A pergunta que me faço, às vezes, com certo receio da resposta, é a seguinte: e se Ancelotti não conseguir fazer a Seleção Brasileira jogar, quem seria capaz de dar conta de tão desafiadora missão ? 

E vejam que não estou pedindo títulos, nada disso. Imagino algo que possa ser definido como um resgate da respeitabilidade, um certo reconhecimento de que há ali um time de se admirar. Mas reconheço que essa minha modéstia de quereres é de complexa execução porque conseguir isso sem levantar uma taça exige certa boa vontade de quem interpreta o desenrolar da história.  Melhor seria ganhar uma Copa e pronto! Não há nada melhor para neutralizar a acidez dos críticos.  Deixo aqui até uma ideia para o caso de termos de pensar em um novo treinador. Que tal Lionel Scaloni? Esse professor de trajetória tão singular, que sem jamais ter comandado um clube sequer, foi capaz não só de fazer da Argentina campeã do mundo, mas de alguma forma ajudar a pavimentar o caminho para que Lionel Messi pudesse, enfim, tomar o lugar que lhe pertencia no futebol argentino e mundial. 

E antes que alguém passe a coçar a cabeça lendo estas linhas ao pensar que não temos um Messi, lhes digo que estou ciente disso. E concluo indo além na questão. Se vier a ser verdade o que se diz à boca pequena, que quem manda é o Messi, que os hermanos só chegaram onde chegaram porque quiseram jogar para ele e coisa e tal. Pois bem, então talvez more aí um motivo a mais para acreditar que Scaloni poderia nos ajudar, já que ele deve saber muito bem quem merece esse tipo de benesse, quem verdadeiramente é capaz de exercer tal papel. Mas o que eu sei é que as Eliminatórias ficaram para trás e, pela ótica grandiosa do tempo, talvez não tarde o dia em que seremos obrigados a apurar se os donos do jogo querem que Ancelotti continue, ou se terão de empreender a dura missão de substituí-lo. 

Por hora, nos devolverão o Brasileirão, com uma rodada que analisada friamente tem tudo pra ser mais desafiadora para o Palmeiras, que recebe o Internacional, do que para o Flamengo, que encara o antepenúltimo colocado, o Juventude, mas no sempre caloroso Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul. Para um rubro-negro tão endinheirado e confessadamente obcecado pela conquista do principal torneio de futebol do país qualquer resultado que não seja a vitória soará mal. Não que o Palmeiras, no Allianz Parque, tenha mais opções. Não tem. Agora, mais espinhosa será a rodada para o Cruzeiro que,  talvez, munido da grande fase de Kaio Jorge, teima em se colocar entre rubro-negros e alviverdes e na segunda-feira irá fechar a rodada jogando em Salvador contra um Bahia que pareceu perder um pouco do fôlego diante do entusiasmado Mirassol. Bahia que ainda teve de dar conta das finais da Copa do Nordeste em meio à Data Fifa e ontem foi eliminado da Copa do Brasil.  

Já o Santos escreverá o segundo capítulo da era Vojvoda, fora de casa, enfrentando o Atlético Mineiro, que escreverá o primeiro da segunda era Sampaoli. E pensar que dias atrás as manchetes diziam que a volta do treinador argentino à Vila não se deu porque o time não conseguiria atender às exigências dele. E imagino que deviam ser mesmo cabeludas, porque o Santos que ele terá de enfrentar encerrou a janela de transferências contratando muito, apesar de ter no mercado a credibilidade aniquilada como fez questão de dizer o próprio executivo de futebol do time alvinegro. Mas não tem nada não, como diria Peninha, o futuro nos dirá tudo o caldo que deu a Seleção com Don Carlo no comando, e em que pé foi parar a credibilidade santista.  

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A seleção no Maraca

Foto:Gov. Estado do RJ- Divulgação


A noite desta quinta-feira pode deixar certos torcedores nostálgicos. E não é pra menos. Veremos a Seleção Brasileira se apresentar no Maracanã. Time e estádio perderam prestígio, mas não perderam a majestade. Será, quem sabe, uma noite pra não deixar dúvida de que nas mãos de Carlo Ancelottii a história pode mesmo ser escrita de um modo diferente. Talvez nem todos lembrem, porque é daquelas páginas que pedem pra ser esquecidas, que a última apresentação no templo chamadMário Filho foi um fiasco danado. Naquela noite, não bastasse a confusão que se estabeleceu no setor sul  - e acabou envolvendo os jogadores argentinos preocupados em defender compatriotas e familiares que estavam por lá - pela primeira vez na história das Eliminatórias o Brasil perdeu uma partida jogando em casa. 

E nem perdemos levando um gol de Messi, o que acabaria por ser mais aceitável. Fomos derrotados por um gol solitário marcado pelo zagueirão, Otamendi. Vejam vocês. Aquela noite, que teve o time brasileiro chamado de sem vergonha e olé entusiasmado vindo das arquibancadas quando os adversários teimavam em ficar com bola, só não soou mais terrível do que a passagem de Fernando Diniz pelo cargo. Ao se despedir, pouco depois, tinha se tornado o primeiro treinador a perder um jogo pelas Eliminatórias em casa, o primeiro a sofrer três derrotas seguidas no torneio e o primeiro a perder para a Colômbia nele. De quebra tinha colocado por terra uma invencibilidade de trinta e sete jogos do time brasileiro. 

Justiça seja feita, o castigo de Diniz, ainda que merecido, ganhou ares de tragédiaE, insistindo em fazer alguma justiça, a Colômbia andava jogando bola. O que não tem sido nem um pouco o caso dChile, lanterna das Eliminatórias e que chega ao Maracanã no dia de hoje carregando o fardo de ter sofrido até aqui uma dezena de derrotas. Secretamente, até Dom Carlo, homem tão curtido de grandes experiências futebolísticas, deu pistas de que irá sentir lhe correr pela espinha uma sensação diferente  na hora em que o túnel lhe entregar a visão de um Maracanã funcionando a todo vapor. Pode até, quem sabe, ter desenhado um time levando em conta todo esse contexto. Um time, não digo mais brasileiro, pois nesse quesito dessa vez se mostrou mais comedido, mas um escrete pra frente, para usar um termo que os que venham mesmo a ficar nostálgicos na noite de hoje vendo a bola rolar irão entender com facilidade. 

Um verniz de brasilidade que talvez se fizesse bem expresso na figura de kaio Jorge, que vem roubando a cena com a camisa do Cruzeiro e ocupa neste momento o posto de grande artilheiro do principal campeonato de futebol do país. Não basta ter quatro atacantes, é preciso ter alma. No mais, fico aqui tecendo suposições sobre como veremos a Seleção ocupar tão nobre palco. Intrigado sobre como Ancelotti resolverá a questão das laterais, que têm sido uma provação para muitas equipes. E imagino que a intrigante convocação do experiente e improvável, Douglas Santos, seja de alguma forma uma prova do quanto isso vem mexendo com a cabeça dos treinadores. Pois que jogue o fino se tiver a chance. 

A fragilidade do adversário sugere um jogo sem maiores complicações, mas costuma morar justamente aí a veia sobrenatural do bendito futebol. E é bom, diante da festa possível, não esquecer que a atribuladíssima história recente da CBF comprometeu todo o ciclo entre a última Copa e a que vem aí. Não faz muito tempo - corria o mês de março de 2022 - fechávamos as Eliminatórias, justamente diante do Chile, e no Maracanã, vencendo por quatro a zero e garantindo a vaga no Mundial do Qatar de maneira invicta. O que sugere que lá pra cá andamos para trás e e talvez explique  a razão do torcedor brasileiro andar desiludido. Mas, apesar de tudo, dessa opacidade que a falta de virtuosismo e de beleza depositam sobre a carcaça do nosso escrete, uma noite com Seleção Brasileira e com Maracanã ainda continua sendo diferente das outras.   

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Bons personagens



Pode-se falar o que quiser do futebol, menos que deixou de nos oferecer bons personagens. Ainda que se tenha a impressão de que vão rareando. E isso nada tem a ver com divisões. É possível encontrá-los por toda parte, eu aqui mesmo já citei alguns. Tenho certa predileção por isso. É receita certa pra revestir o jogo de certa humanidade.  Juan Pablo Vojvoda, que acaba de desembarcar na Vila Belmiro, pode ser apontado como um deles. Chegou ao Brasil sem causar alarde e lembro bem que quando o trabalho dele no Fortaleza foi lhe dando notoriedade descobriram que entre um compromisso e outro  tinha ido ver de perto uma pelada de society que rolava nos arredores. Não seria nada demais, se tão raro não fosse encontrar entre nós um técnico de time grande se ocupando do tempo dessa forma. Talvez existisse nisso uma investigação sociológica. Afinal, estava conhecendo um outro país. Ou talvez fosse simplesmente uma forma de matar o tempo já que andava apartado dos amigos, da família. 

Fato é que para além dos hábitos que gosta de cultivar esse ex-zagueiro desafiou como poucos a maneira de se comportar que tem sido padrão no futebol brasileiro. Ao terminar a segunda temporada no Brasil com o trabalho à frente do Fortaleza reconhecido, virou alvo de grandes clubes. E ainda assim resistiu. Negou aventuras que poderiam ter se revelado lucrativas, como costumam ser as de muitos treinadores que mal se despedem de um clube e já assinam com outro, mesmo quando debaixo de fortes evidencias de que o convite tem um grande ar de roubada. E assim Vojvoda desenhou uma das mais longevas trajetórias de um treinador por estas bandas nos últimos anos. A recompensa talvez seja poder ter dito sim ao Santos e ser visto de forma mais respeitosa, como alguém realmente capaz de tirar o time do lugar incômodo em que se encontra. Uma respeitabilidade que nem Pedro Caixinha, nem Cleber Xavier estiveram perto de ter. A sedução pode ter se dado por toda a história que o clube construiu. E é bem provável que neste momento seja só o que o clube santista tem pra oferecer.

 Tenho andado de olho também em Leonardo Jardim, que chegou ao Brasil com boa fama e que nos últimos tempos tem dado declarações que me chamaram a atenção. Uma delas a de que não pretende ficar muito tempo por aqui dadas algumas peculiaridades do nosso futebol como os grande deslocamentos. Coisa que Vojvoda também deve ter percebido, pois ao chegar aqui só tinha trabalhado em países de extensões geográficas mais modestas, no entanto, nunca citou tal questão, que é interessante. Em geral não temos muita noção de nossa dimensão continental. 

Leonardo Jardim, também falou com certa elegância sobre uma das coisas que desabonam nossa arbitragem. A falta de critérios. Mas o disse com elegância. Afirmou ver muitos jogos do Brasileiro e notar que os mesmos árbitros em outros jogos, e diante de outros times, tomam decisões de maneira diferente. Realmente intrigante. E também sugeriu dias atrás - depois de não concordar com uma decisão do homem que apitava o jogo do time dele - que os técnicos deveriam ter direito ao desafio técnico, como se dá no vôlei, quando o treinador pede para que se consulte o vídeo quando tem dúvida a respeito de uma marcação. Fosse nosso VAR ágil... quem sabe. Mas, enfim, vejamos quanto há de durar a paciência de Leonardo Jardim e como se sairá Vojvoda. 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Quem dá a bola ?



Claramente, agora, quem dá a bola não é o Santos, como sugere o cântico "Leão do Mar". Digam o que quiserem, e que me perdoem os cruzeirenses que andam sonhando alto, os botafoguenses atuais donos do caneco, e todos aqueles que têm uma ponta de esperança de que seus times possam estragar os planos que palmeirenses e flamenguistas têm muito bem traçado. Mas um campeão brasileiro que não venha a ser nenhum dos dois terá sim um quê de surpreendente. Interessante notar, para além das contendas que os dois desenharão pela Libertadores entre a noite de ontem e a de hoje, que o diagnóstico que se faz deles é similar. Elencos renovados que precisam um tempo para que passem a mostrar tudo o que podem. Um parecer difícil de não aceitar, e nem há razão pra isso. 

Chega-se a conclusão, portanto, que triunfará aquele que mais rapidamente conseguir se reinventar. E nesse caso a atuação da dupla formada  por Flaco Lopez e Vitor Roque no meio da semana passada diante do Universitário se não sugeriu certa vantagem do time paulista encheu os alviverdes de esperança. Enquanto a atuação do Flamengo diante do Inter só reforçou uma sensação incômoda não é de hoje para os rubro-negros, que é a de ver o time comandado por Filipe Luís se impor sem no entanto conseguir desenhar placares que corroborem as diferenças vistas em campo em relação aos adversários. E levando em conta o poderio dos dois é preciso tratar as eliminações nas oitavas da Copa do Brasil, não como um fracasso, mas como um insucesso. Se é que não me faço entender, pois o dicionário, se não estou enganado, apontará os dois substantivos como sinônimos. 



Dito de outra forma, ficou no ar essa coisa de que o time rubro-negro não tinha a tal Copa em alta conta, dela não fazia questão. Dá pra entender, mas ainda considero cedo demais. No caso do Palmeiras, a rivalidade com o Corinthians impediu qualquer possibilidade de tratar a questão como algo menor. E o discurso palmeirense, pelo que me lembro, não deixou essa possibilidade nas entrelinhas, ao contrário do Flamengo, cujo diretor, José Boto, disse com todas as letras que a prioridade do clube da Gávea nesta temporada é o Brasileiro. Uma prioridade que exigirá disciplina para ser levada à termo.  A sedução da Libertadores é imensa. Sem contar o fato de que num futuro breve, se vier a ter o Palmeiras como adversário, será instado a repensar a questão. Tudo bem que isso pode depender também de como as coisas andem no Brasileirão. 

Gostaria de acreditar que esse quadro que se desenhou prova a importância do principal torneio de futebol do nosso país. Mas talvez não seja o caso. Diria que ele tem sido tratado como algo que não se pode ficar tanto tempo sem ganhar. E nada mais. Lembrem que o Palmeiras já se viu nesta situação. Com Abel já tinha vencido a Copa do Brasil e sido bi da Libertadores, mas lhe faltava o dito Brasileirão. E naquela momento nem na crônica esportiva, nem no clube, alguém ousou dizer o contrário. O Palmeiras quando venceu o Brasileiro em 2022 tinha sido campeão pela última vez quatro anos antes, com Luiz Felipe Scolari. No ano seguinte, veio Jorge Jesus e o Flamengo não só ficou com a taça como se sagrou bi no ano seguinte, mas sob comando de Rogério Ceni. E, detalhe,  com Felipe Luiz, então lateral, sendo muito elogiado pela atuação na partida do título. O que significa que, apesar de toda a pompa, há quase meia década o time carioca não dá essa emoção ao seu torcedor.  E aí se revela a realidade: o Flamengo, que tanto almeja, se vê necessitado de um Brasileirão. No mais, creio, sejam quais forem as teorias, Palmeiras e Flamengo têm tudo para seguir dominando a cena.