quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O calendário é inocente



Faz tempo que o calendário se impôs como um grande tema do futebol brasileiro. Mas é bom não confundir as coisas. Nem por isso se fez  popular. Talvez devido a complexidade que o cerca. Não lembro de vê-lo pintar na área em resenhas entre amigos ou algo do tipo. E isso não quer dizer que o jornalismo esportivo erra ao focar nele. Mas se trata de uma equação sem solução na minha opinião. A menos que os que cuidam do futebol resolvam cortar a própria carne, já que a única medida eficaz seria aliviá-lo, enxugar torneios ou extingui-los. E não é de hoje que toda vez que essa conversa se dá a mira fica nos campeonatos estaduais, que ao longo do tempo já sofreram transformações mas nunca na medida que solucionaria o problema. 

Tanto é assim que a CBF acaba de anunciar mudanças para a temporada de 2025. Em linhas gerais os Estaduais serão antecipados e, por tabela, o Brasileirão também. Iniciará em março. Todo esse movimento tem por trás a necessidade de lidar com o novo formato do Mundial de Clubes da FIFA que na temporada que vem será disputado entre 15 de junho e 13 de julho. Ou seja, consumirá um mês. Quatro times brasileiros estarão lá. Palmeiras, Flamengo, Fluminense e o campeão da Libertadores deste ano. A CBF faz contorcionismo para que o Mundial não tenha efeitos colaterais no futebol brasileiro. Por efeitos colaterais entenda-se um choque total com nosso futebol. Os times brasileiros envolvidos com ele teriam de jogar nas janelas internacionais, reservadas aos jogos de Eliminatórias , por exemplo. E certamente o fariam seriamente desfalcados. 

Mas note-se que se trata só de antecipação, diminuição de datas, nunca! Não digo desde que começou a ser jogado, mas desde que o futebol passou a ser sinônimo de grandes lucros foi condenado à expansão para saciar o mercado. Cria-se o que eles chamam de outras entregas. Aumenta-se o número de jogos e cria-se assim um facilitador para a hora de negociar contratos. Ainda não inventaram jeito mais eficaz de turbinar os valores do que dizer que se passará a oferecer mais do que o cliente já tem. O que torna muito justo o descontentamento e as ameaças de greve feitas por certos astros do futebol europeu, que deveriam passar a pensar em fazer contratos que estipulassem um teto de partidas disputadas. Mas isso é um devaneio meu. 

Foi esse mecanismo que transformou o novo formato da Liga dos Campeões em algo esdrúxulo. A maneira antiga com os times divididos em grupos e com alguns disputando um play off com as equipes oriundas da competição que está um nível abaixo, ainda que tenha sido manipulada, soava perfeita. Mas muda-se a forma, e com ela a dinâmica do campeonato também. Ver o Real Madrid ocupar o décimo sétimo lugar de uma tabela elucida bem o que esse tipo de transformação provoca. E isso não quer dizer que ele não venha a ser novamente campeão. Acompanhar uma competição de trinta e seis participantes na qual vinte e quatro deles terminarão a fase classificados, ainda que em situações um tanto distintas, não é algo estimulante. E como copiamos tudo que vem de lá - e desse modo a Conmebol poderia turbinar suas entregas - é só uma questão de tempo para que a Libertadores  venha a ter esse formato também. É por isso que eu digo: podemos discutir o calendário, mas o calendário é inocente.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Um treinador raro

 


O time do Botafogo vem jogando muito. E falar de jogadores como Luiz Henrique e Igor Jesus seria chover no molhado. Ainda que tenha a impressão de que soando tão maduros em campo a juventude dos dois passe despercebida. Os dois têm vinte três anos. São garotos. Júnior Santos, que está voltando, trem trinta. Mas eu gostaria de falar é sobre o treinador do time da estrela solitária. Sob a ótica do tempo e do futebol Artur Jorge desembarcou outro dia por aqui. Mais precisamente em abril. Houve um momento em que até andou falado, mas em linhas gerais não tem provocado grandes análises sobre sua figura. Não virou estrela. O que não é comum. Os técnicos, faz tempo, estão sempre em evidência. E isso se deve, na minha opinião a um comportamento moderado. 

Acho louvável essa discrição. Pode ser, inclusive, o que explica parte do sucesso dele. Estar na liderança de um campeonato como o Brasileiro e na final da Libertadores é pra poucos e  tão representativo que faz ter um quê de chover no molhado também a frase inicial dessa minha reflexão. Mas vou lhes dizer porque a mantive: porque estou convencido disso, mas não de que isso faça do Botafogo favorito a ficar com o mais desejado título do futebol do nosso continente. Vejo no Atlético Mineiro, como bem definiu um companheiro de profissão, um time cascudo. E essa é uma qualidade que não se deve desprezar em decisões do tipo que irão enfrentar. 

Mas voltando a Artur Jorge, ele chegou aqui, como outro portugueses, sem que seu currículo ostentasse conquistas dessas que costumam render por muito tempo, mesmo que seu dono nunca volte a viver glórias parecidas. Artur foi um beque central desses que se ligam a um clube de maneira singular. Dá pra dizer que passou toda a carreira de jogador defendendo o Braga. E sempre me intrigou esse caminho desenhado pelos portugueses no futebol brasileiro nos últimos anos. Não consigo crer que não houve algo de supersticioso nas contratações que se seguiram à de Jorge Jesus e sua triunfante passagem pela terra onde cantam os sabiás. Cada vez mais cercados de prédios, infelizmente. Tanto é assim que, vira e mexe, alguém diz que Jesus irá voltar.  

Pelo que lembro agora, Artur Jorge só pisou na bola quando depois de classificar o Botafogo para as semifinais da Libertadores ralhou com um repórter que havia questionado um de seus comandados sobre o fato de o time ter deixado escapar o título brasileiro na temporada passada. Foi tão mal que impediu o jogador de responder a questão. E se lembro o episódio é porque mesmo com toda a minha admiração pela figura e trabalho imaginava que as próximas semanas poderiam colocar a polidez de Artur Jorge à prova, não na Libertadores, que será decidida em jogo único e na qual um insucesso fará parte do jogo, mas no Brasileirão a história poderia ser outra. Um revés desses com viés surreal despertaria questionamentos indigestos. Que seriam injustos, mas também inevitáveis. 

Agora, depois da derrocada do Palmeiras na arena corintiana e a vitória incontestável do Bota no clássico contra o Vasco tudo se abrandou demais. Ainda que o caminho lhe reserve um confronto com o Palmeiras seu principal perseguidor, quatro dias antes da decisão continental. De qualquer forma, o Botafogo pode se tornar um vencedor desses raro e Artur Jorge tem tudo pra fazer ele chegar lá com uma discrição também rara entre os treinadores. Não que o clube esteja sem alguém que semeie declarações contestáveis na crônica esportiva. O manda-chuva, John textor, tem se encarregado desse papel com afinco.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Longe do jet set



Duvido que com o apelo plástico atual, com seu deserto de dribles, chapéus e gols de falta o futebol conseguisse conquistar em nossa cultura o lugar nobre que foi seu um dia. E nem vou levar em conta o processo que elegeu aptos a frequentar estádios aqueles com um certo poder aquisitivo. Temos todos nestes dias um sem fim de argumentos para mal dizer o jogo. Mas há, ao mesmo tempo, um outro viés que tenta nos convencer de que ele vai bem, obrigado. Mais nítida do que essa visão antagônica é a sensação que tenho - e que já partilhei aqui - de que  a receita em prática pode desandar. E lhes digo a razão. 

É inocência achar que essa abertura ampla, geral e quase irrestrita aos estrangeiros não vá cobrar um preço. Ela não só está tirando o espaço de jovens talentos formados por aqui como está deixando muito claro também que influi nas oportunidades dos nem assim tão jovens. Pense, por exemplo, num atacante desses meio à moda antiga. Um centroavante pra ser mais exato. Quantos brasileiros temos na primeira divisão brilhando nessa posição? Poucos. A maior parte deles veio de fora. E o futebol pode ter mudado, os esquemas também mas um centroavante sempre será de grande serventia. Deyverson prova essa teoria. 

Por outro lado nosso futebol cresce economicamente a olhos vistos. A qualidade do jogo não. Mas talvez nada torne essa nossa hegemonia tão visível quanto a Libertadores, e não falo dos placares dilatados que Atlético Mineiro e Botafogo tatuaram na pele de seus adversários na rodada de abertura das semifinais do torneio, falo do domínio que os times brasileiros construíram na última meia década. Aos olhos sul-americanos podemos parecer integrantes do grand monde da bola, mas sabemos todos que não é bem assim. Estamos a anos de luz do que pode ser considerado o jet set, pra usar uma expressão que vem lá dos anos 1950 cunhada nos Estados Unidos por um cara chamado Igor Cassini, considerado o rei das fofocas sociais naqueles tempos idos. E o termo cai muito bem pois sabemos que jatinhos seduzem os grandes astros do futebol e não só eles. 

Semana passada Vini Junior pelo Real Madrid e Raphinha pelo Barcelona roubaram a cena no principal torneio de clubes da Europa. Brilharam tanto que um dos  jornais por lá ao dar de cara com o futebol praticado por Vini o considerou o melhor do mundo. E aquela altura todos pareciam acreditar que ele iria ficar com a bola de Bola de Ouro. Talvez seja o caso de seguir as principais Ligas do continente europeu que não se preocupam com o limite de estrangeiros mas determinam que os times tenham um certo números de atletas formados no país e, em alguns casos, nos próprios clubes. Dirão que tudo é uma questão de grana. E é, não dá pra negar.  As SAFs estão aí colocando fermento nas nossas cifras. 

Mas o sistema em si nada tem de novo. E ninguém parece se importar como futuro. Os garotos prodígio vendidos aqui continuam rendendo espetacularmente. E eles sempre toparão o negócio porque afinal o glamour está lá. Alguém que olhe as faturas não terá dúvidas do nosso crescimento futebolístico. Mas em campo o futebol jogado está longe de espelhar a excelência que os números sugerem. A fórmula praticada neste momento deveria servir para melhorar a qualidade do jogo, mas ela me deixa cada vez mais convencido de que andamos reinando num universo muito distante do jet set. Não por falta de jatinhos.  

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Me dá um dinheiro aí

A mobilização dos corintianos para pagar a dívida do estádio do time é um caso a ser estudado. O protocolo de intenções foi assinado na última sexta-feira.​ Confesso pra vocês que duvidei que a ideia fosse vingar. Não pela disposição dos fieis em ajudar, mas pela complexidade da operação. Não me passou pela cabeça que uma instituição pública como a Caixa fosse aceitar se envolver com tão singular operação. Mas o desenrolar dos fatos vai me jogando na cara que não deveria duvidar. Afinal, o banco já tinha aceitado entrar no negócio do estádio, cuja arquitetura jurídica desde sempre soou surreal. Mas pensando bem a Gaviões deve gozar de um histórico como pagador que põe no bolso a maioria absoluta dos clubes brasileiros. E ao longo da história já se mostrou capaz de grandes mobilizações. 

Espero que o jornalismo elucide, ainda que por tabela, os bastidores da ideia, suas minúcias. Seria muito salutar para a legitimidade da empreitada que tivesse nascido de maneira espontânea. Mas a estreita relação entre organizadas e clubes me faz crer mais em um trama do que num arroubo de paixão. O que lhe emprestaria legitimidade. E ao ser criada neste momento em que a estrondosa dívida corintiana tem andado na ordem do dia ela ganha um quê de salvadora. Mudará um pouco o foco. Ajudará a acobertar o contra indicado modus operandi dos dirigentes que seguem gastando como se os cofres estivessem cheios e a dívida ameaçadora não passasse de intriga de adversários e opositores. 

Sou do tipo que não daria um centavo para aliviar a barra de cartolas. Mas tenho curiosidade pelo andamento e pelos argumentos que as doações irão revelar.  Ainda que muitos dos doadores, sem dinheiro para bancar a mensalidade de um plano de sócio, sigam alijados das arquibancadas da custosa Arena. A imensa maioria verá no ato de entregar a bufunfa uma prova de paixão. E é uma possibilidade já que ela nunca fez questão de andar de mãos dadas com a razão.  Só acho que isso tudo não deve ser entregue assim, para usar um termo tão antigo quanto vaquinha, de mão beijada. Os corintianos que vão colocar a mão no bolso deveriam exigir que a Gaviões se tornasse credora do clube. E futuras quitações deveriam servir para obras sociais. Seria um modo de engrandecer a torcida que ao longo da história tem se envolvido com boas causas. Outras nem tanto, é fato. 

Estou longe de ser um especialistas no assunto, mas deve existir um modo, se não esse de nominar a Gaviões como credora, de fazer com que a doação não se encerre nela. Que se exija uma contrapartida. Não consigo entender de outra maneira. A moda pode pegar, vai saber. E daria aos clubes uma margem de manobra que embora soe inventiva num primeiro momento pode vir a ser danosa. Nossos dirigentes estão longe de ser uma categoria que anda precisando de ajuda. Tudo o que eles não andam merecendo é ter moleza. O termo vaquinha traz com ele algo de sútil. Imagine se neste momento se falasse em arrecadação. Essa outra palavra possível que suscita tantas coisas. Fisco, entre elas. E se defendi aqui essas posições é porque desde meu tempo de moleque uma vaquinha ou ajudava a todos, ou ajudaria alguém que andava merecendo. E esse não é o caso dos nossos cartolas, insisto. Imagino que a essa hora  alguns deles silenciosamente andam esfregando as mãos e lembrando daquela velha marchinha de carnaval que diz: me dá um dinheiro aí.  

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Um provocador barato



Entre tantas constatações a que o futebol nos tem levado aquela que diz que o jogo anda chato costuma soar insistente. Mas é interessante notar que quando alguém vem com essa muitas vezes não quer colocar no divã o jogo. Quase sempre o comentário diz respeito aos que o praticam. Há por trás de tal colocação a saudade de certos personagens que com seu jeitão acabavam por emprestar alguma graça ao futebol. Foi-se o tempo em que artilheiros usavam os microfones dos repórteres para fazer apostas antes de um clássico e tal.  Sou capaz até de afirmar que foi com essa tática que muito jogador meia boca ao longo da história se fez notar e garantiu um lugar de destaque nela sem que a habilidade com a bola lhe fosse realmente fina. 

Nesse universo tivemos um fora de série, Dadá Maravilha, cujo virtuosismo retórico dispensava coadjuvantes ou desafiados tamanha era a capacidade dele para se autodefinir e se promover que não tenho medo de lhe apontar como exemplo mor dessa arte. Tipos eram muitos. Mesmo Renato Portaluppi, hoje treinador do Grêmio, quando jogador integrou esse time. Mas com um discurso cuja receita não disfarçava uma dose alta de malandragem e vaidade. Esse vazio mostra bem a pobreza do futebol já que até de personagens falastrões andamos carentes. E se aqui faço uma ode aos que deram notória contribuição para tornar menos chato o jogo aproveito pra dizer que tiro o chapéu para os que foram capazes de colocar na fórmula os adversários a tornando mais humana. 

Deyverson, o Deyvinho, que hoje veste a camisa do Atlético e virou notícia na vitória do time mineiro sobre o Grêmio dias atrás há tempos tenta um lugar no panteão dos folclóricos. Perguntado sobre o fuzuê que encenou com os adversários se defendeu dizendo que era assumidamente um provocador e que não teria como mudar de estilo. Foi acusado de querer crescer pra cima de um jovem lateral que iniciava pela primeira vez uma partida como titular. E, se assim foi, o ato se vestiu mais da velha malandragem do quede estilo. É fato que não tivesse Deyvinho vira e mexe marcado gols importantes seu viés presepeiro já estaria escancarado. Mas Deyvinho não é exatamente o cara do sarro saudável, do tipo que chama para cena um adversário. 

Não custa lembrar que muitos dos desafios que jogadores de outros tempos encaravam tinham até uma pegada social pois a moeda cansou de ser doação de cestas básicas. Confesso que considero Deyvinho figura simpática mas a provocação dele redunda em desserviço para o futebol brasileiro onde encenações grotescas só engrossam a chatice do jogo.  Já entrou para a história o lance na final da Libertadores diante do Flamengo em que Deyverson se atira ao chão, simulando dores lancinantes, sem se dar conta de que o leve toque que tinha recebido nas costas havia sido dado pelo juiz da partida. Um caso explícito em que um gol importante acabou - sem que se notasse - lhe servindo de atenuante. De outra forma justificaria o veredicto de que tem mais vocação para a comédia do que para o futebol.  Além do mais, até hoje o único provocador verdadeiramente elogiável que conheci atendia pelo nome de Antônio Abujamra. Que aliás, me disse mais de uma vez que tinha jogado no Internacional e, creiam, mandado para reserva o lateral Oreco, por sua vez reserva de Nilton Santos na Copa de 58. Se liga, Deyvinho! 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A Seleção e o Santos



Hoje à noite a Seleção Brasileira estará em campo. Terá pela frente o vice lanterna das Eliminatórias, o Chile. Em outros tempos tal encontro talvez não despertasse maior preocupação, mas esse tempo passou. E como o embate se dará na capital chilena não foi incomum nas últimas horas dar de cara na crônica esportiva com prognósticos que pedem cautela. Que falam em jogo complicado. E não dá pra dizer que sejam comentários descabidos. Mesmo porque neste momento o honrado escrete nacional repousa na quinta colocação com o mesmo número de pontos da Venezuela. Mas a Venezuela, atentem, pode até dizer que anda fazendo boa campanha. A ver como se sai hoje diante da Argentina. 

Tudo depende do ponto de vista. Nos jogos anteriores o Brasil venceu o Equador, que está acima. Mas perdeu para o Paraguai, que está abaixo. Não é de hoje que a Seleção vem encolhendo treinadores, se é que me entendem. Dorival que se cuide porque, no popular, essa é uma Data Fifa pra sair da lama. Afinal, depois do vice lanterna teremos direito a um encontro com o lanterna Peru, que a depender dos resultados poderia sair dessa condição mas para isso amanhã teria de, pelo menos, vencer o Uruguai. A situação é tão esquisita que por mais que o torcedor se mostre descontente a cada convocação é difícil imaginar que os nomes mudem radicalmente. Boa parte dos que já deram a cara deve permanecer, mesmo com idas e vindas, até a próxima Copa do Mundo. 

E se tem uma coisa muito clara na minha opinião é que a Seleção não está dando liga. Há quem diga que não temos jogadores fora de série, não deixa de ser verdade, mas estou convencido de que com o que temos - e com alguma dose de magia - seria possível ir além. Quem sabe até resgatar um quinhão do respeito e da simpatia da nossa maltrata torcida. E por falar no humor da torcida, a do Santos deu outra azedada neste começo de semana. A euforia de um jogo que poderia levar o Peixe de volta à liderança da Série B desaguou em derrota para o Goiás. E já faz tempo a relação dos torcedores com o treinador santista tem sido uma questão. 

Carille visivelmente não vem aliviando. A torcida também não. Mas nunca repensar essa relação se fez tão necessário. E urgente! No sábado, quando o Santos voltar à Vila Belmiro para receber o Mirassol, candidatíssimo a uma das vagas, nada será mais sábio do que apoiar o time.  E que já preparem os ânimos porque será inocência esperar um time de encher o solhos. No máximo um time fazendo uma apresentação acima da média parece plausível. E Carille, que andou dizendo que o clima que encontra nas ruas é diferente daquele que tem sentido nas arquibancadas precisa perceber o óbvio: não são os que ficam pela rua que se encarregam de dar o tom no estádio. 

Ah, e que o comandante santista tenha a sensibilidade de perceber que nessa reta final de campeonato voltar a não dar as caras em uma coletiva pós-jogo seria algo muito inadequado.  Maus exemplos nesse sentido andam fartos por aí. E certas reponsabilidades são intransferíveis. É absolutamente compreensível que, do alto de toda experiência que adquiriu, Carille não queira mais engolir sapos ou fazer média. Que se mostre muito seguro a respeito do que pensa e faz. Mas flertar com a antipatia jamais será boa tática. E, além do mais, voltar à elite do futebol brasileiro é algo que parece encaminhado, jamais garantido. 

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Quando a grana vira ameaça



Semana passada encerrei minha "pensata" neste espaço dizendo que não faria juízo daqueles que acompanham futebol e torcem o nariz quando alguém coloca no meio da conversa sobre o jogo de bola questões que dão a impressão de que cairiam melhor no caderno de economia. Mas é fato que a grana que anda circulando por aqui de tão vultosa rende cada vez mais manchetes de ares contábeis. Não que a abordagem não se justifique, pelo contrário. Talvez fosse o caso, inclusive, de usar os atributos do jornalismo investigativo - tão em desuso por aqui - para elucidar de onde brotam exatamente tão abundantes cifras. Pra quem passou ao largo de todas as manchetes desse tipo trago alguns dados. 

No início deste ano os vinte times da Série A, pela primeira vez desde a criação da janela de transferências em 2022, ultrapassaram a barreira do bilhão de reais gasto. Barreira que voltou a ser batida no início deste mês com o encerramento da segunda janela. Esses números parrudos, segundo relatório da FIFA, fizeram o Brasil figurar entre os dez países que mais gastaram no planeta. Não sei porque, mas resisto a dizer investiram. Espelhado nisso está um crescimento vertiginoso, mesmo se compararmos a primeira janela do ano passado com a deste, quando o salto  foi de setecentos milhões para um bilhão e cem milhões. No caso da segunda, notem bem,  o valor saltou de trezentos e vinte e nove milhões para um bilhão e vinte milhões. Num olhar distraído, tudo seria devidamente justificado pelos investimentos que vieram com as SAFs. Ainda que entre os quatro clubes que mais contribuíram para esta soma apenas dois estejam nessa condição. A saber,  Botafogo, Cruzeiro, Flamengo e Palmeiras. 

De onde veio boa parte da bufunfa, então, é questão que segue em aberto. Tenho palpites. Mas seria muito bom que a qualidade técnica crescesse na mesma proporção. Nosso futebol anda carente desse brilho. Já houve momento que tendo dado de cara com o triunfo de um time desses tidos como de menor expressão acabei secretamente enaltecendo a conquista também por ser um bom exemplo de que o dinheiro ainda não determinava tudo em matéria de futebol. E sou levado a crer que momentos assim virão a ser cada vez mais raros. Pode-se duvidar de muita coisa nesse mundo, há quem duvide inclusive de que a terra seja redonda, mas duvidar da soberania do dinheiro exige um outro desajuste. 

Agora, o que me preocupa é esse risco insano ao qual esse disparate econômico expõe, em especial, os torcedores dos endinheirados. Mas não só a eles e sim  todos os que gostam de falar de futebol, de tentar desvendá-lo. Não estando imunes nesse caso também os que fazem disso um ofício, os que desse modo ganham a vida. Porque diante desse abismo entre os clubes a beleza da vitória de um time rico poderá se ver reduzida a obrigação. E mesmo a vitória do pequeno, do modesto, ainda mais rara do que sempre foi correrá o risco de ser interpretada como incompetência de quem se fez favorito, menos pelo futebol que apresenta, e mais por aquilo que gastou, que representa. Sendo mais explícito, imagine ao que isso tudo nos deixou exposto. Algo como termos os argumentos no meio de um calorosa resenha friamente refutados porque, afinal de contas, seu time gastou uma fortuna e tinha a obrigação de vencer. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Da glória ao caos



Dizem que o mundo funciona graças a um mecanismo não desvendado que acaba por ordenar tudo. Sei, dito assim soa simplista. Mas é bem possível que você já tenha ouvido por aí teorias nessa linha. Sou capaz de aceitar esse tipo de pensamento mas tenho dificuldade em colocar o futebol nesse caldeirão. O que parece reinar nele é o mais absoluto caos. Vejam o caso do Corinthians. No início da temporada viveu momentos terríveis, como aquele em que emendou cinco derrotas seguidas no Campeonato Paulista algo que só tinha sido visto no ano em que o time acabou rebaixado no Brasileiro. Seria um alerta. Bem possível. O rebaixamento segue sendo uma ameaça considerável este ano. 

Mas em matéria de futebol há o caminho das Copas, que costuma borrar um pouco o que se pensa a respeito de um time. Entendidos dirão que não é bem assim. Que me digam, então, qual seria a medida para analisar um time que, não sendo rebaixado, se faça campeão em uma dessas Copas. Suponhamos que o time do Parque São Jorge, que aprontou o que aprontou ontem no Castelão, chegue lá numa delas tendo batido o Flamengo pelo caminho. E se faço do Corinthians um mote não é por outro motivo que  não pelo seu tamanho, pela sua importância nesse universo. Isso tudo muito bem espelhado no fuzuê causado pela contratação do holandês Menphis Depay. 

E como negar que a temporada vá sendo salva por duas dezenas de contratações temerárias do ponto de vista econômico como fazem questão de objetar alguns sem que lhes possamos tirar a razão.  Nunca houve limites para dirigentes quando precisam salvar a própria pele. Mas peguemos outro exemplo, os números que desfilam por aí - nos quais jamais acreditei e nos quais me esforço ao extremo para não me basear - e tente compreendê-los. É impossível. Sugerem lucros que não encontrariam base nem no mais bem sucedido dos papéis bancários. Conseguem se fazer mais abstratos do que já se faz a própria economia. 

Mesmo o que pensamos a respeito do jogo de bola já não parece fazer sentido. O próprio Depay ao ser apresentado falou do nosso futebol como se ele ainda fosse aquele que tínhamos umas três ou quatro décadas atrás. Disse com todas as letras que aqui é a Meca do futebol, que o jogo bonito está em nossas terras. Não fosse pelo desconto dado a alguém que acaba de pousar aqui de paraquedas ou, sendo mais preciso, num jatinho que de tão luxuoso também se fez notícia. Só mesmo um recém chegado afirmaria isso sem acabar acusado de estar curtindo com a nossa cara. Por outro lado, nesse caos instalado, talvez tenha toda razão em dizer que aqui está a meca, afinal, foi onde encontrou rendimentos que já não tiraria agora nem da mais nobre das Ligas do continente europeu. 

Vocês entendem? Tudo parece ao mesmo tempo fazer e não fazer sentido nesse mundo da bola. Os próprios resultados de muitos jogos. Será? E mais, o calendário que faz darmos de cara com um jogo de futebol a cada dia. Os salários estratosféricos. Vaquinha para pagar um estádio que foi obra de uma engenharia econômica e de isenções que nunca se sustentaram. Um VAR que soa como ameaça. Por essas e outras... do amante do jogo que torce o nariz quando inundam a curtição dele com dados contábeis  prefiro nem fazer juízo. Acaba por ser quase instintivo se mostrar descontente quando transformam a diversão de alguém em algo tão complexo e suspeito.    

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O opaco escrete nacional



A impressão que tenho passada a data FIFA é de que definitivamente a Seleção Brasileira só anda nos divertindo na esfera do debate. Com a bola no pé está longe disso. Como montar o escrete nacional é um tema instigante, em tudo quanto é papo de bola que andei frequentando nos últimos dias o assunto se impunha. E é só um entre tantos que a Seleção sugere. Não era pra menos. Retomando as Eliminatórias estacionada em uma vexatória sexta colocação ter de achar um time se fez algo urgente. Se Dorival o achou tenho dúvidas. Mas mês que vem tem mais Seleção, quando visitaremos os chilenos e receberemos os venezuelanos. 

O que dá pra apontar a essa altura é o quanto o discurso do presidente da CBF não fazia sentido algum. Enquanto prometia a chegada do técnico Carlo Ancelotti - que tenho a sensação nunca esteve mais perto do Brasil do que está neste exato momento -  dizia aos quatro ventos que não tinha pressa. Em julho passado anunciou Fernando Diniz e o torcedor talvez já não lembre que mesmo naquele momento continuava insistindo que Ancelotti assumiria o cargo na Copa América e comandaria nossa seleção até a Copa de 2026. O que conseguiu com isso tudo foi consumir um tempo precioso. Gastar parte de um ciclo que já parecia pouco para tarefa que se tinha pra realizar. 

Talvez o torcedor já não lembre também que o presidente da Confederação, ao apresentar Diniz, disse que a escolha se dava, entre outras coisas, porque a proposta dele era quase parecida com a do famoso treinador que estava a caminho. E aí é preciso reconhecer que esse quase parecida é que pegou. Não em um primeiro momento. Pois o começo de Diniz com o escrete nacional em nada pareceu com a realidade que não tardaria a se instalar. O debute com goleada sobre a Bolívia - é teve isso - foi interpretado por jornais mundo afora com tinta forte. 

O Diário AS, da Espanha sentenciou: show histórico de Neymar.  Ele tinha feito dois gols e ultrapassado a marca de Pelé em jogos oficiais com a seleção. Como se fosse possível estar acima de Pelé. O segundo capítulo também teve triunfo mas já deu pistas mais robustas do que viria. A vitória sobre o Peru, que mais tarde se acomodaria na lanterna das Eliminatórias veio com um gol solitário do zagueiro Marquinhos no penúltimo minuto do tempo regulamentar. Enfim, ainda vivemos mais um empate com a Venezuela, em casa, para em seguida desaguar na série de três derrotas seguidas para Uruguai, Colômbia e Argentina. Histórico que Dorival teve sobre as costas ao debutar diante do Equador na sexta passada e que faria qualquer treinador pensar duas vezes antes de escolher suas cartas. Coisa que, como abri dizendo, o torcedor fazia insistentemente. Afinal, a responsabilidade era do Dorival mas o interesse de muitos além dele. 

Dorival, assim como Diniz, venceu com direito a elogios o primeiro jogo no comando da Seleção. Não era uma partida de Eliminatória mas era contra uma seleção dita de primeira linha. Como Diniz, chegou lá num momento em que seu trabalho se destacava. Como Diniz, dá impressão de ir ficando menor investido do cargo. Daí a levar a seleção aos lugares que ela já frequentou vai chão. Mas talvez já tenha uma grande obra realizada se fizer o torcedor brasileiro voltar a se divertir minimamente com a seleção com a bola rolando. O que, convenhamos, é infinitamente mais difícil do que ganhar da Inglaterra. E não foi o caso nem contra o Equador, muito menos contra o Paraguai.  

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Nada será como antes

Foto: Ricardo Duarte/Inter Divulgação


Há coisas que vão aos poucos transformando o futebol brasileiro e que na minha modesta opinião passam ao largo do debate esportivo. Uma delas é essa invasão de treinadores e mais ainda, pelo volume, a de jogadores estrangeiros. Não tenho dúvida de que isso irá mudar radicalmente a cara do futebol brasileiro. Vai nisso eu sei um traço de romantismo porque essa coisa do jeito de jogar remete a um tempo em que ninguém ousava contestar que tínhamos evidentemente um jeito só nosso de fazer a coisa. E sei que é preciso admitir que essa transformação já se dava bem antes dessa liberação no número de estrangeiros que podem ser utilizados por partida. Mas há uma distinção aí, uma ruptura muito visível que as mudanças recentes decretam. 

Ao longo das últimas décadas essa mudança vinha se dando em outra instância, na maneira de pensar o jogo. Fomos aceitando teorias e as implementando a nosso modo, mas os executores ainda eram majoritariamente formados nos nossos campos. Importante destacar aqui que não estou dizendo que isso irá piorar o futebol brasileiro. Tudo nos leva a crer que muito pelo contrário. Mesmo porque as alterações permitem que nossos clubes tirem proveito, como nunca, da supremacia econômica de que desfrutam em nosso continente. A questão que me provoca é: no que resultará essa transformação? Passaremos a ter um futebol mais físico, mais no estilo argentino, já que boa parte dos que chegam vêm de lá?  Não tenho respostas. Mas negar que isso tudo não terá efeitos colaterais é o que considero difícil de aceitar. 

E sou levado a crer que o torcedor em geral nem tenha conseguido acompanhar o ritmo do que anda se passando e venha a ficar surpreso ao ler nestas linhas agora que neste momento os times brasileiros podem ter até nove estrangeiros por partida. Nove. Não se espante. Até dois mil e treze eram permitidos apenas três estrangeiros por partida. No ano seguinte, exatamente uma década atrás, passaram as ser cinco.  Essa limitação vigorou até o ano passado quando os clubes da Série A aprovaram por unanimidade o aumento de cinco para sete estrangeiros relacionados por partida. Mas em março deste ano veio nova mudança e de sete passamos aos atuais nove estrangeiros permitidos. E novamente com o mudança aprovada por unanimidade.

 Outro detalhe que considero pouco analisado é como as alterações no calendário da Conmebol acabaram por alterar substancialmente o modo como nossos principais clubes encaram o Brasileirão. Como todos sabem desde 2017 os torneios continentais foram esticados e passaram a tomar também o segundo semestre com suas finais sendo disputadas no final da temporada. O resultado disso foi que os altos prêmios e o apelo dos jogos eliminatórios criaram veladamente para o principal torneio do nosso país uma concorrência que ele não tinha. Não da forma que aí está ao menos. Por mais que antes dessas mudanças tenhamos visto campeões da Libertadores acusados de abrir mão do Brasileirão atualmente a história é outra. Naqueles tempos a escolha se resumia , em geral, ao campeão da América que passava logo a pensar em conquistar o mundo. Já nos dias de hoje, diante dos altos prêmios e do caminho mais curto pra alguns, passou a ser uma escolha de muitos. E que o torcedor aceita seduzido pela emoção dos jogos eliminatórios que sempre fizeram as Copas ter tanto apelo.   

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Esporte e superação



Existe um ponto em que todos os esportes se encontram e não falo das vitórias, falo das histórias de superação. E nesse quesito o desporto paraolímpico se faz a expressão máxima. O esporte desde sempre emprestou algo de épico aos homens. Deu às suas histórias pessoais uma outra dimensão. No momento em que a Paraolimpíada chega e vamos deixando para trás mais uma edição dos jogos olímpicos isso parece ficar muito claro. Sem contar a virtude que uma Olímpiada sempre teve, em especial entre nós, que é a de nos fazer olhar com atenção para outras modalidades, quebrando brevemente o monopólio do futebol. Uma hegemonia que, não seria injusto dizer, talvez ajude a explicar o nosso desempenho que sempre soa muito aquém do tamanho que temos como nação. Paradigma que o desporto paraolímpico desafia, aliás. Mas quando digo ajudar a explicar não significa ser culpado, longe disso. 

Quem viu dias atrás a apresentação do atacante Talles Magno, recém contratado pelo Corinthians pôde ter uma ótima noção do papel social que o futebol exerce. É fato que provavelmente não em toda a sua plenitude. Magno não conseguiu segurar as lágrimas ao lembrar da infância sofrida. E enquanto elas lhe escorriam na face, recordou que ao chegar no Vasco da Gama, aos seis anos de idade, lá teve a oportunidade de estudar e, vejam vocês, de ter todas as refeições do dia. Poder comer de manhã, de tarde e de noite. Palavras que só tornam mais evidente a incapacidade, a ausência do nosso Estado. Não que histórias como as de Talles Magno, sejam novidade no que diz respeito ao amparo e ao desamparo. 

Mas acima de tudo me tocou ver que aquele choro - que ia se mostrando incontrolável - só foi contido quando a mãe dele - que acompanhava tudo de perto - subiu ao lugar em que Magno estava, lhe abraçou, e passou a lhe secar as lágrimas do rosto. A partir daí, bastou uma breve fração de tempo para que o atacante de vinte e dois conseguisse retomar a palavra e concluir o depoimento sobre a infância sofrida que precisou atravessar. Por isso tudo é tão sério que se cobre sempre as contrapartidas sociais dos clubes, que estão amparadas em leis. É por isso que precisamos, enquanto nação, de um Plano Nacional de Esporte. No vivido por Talles Magno ali no momento de ser apresentado eu vi, muito claro, esse ponto onde todos os esportes se encontram. 

Lembrei das palavras ditas dias antes pela ginasta Rebeca Andrade, que fez questão de lembrar que em dado momento estava disposta a desistir e que naquele momento ouviu a mãe lhe dizer que, tudo bem, ela poderia desistir mas não sem antes tentar de novo. E dessa superação nasceu a mulher que neste momento ocupa o mais nobre lugar do nosso panteão olímpico. E são tantas as histórias, são tantos os dramas a que as grandes conquistas vão dando luz que gostaria de crer que se trata do elemento que faz funcionar toda essa alquimia. Mas seria uma crença perigosa porque esconderia o inegável. Esconderia que dar educação, dar oportunidades, fazer com que o esporte seja realmente uma possibilidade na vida de uma criança, sempre foi a mais eficaz das receitas. Sem esquecer, claro, do papel da família, da mãe, tão evidente nessas duas histórias que usei para costurar estas linhas. No mais, o futebol está aí com todo o seu apelo, com a temporada se afunilando. Voltou a ser o dono da cena. Que bom que o temos, forte, reinando no continente. Que ele nos dê tudo o que pode, mas que a gente não esqueça que é preciso exigir sempre mais. 

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O futuro do Santos

Raphael Silvestre/Guarani FC


O torcedor santista não deve ler estas linhas com o incômodo da pulga que lhe foi posta atrás da orelha ao testemunhar o Santos perder pela primeira vez na Vila Belmiro nessa também incômoda Série B. Nem se deixar levar pelas impressões do encontro com o lanterna Guarani na noite de ontem. Em linhas gerais o desafio de levar o time de volta à elite do futebol brasileiro tem se dado dentro de certa normalidade. O longo caminho desde sempre sugeriu altos e baixos. E é como a coisa tem se desenhado. O torcedor do Peixe já foi do entusiasmo de uma largada que fez os mais entusiastas acreditarem num título invicto até um jejum de vitórias que fez os mais pessimistas puxarem os cabelos. Donde se conclui que o Santos segue no páreo. Mas está longe de ser uma maravilha. 

Vivendo uma realidade em que a quarta colocação soará inevitavelmente como triunfo é possível chegar à conclusão de que será uma possibilidade, sem  dúvida, se contentar com pouco. Uma vez que o pouco virá muito bem embalado no papel de seda do acesso. E é normal que contente uns, outros não. Que alguns aceitem que no momento em que se fala de reconstrução essa volta à primeira divisão se faz o mais importante dos passos. Mas escrevo tudo isso instigado pela declaração dada pelo Presidente do clube dias atrás quando ao ser perguntado sobre as SAFs respondeu dizendo que o clube está trabalhando para isso. Já escrevi em outra oportunidade que o que considero mais leal com o clube neste momento é justamente nem levar em conta essa possibilidade. Ao menos enquanto a realidade do clube deixar transparecer certa fragilidade. E digo isso, como já disse outras vezes, por considerar que jamais haverá negócio bom para todas as partes envolvidas enquanto uma delas estiver claramente enfraquecida. 

Quero crer que esse trabalho citado seja de longo prazo e a direção do clube esteja levando em conta alcançar uma posição privilegiada para, se for o caso, negociar.  E nisso creio por entender que o atual presidente santista é conhecedor dos meandros e armadilhas que o mundo do futebol costuma esconder.  Mas há, especialmente nesta temporada, um outro detalhe que anda dando uma aura de remédio infalível às recém criadas Sociedades Anônimas de Futebol que é o momento especial que o Botafogo passou a desenhar depois da chegada do falastrão John Textor, que esta semana teve a trajetória dele como homem de negócios muito bem descrita em reportagem do jornalista Lúcio de Castro. Reportagem que revelou como a trajetória de Textor se fez com um misto de falências, relações estreitas com magnatas russos e acusações de pirâmides financeiras. 

O dinheiro empenhado tem sido tamanho que fez o mandatário do mais endinheirado clube do nosso país apontar a ausência do fair play em terras tupiniquins no afã de explicar o sucesso do adversário que jogando em casa, diga-se, tinha acabado de lhe atropelar. Mas se o time da estrela solitária  que não parecia passar de um azarão na temporada passada e nesta se fez um time de respeito -e ainda por cima cheio da grana - pode ficar fácil convencer o torcedor de que esse talvez venha a ser o melhor caminho. Ocorre que a história recente mostra que até agora nenhum desses magnatas ousou comprar um time brasileiro, como dizem por aí, que estivesse bem das pernas. E é nessa condição que o torcedor santista deve querer ver o Santos. Aí, quem sabe, seja possível no futuro pensar em fazer um bom negócio. 

quinta-feira, 20 de junho de 2024

As Copas e a América



Dizer que a Seleção Brasileira está longe de ter o apelo que teve um dia é chover no molhado. As resenhas cansam de elaborar teorias a respeito. Motivos são muitos. E o mais apontado entre eles é o distanciamento que se deu entre os jogadores e a torcida. Há nessa receita muitos ingredientes e, na minha modesta opinião, um deles influi diretamente no ânimo dos jogadores: foi-se o tempo em que um triunfo com a Seleção era notoriamente o ponto alto da carreira de um atleta. Atualmente só a Copa é capaz de se aproximar desse significado. Não por acaso quando se fala no assunto hoje em dia sempre aparece alguém fazendo questão de se definir como um torcedor de Copas. Mas veja, não de Copa América, que por sinal começa hoje. Copa do Mundo!!! E mesmo ela já não goza do glamour que teve um dia. Mas resiste. 

Ponto alto pra um boleiro hoje em dia é vencer a Champions League  ou a Premier League. E não lhes tiro a razão. Se o peso das competições mudou ao longo das últimas décadas seria insano pedir que continuassem as encarando com o mesmo ânimo. Talvez isso explique a Seleção Brasileira que temos visto em campo. Dorival  Júnior teve um contexto a favor dele. Logo de cara dois adversários desses sobre os quais um bom resultado diminui consideravelmente a margem para críticas dada a excelência de quem se enfrenta. E o escrete nacional foi bem, ainda que no segundo capítulo diante da Espanha parte do brilho visto diante dos ingleses tenha se escafedido. Depois disso a história andou e diante dos comuns México e EUA o futebol brasileiro voltou a ser mais parecido com o que a gente andava vendo. 

O garoto Endrick que os enredos em campo iam pintando como o talismã de Dorival não virou. O que pode ter sido bom até para o próprio Endrick que não parece disposto a dosar nem um pouco seu jeitão de se achar o tal. Também considero para o time a ausência de Neymar salutar. Como considero para Dorival. Espero vê-lo em campo jogando tudo o que sabe. Mas de tão talentoso e importante que se fez até hoje estou pra ver um treinador lidar com Neymar de acordo com o futebol que ele tem para oferecer no momento. E não tenho razões para acreditar que com Dorival seria diferente. Não podendo contar com ele será inevitável pensar em outras alternativas. E sem Neymar em campo a dinâmica de jogo da Seleção se altera. Pois se os treinadores são incapazes de lhe negar a vaga de titular os companheiros muitas vezes são incapazes de lhe negar a bola.  O que por outro lado só evidencia a  importância que lhe cerca. 

E, além do mais, um planejamento a longo prazo precisará levar em consideração já não ter como contar com Neymar. Diante dessa incerteza sobre o que ainda pode o nosso futebol e essa profunda mutação dos torneios e seu poder de sedução é bem provável que venhamos a ficar cara a cara com um sentimento que nos cerca há algum tempo: o de não saber ao certo a estatura de certas conquistas. Vencer a Copa América poderá soar como algo que não nos tenha colocado um passo sequer mais perto daquelas que são vistas hoje realmente como as grandes Seleções do mundo. Talvez um embate daqueles com a Argentina, atual campeã do mundo, nos envaideça mais do que o próprio título. A Colômbia antes disso é possível que nos crie algum temor. Mas tudo isso só irá nos mostrar que a Seleção Brasileira já não é o que foi. Mas nem as Copas o são.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

A realidade que consome reinados



Esta era de Sociedades Anônimas de Futebol, as tais SAFs, que andam aí a frequentar manchetes mostra que as aparências enganam. Em geral, nascem de grandes fortunas convencidas de que o futebol pode ser um bom investimento. Cria-se neste ponto um primeiro distanciamento com o torcedor. Tendo o clube um dono será fatal que em algum momento o interesse dele deixe de comungar com o de quem torce. E quem torce não está livre de descobrir tempos depois que este não é um caminho capaz de livrar alguém da bancarrota. Um olhar mais apurado sobre o futebol espanhol é capaz de deixar isso claro. E mais, pode servir de aviso aos nossos clubes que andam tomando os caminhos que estão aí. 

Em 2021 dirigentes e clubes da Liga espanhola se reuniram para assinar o acordo que seria feito com um fundo. Mas Real Madrid, Barcelona e outros dois clubes pularam fora. O resultado dessa decisão foi a exclusão deles do socorro financeiro de mais de dezesseis bilhões de reais injetados pelo fundo de Luxemburgo em troca de dez por cento das ações da Liga. Por outro lado não ficaram sem os dez por cento de seus direitos de TV pelos próximos cinquenta anos. Mas isso é apenas um recorte da história que depois teve outros desdobramentos. E se o resgato é para mostrar que nem SAFs, nem Ligas estão livres de acabarem vitimadas pela má administração, ou por interesses outros.  Ouso sonhar que bem administrados os clubes por si seriam viáveis. E é a este ponto que quero chegar. 

Durante todo o tempo que acompanho futebol ficou muito claro que é possível alcançar grandes resultados usando métodos temerários, longe de serem ideais. Mas o óbvio é que mesmo projetos que pareciam perfeitos, ou quase, com o tempo se desmancham. São muitos os exemplos vistos nos últimos anos. Chega-se à glória para, tempos depois, voltar ao caos. Desde a última sexta o Corinthians se fez, ainda mais, um notório exemplo disso. Há pouco mais de uma década vivia seu apogeu, ao menos no que diz respeito a conquistas. E parecia sólido para encarar o futuro. Hoje tudo mudou e, se em campo as Copas ainda permitem ao torcedor alvinegro sonhar com dias desses em que é possível sair por aí tirando onda dos rivais, o Brasileirão aos fiéis torcedores tem outra face, revelando um time que se distanciou da elite, ainda que nos últimos dez anos tenha terminado como campeão em duas ocasiões.  

Lembranças que não por acaso lhes voltam opacas por causa do descalabro administrativo que se instalou no clube. A ponto de aquele que foi anunciado como o maior patrocínio "master" da história do futebol brasileiro ter virado caso de polícia. E na esteira disso tenha sido vista uma debandada imensa de dirigentes. Difícil saber quais são as forças que agem verdadeiramente sobre um time como o Corinthians. Não descarto a possibilidade de que em campo seja capaz de extrair algum novo triunfo. E se ele vier certamente servirá , como sempre no futebol, de escudo para os cartolas. Bem intencionados, ou não. Entendo quando o torcedor corintiano torce o nariz para resenhas que miram a administração, essas coisas extra campo. Isso torra a paciência. Mas a qualquer tempo o que o fiel torcedor deve mesmo exigir é que o Corinthians, por seu tamanho, história e importância, tenha o fôlego de um Flamengo destes dias. Sem esquecer jamais que o rubro-negro também é parte dessa realidade que sempre consumiu reinados.  

sexta-feira, 7 de junho de 2024

O abstrato no futebol



Já disse aqui em outras ocasiões que sempre achei muito interessante a capacidade que o futebol tem, ou tinha, de fazer as pessoas comungarem com diversos conceitos que não estão escritos em lugar nenhum. É certo que o mundo se rebuscou um tanto e que já não se vê por aí tantas peladas com os gols marcados , por exemplo, com um par de chinelos. Mas essa é a imagem que eu sempre invoco e volto a lhes dizer a razão. Uma bola rasteira que passe entre eles não deixará dúvida de que se tratou de um gol. Ocorre que o futebol é infinitamente mais complexo do que isso. As bolas , em geral, saem do chão. Traçam linhas cruzadas. De modo que boa parte das vezes, estando num cenário desses, não é coisa fácil dizer o que foi e o que não foi gol. 

Mas é fato também que desde moleque o futebol incutiu no nosso imaginário um jeito de resolver questões dessa natureza que decretava e anulava gols. E as decisões por mais que causassem rebuliço desaguavam num consenso. E esse é o tipo de coisa que as tais orientações recentes trataram de violentar. Quando vieram com essa de decretar que bola na mão dentro da área sempre seria pênalti roubaram do futebol a capacidade que ele tinha de semear em nós esse modo quase instintivo de nos entendermos. Pra embasar essa tese ouso dizer que décadas atrás mesmo os lances mais clamorosamente polêmicos não causavam tanto balbúrdia quanto causam hoje. E os motivos são vários. 

Um deles certamente essa questão de que a maneira de ler o jogo era mais consensual. Some-se a isso o vício estabelecido de esmiuçar os lances atrás de algo que seja passível de contestação. É uma insanidade achar que uma imagem por si irá esclarecer tudo de fato. A quem duvida sugiro lembrar das vezes em que diante de uma delas se viu sem saber ao certo o que pensar a respeito. Aos que não acreditam que pesam sobre o futebol coisas impalpáveis, que pensem no tal do fair play. Tão invocado, tão santificado. Mas que jamais constou das regras do jogo. É um acordo implícito, meio na linha desse que se escondeu desde sempre em nós e ajudou a resolver os bafafás que se davam quando se disputava uma pelada com gols marcados por chinelos de dedo, como diria minha saudosa mãe. 

O futebol propõe questões complexas. Exige levar em conta temas abstratos. Mas ao que parece o andar do jogo vem sendo definido por idiotas da objetividade. Termo que, de tão preciso, vira e mexe faz questão de nos lembrar que continua atual. Pra não dizer renovado. E o futebol é inocente nisso tudo. Ele é só um produto gerado por quem o faz, por quem o interpreta. E os astros que aí estão se estivessem interessados em respeitá-lo não andariam fazendo ceras descaradas, não estariam fingindo contusões, tapas na cara, não estariam cercando árbitros com dedos em riste. 

Diante disso pedir que um adversário se revele um santo porque em determinado lance alguém se viu descaradamente prejudicado é algo que beira a malandragem. E tudo é tão sem pé nem cabeça, vejam vocês, que o árbitro, este senhor que deveria ter o poder de disciplinar os jogadores, fica de mãos atadas porque, afinal, fair play não é algo estabelecido na regra. Enfim, desde sempre pesou sobre o futebol algo que não está escrito em lugar nenhum mas que age sobre o jogo. E é preciso dizer também que houve desde sempre nas peladas de gols marcados com chinelos os espertos que forçavam a barra tentado fazer todo mundo enxergar um gol onde a maioria não via. 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

O futebol é indomável





Às vezes, enquanto o jogo se desenrola me pego tentando achar em campo as tais linhas. E lhes digo sem medo de errar que não são poucos os momentos em que elas desaparecem sem deixar o mínimo vestígio. Os jogadores vão se movendo de acordo com a realidade que se impõe e que pelo visto atropela qualquer ensaio. A ausência delas ali, ordenadas, indo e vindo, me fazem pensar na natureza indomável do futebol que vira e mexe desde os primeiros minutos dissolve esquemas que pareciam infalíveis. Por isso outro dia quando ouvi o técnico Rogério Ceni dizer depois de um jogo do Bahia que todas as ideias em campo eram dele, me pus a coçar a cabeça. Não estranhem. Sou dado desde que me conheço por gente a me entregar a questões que em outras cabeças jamais teriam lugar. 

Talvez com tudo o que ele sabe - porque sabe do jogo bem mais do que eu - venha a me convencer de que isso é realmente possível. Acho difícil. E olha que costumo acreditar em cada coisa que nem te conto.  Mas, carente de explicação, não vejo outra forma de interpretar o que foi dito que não seja como uma frase mal construída. Os mais impiedosos apontariam nela prepotência. Mas não vamos nos dar a futricas. E isso não tem nada a ver com o Bahia que anda dando gosto de ver e, enquanto o Brasileirão hiberna, dorme lá na vice-liderança com os mesmo treze pontos do líder Athlético Paranaense. Se me interessei pelo tema é porque acredito que  em torno dele podem orbitar respostas para o que andamos vendo. 

Não é de hoje que se acusa os treinadores de impor aos elencos um modo de jogar. O que nestes dias que correm não expõe Rogério Ceni porque o time dele está jogando bem, mas dá boas pistas de como ele espera que seus comandados se comportem. É tudo uma questão de retórica. Ceni fatalmente dirá que foi mal compreendido por mim, que acho que ter dito esquema, e não ideias, seria mais apropriado, mais crível. Na ocasião ele exaltava o meio-campista Cauly. Disse, inclusive, que tinha construído o sistema de jogo para o seu camisa 8. Mas eu já havia até esquecido dessa frase como um bom mote quando ouvi a coletiva do técnico Tite depois da vitória sobre o Amazonas pela Copa do Brasil. Jogo em que o rubro-negro mais uma vez esteve longe de brilhar. E aí o tema me voltou revigorado. 

Foi interessante ouvir Tite, justamente dos técnicos mais cobrados por querer impor um esquema ao time, afirmar que não vai dizer pro Arrascaeta o que ele tem de fazer em campo. Que não vai dizer ao Pedro o que ele tem de fazer. E na sequência ainda complementar o raciocínio dizendo que um técnico só estabelece rotas. Talvez fosse algo nessa linha que Rogério Ceni naquele dia já distante queria ter dito. De qualquer modo, continuo achando que o futebol é dono de uma dinâmica que exige dose cavalar de decisões imediatas. Até por isso o improviso sempre lhe caiu muito bem. E considerarei exagerado e despropositado se dia desses um treinador vier dizer  que todas as rotas em campo são estabelecidas por ele. 

E vou além, estar ciente do quanto um treinador pode influir não só no jogo mas na atuação de um atleta pode ter sido a pedra de toque dos bem sucedidos. Vira e mexe ouço alguém elogiar Guardiola por ter achado o lugar exato onde fulano joga melhor. E isso é outra coisa. A grande graça do futebol, mesmo com todos os esquemas, todos os ensaios, todas as linhas, altas ou não, é que quando a bola rola a gente nem faz ideia do que vai ver se dar em campo. O futebol é indomável.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

O VAR deve acabar ?



Não sei o que você pensa sobre o VAR. É fato que aqui entre nós adquiriu maus modos. Chegou querendo mandar no jogo. E isso não é coisa que se faça. Extrapolou muita vezes o que seria seu papel. Talvez porque recebido com pompas, com ares de salvador da pátria. Hoje me dá a impressão muitas vezes de assombrar a diversão do torcedor. E por falar em torcedor. O mundo moderno não é mesmo bolinho, como diria minha avó. Onde já se viu condená-lo a segurar um grito de gol na garganta até que todos os ângulos de um lance garantam que o que se deu em campo foi dentro da lei. Enfim, o Vídeo Assistant Referee, popularmente conhecido como VAR, virou uma grande questão. O nome sugere alguém trajado de autoridade para concluir por vídeo o que foi ou não foi legal enquanto a bola rola. Ocorre que pela gritaria que tem sido ouvida quase toda vez que se revela algum áudio do lugar em que trabalha a decisão que ele aponta tem sido uma mistura de pontos de vista e urgência. Em que triunfa, não necessariamente quem tem o melhor argumento, mas aquele com maior poder de persuasão ou patente. Essa é minha sensação. 

E nessa bagunça não poderia dar certo. Não teria como ter um futuro promissor. Não com esse tipo de comportamento. Ou de companhias, se preferirem. Algumas rodadas atrás testemunhei uma cena em que, depois do que pareceu uma eternidade, se decretou o gol. A essa altura os jogadores já tinham esgotado a capacidade de encher a paciência do juiz, ou de bater boca entre eles. Estavam reunidos em pequenos grupos. E quando veio a grande notícia davam a impressão até de já ter esquecido que algo estava por ser decidido. E daquele marasmo campal veio a explosão do gol. Despertando por tabela o poderio vocal do narrador.  Um negócio esquisito, sabe?

 Já o VAR inglês sabemos, não deve ser por acaso, é um sujeito mais polido que o nosso. Mas ainda assim, vejam só, andou testando os limites da paciência inglesa. Não sei a correria do dia a dia lhes permitiu saber que no próximo dia 06 de junho será votada uma petição feita pelo time do Wolverhampton para encerrar as atividades do VAR na Premier League, torneio tido como modelo para todos os outros campeonatos nacionais mundo afora. Os argumentos são tão polidos quanto os ingleses. Apontam numerosas consequências negativas não intencionais. Tenho duvidas sobre isso. Mas concordo inteiramente quando dizem, entra outras coisas, que o constante discurso do VAR tira o foco da própria partida e mancha a reputação de quem a organiza. 

Por essas e outras sugiro que voltemos à comunhão primal com o jogo de bola. Vamos ver uma pelada. Algum jogo desses em que o homem  vestido de preto, armado de apito, continua sendo um soberano. Testemos nosso olhar, nossa capacidade de atenção. Lembro bem de na minha época de moleque, enquanto íamos descobrindo a emoção de estar em um estádio, dos lamentos tardios de uns e outros que, uma vez na arquibancada, se distraiam. Perdiam o momento do gol enfeitiçados por algum outro detalhe. E na mínima fração de tempo seguinte a que o fato tinha se dado - quase instintivamente - achavam que teriam direito a um replay. As maravilhas tecnológicas desde sempre nos seduziram. Confortos do tipo sempre tiveram um quê de traiçoeiros. Duvidemos da tecnologia. Acreditemos piamente na alma do futebol. Pode ser a salvação !

sexta-feira, 17 de maio de 2024

A fronteira que nos separa



Não é de hoje que tem sido difícil atravessar as fronteiras que separam as tardes das noites nos dias em que o futebol europeu mostra todo o seu esplendor.  O torcedor saberá bem do que quero dizer. Sair de um Real Madrid e Manchester City, ou algo que o valha, e pouco depois dar de cara com um jogo da Copa do Brasil ou mesmo do Brasileirão costuma testar nossa crença no jogo de bola. É um tipo de estimulante às avessas. Não bastasse toda a qualidade com que a grana faz o futebol se vestir ainda há um requinte de enredo que, literalmente, só vendo. E não quero cair naquele lugar comum que define esse abismo com a sentença de que a essa altura no velho continente se pratica um outro esporte. Pode até parecer, mas definitivamente não é. 

Sei que ser assim contundente pode só aumentar essa angústia futebolística que vivemos. Mas creio que há um quê de atitude nisso tudo. E grossura também, que eu não seria inocente de afirmar o contrário. Muitas vezes olho um jogo nosso, como aconteceu ainda outro dia, e a impressão que tenho é a de que hoje em dia certos jogadores cumprem os noventa minutos de uma partida com o ânimo de um burocrata. A mínima vantagem é muitas vezes suficiente para que a vontade de um novo gol vire fumaça. E a partir daí toda a opacidade é só consequência. E por falar em impressões. Quero registrar aqui que ao largo de todos os resultados que o São Paulo vem alcançando depois da chegada do técnico Luís Zubeldía há algo de novo na aura que cerca o time. Na maneira de comemorar cada gol. 

Em outras palavras há uma vibração ali que não existia. E talvez ela seja fruto da confiança que Tite sugere que no Flamengo andou minguando. Pensando nas duas coisas seria o caso de perguntar, alimentando aquele velho dilema que  cerca o frescor das bolachas, se alguém fica confiante porque ganha ou se ganha porque está confiante. O futebol sugere que a confiança  é dependente da vitória. Tenho minhas dúvidas. Acho que a confiança pode se alimentar de muita coisa.  E o futebol é intrigante, nos dribla. E digo isso por que até agora não me sai da cabeça uma das cenas que vi justamente num grande duelo do futebol europeu. Foi no jogo em que o poderoso Real Madrid garantiu mais uma vez vaga na final do principal torneio de clubes do mundo ao eliminar o Bayer de Munique.  

Era uma imagem recuperada do momento em que o time madridista, dono da casa, marca o gol da virada. Aquele que lhe daria a classificação. O quadro da imagem mostra ao fundo a explosão da torcida nas arquibancadas e em primeiro plano, de corpo inteiro, vestindo um terno bem cortado  o técnico do time espanhol, Carlo Ancelotti. E ele vê tudo impassível. Não mexe minimamente um braço. Não altera o semblante. Permanece imóvel com as mãos no bolso, ou os braços cruzados, já não estou certo. Mas impassível. Um sorriso, nada. Ao ver aquilo eu, que sempre me achei um cara pra lá de frio para ver jogos de futebol, custei a acreditar. E me peguei pensando que se conseguisse aquele nível de abstração não sofreria tanto para atravessar aqui por estas bandas as fronteiras que separam as tardes das noites nos dias em que o futebol europeu mostra todo o seu esplendor. 

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Nem tudo passa



Tenho nostalgia das minhas memórias inventadas. Fui desde sempre um apaixonado por história. E por incrível que pareça quanto mais velho fico mais acho que ela é mesmo uma ficção. Se o que fica são as versões, que seja. Mas gosto de desafia-las. E pensando nisso toda vez que estive trabalhando com pesquisas históricas tentei ser o mais fiel possível aos fatos. E o fiz como alguém que tem na mente a certeza de que tudo que estava ali poderia não passar de um drible, de uma versão que colou. No mínimo é preciso crer que por trás das versões que vingaram está alguma virtude, talvez a de se aproximar o máximo possível daquilo que costumamos chamar de verdade. Por isso quando outro dia o presidente do Flamengo afirmou com todas as letras que Zico vai passar minha espinha gelou. 

Entendo, lidar  com as complexidades de ter de administrar a volta de Gabigol decretada por um efeito suspensivo é dessas coisas que fazem qualquer zagueiro se enrolar com a bola. Mas Zico, o lendário camisa 10 da Gávea, foi  esperto e no conforto de quem sabe muito bem que há tempos foi acolhido pela história tirou onda e mandou pra rede. A rede digital, digo. Fez uma postagem em que as palavras pareciam sorrir com escárnio. Escreveu o senhor Artur Antunes Coimbra: eu ouvia, vai passar, vai passar, e acabei passando por todo mundo e fazendo mais um pro Fla. E aí eu lhes pergunto: esse Senhor Landim, jogou onde? Conheço, de a história guardar, um certo Sr Gradim, isso sim. Companheiro de Leônidas no Bonsucesso. Atacante que, aliás, teve curta passagem pelo Flamengo mas que fez dele o autor do primeiro gol do rubro-negro fora do Brasil. Foi num amistoso contra o Peñarol, no Estádio Centenário, em Montevidéu. 

Compreendo que dirigentes se sintam importantes. Não nego que sejam. Mas se um dia entrarem para a história terá sido por outra porta. Mas pra isso terão de ganhar a envergadura de um Vicente Matheus, de um Castor de Andrade ou de um Eurico Miranda, com tudo o que isso guarda de enaltecedor, ou não. Se o mandatário acredita mesmo que uma hora Zico vai passar sugiro a ele que espere sentado. E já que é íntimo das coisas que costumam se desenrolar longe dos olhos da torcida, envolvido em grandes decisões administrativas, não deverá se surpreender se num futuro nem tão distante, de repente, ao olhar pela janela ou ao pousar os olhos em uma notícia qualquer se der conta de que quem passou foi ele. 

E que Zico, o Galinho de Quintino, segue aí amparado por essa alquimia incontrolável que costuma derramar sobre os homens um quê de eternidade. Landim deve ter lá seus ídolos. Pode ter se arrependido da frase mal empregada. Impossível que não perceba que Reinaldo, aquele rebelde atleticano, não passou. Que Pelé mais do que todos, e que já não está entre nós, segue aí também. Jamais vai passar. E que mesmo o rubro-negro Zizinho, que eu citei aqui outro dia e que foi um antecessor do Rei, se olharmos bem pela lente da história não passou. Que Tostão, Rivellino e Gérson, entre tantos outros, não passaram. E jamais vão passar porque visto por esse prisma da história nem tudo passa. E, acima de tudo, será sempre de uma deselegância extrema sugerir que um dia passarão.