quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O futuro nos dirá



Desconfio que apesar de tudo o que vimos rolar no gramado do Maracanã e no quase céu boliviano, onde fica o estádio de El Alto, o sentimento do torcedor com relação à Seleção Brasileira não sofreu grandes alterações nessa reta final das Eliminatórias para a Copa. Imagino que alimente esse sentimento um misto de curiosidade, uma pitada leve de pendor cívico, tudo isso temperado com a paixão pelo futebol que habita em muitos desde sempre, apesar das dores e provações a que as paixões costumam nos condenar.  O jogo de terça contra a Bolívia foi uma provação. Teve um quê de castigo. A pergunta que me faço, às vezes, com certo receio da resposta, é a seguinte: e se Ancelotti não conseguir fazer a Seleção Brasileira jogar, quem seria capaz de dar conta de tão desafiadora missão ? 

E vejam que não estou pedindo títulos, nada disso. Imagino algo que possa ser definido como um resgate da respeitabilidade, um certo reconhecimento de que há ali um time de se admirar. Mas reconheço que essa minha modéstia de quereres é de complexa execução porque conseguir isso sem levantar uma taça exige certa boa vontade de quem interpreta o desenrolar da história.  Melhor seria ganhar uma Copa e pronto! Não há nada melhor para neutralizar a acidez dos críticos.  Deixo aqui até uma ideia para o caso de termos de pensar em um novo treinador. Que tal Lionel Scaloni? Esse professor de trajetória tão singular, que sem jamais ter comandado um clube sequer, foi capaz não só de fazer da Argentina campeã do mundo, mas de alguma forma ajudar a pavimentar o caminho para que Lionel Messi pudesse, enfim, tomar o lugar que lhe pertencia no futebol argentino e mundial. 

E antes que alguém passe a coçar a cabeça lendo estas linhas ao pensar que não temos um Messi, lhes digo que estou ciente disso. E concluo indo além na questão. Se vier a ser verdade o que se diz à boca pequena, que quem manda é o Messi, que os hermanos só chegaram onde chegaram porque quiseram jogar para ele e coisa e tal. Pois bem, então talvez more aí um motivo a mais para acreditar que Scaloni poderia nos ajudar, já que ele deve saber muito bem quem merece esse tipo de benesse, quem verdadeiramente é capaz de exercer tal papel. Mas o que eu sei é que as Eliminatórias ficaram para trás e, pela ótica grandiosa do tempo, talvez não tarde o dia em que seremos obrigados a apurar se os donos do jogo querem que Ancelotti continue, ou se terão de empreender a dura missão de substituí-lo. 

Por hora, nos devolverão o Brasileirão, com uma rodada que analisada friamente tem tudo pra ser mais desafiadora para o Palmeiras, que recebe o Internacional, do que para o Flamengo, que encara o antepenúltimo colocado, o Juventude, mas no sempre caloroso Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul. Para um rubro-negro tão endinheirado e confessadamente obcecado pela conquista do principal torneio de futebol do país qualquer resultado que não seja a vitória soará mal. Não que o Palmeiras, no Allianz Parque, tenha mais opções. Não tem. Agora, mais espinhosa será a rodada para o Cruzeiro que,  talvez, munido da grande fase de Kaio Jorge, teima em se colocar entre rubro-negros e alviverdes e na segunda-feira irá fechar a rodada jogando em Salvador contra um Bahia que pareceu perder um pouco do fôlego diante do entusiasmado Mirassol. Bahia que ainda teve de dar conta das finais da Copa do Nordeste em meio à Data Fifa e ontem foi eliminado da Copa do Brasil.  

Já o Santos escreverá o segundo capítulo da era Vojvoda, fora de casa, enfrentando o Atlético Mineiro, que escreverá o primeiro da segunda era Sampaoli. E pensar que dias atrás as manchetes diziam que a volta do treinador argentino à Vila não se deu porque o time não conseguiria atender às exigências dele. E imagino que deviam ser mesmo cabeludas, porque o Santos que ele terá de enfrentar encerrou a janela de transferências contratando muito, apesar de ter no mercado a credibilidade aniquilada como fez questão de dizer o próprio executivo de futebol do time alvinegro. Mas não tem nada não, como diria Peninha, o futuro nos dirá tudo o caldo que deu a Seleção com Don Carlo no comando, e em que pé foi parar a credibilidade santista.  

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A seleção no Maraca

Foto:Gov. Estado do RJ- Divulgação


A noite desta quinta-feira pode deixar certos torcedores nostálgicos. E não é pra menos. Veremos a Seleção Brasileira se apresentar no Maracanã. Time e estádio perderam prestígio, mas não perderam a majestade. Será, quem sabe, uma noite pra não deixar dúvida de que nas mãos de Carlo Ancelottii a história pode mesmo ser escrita de um modo diferente. Talvez nem todos lembrem, porque é daquelas páginas que pedem pra ser esquecidas, que a última apresentação no templo chamadMário Filho foi um fiasco danado. Naquela noite, não bastasse a confusão que se estabeleceu no setor sul  - e acabou envolvendo os jogadores argentinos preocupados em defender compatriotas e familiares que estavam por lá - pela primeira vez na história das Eliminatórias o Brasil perdeu uma partida jogando em casa. 

E nem perdemos levando um gol de Messi, o que acabaria por ser mais aceitável. Fomos derrotados por um gol solitário marcado pelo zagueirão, Otamendi. Vejam vocês. Aquela noite, que teve o time brasileiro chamado de sem vergonha e olé entusiasmado vindo das arquibancadas quando os adversários teimavam em ficar com bola, só não soou mais terrível do que a passagem de Fernando Diniz pelo cargo. Ao se despedir, pouco depois, tinha se tornado o primeiro treinador a perder um jogo pelas Eliminatórias em casa, o primeiro a sofrer três derrotas seguidas no torneio e o primeiro a perder para a Colômbia nele. De quebra tinha colocado por terra uma invencibilidade de trinta e sete jogos do time brasileiro. 

Justiça seja feita, o castigo de Diniz, ainda que merecido, ganhou ares de tragédiaE, insistindo em fazer alguma justiça, a Colômbia andava jogando bola. O que não tem sido nem um pouco o caso dChile, lanterna das Eliminatórias e que chega ao Maracanã no dia de hoje carregando o fardo de ter sofrido até aqui uma dezena de derrotas. Secretamente, até Dom Carlo, homem tão curtido de grandes experiências futebolísticas, deu pistas de que irá sentir lhe correr pela espinha uma sensação diferente  na hora em que o túnel lhe entregar a visão de um Maracanã funcionando a todo vapor. Pode até, quem sabe, ter desenhado um time levando em conta todo esse contexto. Um time, não digo mais brasileiro, pois nesse quesito dessa vez se mostrou mais comedido, mas um escrete pra frente, para usar um termo que os que venham mesmo a ficar nostálgicos na noite de hoje vendo a bola rolar irão entender com facilidade. 

Um verniz de brasilidade que talvez se fizesse bem expresso na figura de kaio Jorge, que vem roubando a cena com a camisa do Cruzeiro e ocupa neste momento o posto de grande artilheiro do principal campeonato de futebol do país. Não basta ter quatro atacantes, é preciso ter alma. No mais, fico aqui tecendo suposições sobre como veremos a Seleção ocupar tão nobre palco. Intrigado sobre como Ancelotti resolverá a questão das laterais, que têm sido uma provação para muitas equipes. E imagino que a intrigante convocação do experiente e improvável, Douglas Santos, seja de alguma forma uma prova do quanto isso vem mexendo com a cabeça dos treinadores. Pois que jogue o fino se tiver a chance. 

A fragilidade do adversário sugere um jogo sem maiores complicações, mas costuma morar justamente aí a veia sobrenatural do bendito futebol. E é bom, diante da festa possível, não esquecer que a atribuladíssima história recente da CBF comprometeu todo o ciclo entre a última Copa e a que vem aí. Não faz muito tempo - corria o mês de março de 2022 - fechávamos as Eliminatórias, justamente diante do Chile, e no Maracanã, vencendo por quatro a zero e garantindo a vaga no Mundial do Qatar de maneira invicta. O que sugere que lá pra cá andamos para trás e e talvez explique  a razão do torcedor brasileiro andar desiludido. Mas, apesar de tudo, dessa opacidade que a falta de virtuosismo e de beleza depositam sobre a carcaça do nosso escrete, uma noite com Seleção Brasileira e com Maracanã ainda continua sendo diferente das outras.   

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Bons personagens



Pode-se falar o que quiser do futebol, menos que deixou de nos oferecer bons personagens. Ainda que se tenha a impressão de que vão rareando. E isso nada tem a ver com divisões. É possível encontrá-los por toda parte, eu aqui mesmo já citei alguns. Tenho certa predileção por isso. É receita certa pra revestir o jogo de certa humanidade.  Juan Pablo Vojvoda, que acaba de desembarcar na Vila Belmiro, pode ser apontado como um deles. Chegou ao Brasil sem causar alarde e lembro bem que quando o trabalho dele no Fortaleza foi lhe dando notoriedade descobriram que entre um compromisso e outro  tinha ido ver de perto uma pelada de society que rolava nos arredores. Não seria nada demais, se tão raro não fosse encontrar entre nós um técnico de time grande se ocupando do tempo dessa forma. Talvez existisse nisso uma investigação sociológica. Afinal, estava conhecendo um outro país. Ou talvez fosse simplesmente uma forma de matar o tempo já que andava apartado dos amigos, da família. 

Fato é que para além dos hábitos que gosta de cultivar esse ex-zagueiro desafiou como poucos a maneira de se comportar que tem sido padrão no futebol brasileiro. Ao terminar a segunda temporada no Brasil com o trabalho à frente do Fortaleza reconhecido, virou alvo de grandes clubes. E ainda assim resistiu. Negou aventuras que poderiam ter se revelado lucrativas, como costumam ser as de muitos treinadores que mal se despedem de um clube e já assinam com outro, mesmo quando debaixo de fortes evidencias de que o convite tem um grande ar de roubada. E assim Vojvoda desenhou uma das mais longevas trajetórias de um treinador por estas bandas nos últimos anos. A recompensa talvez seja poder ter dito sim ao Santos e ser visto de forma mais respeitosa, como alguém realmente capaz de tirar o time do lugar incômodo em que se encontra. Uma respeitabilidade que nem Pedro Caixinha, nem Cleber Xavier estiveram perto de ter. A sedução pode ter se dado por toda a história que o clube construiu. E é bem provável que neste momento seja só o que o clube santista tem pra oferecer.

 Tenho andado de olho também em Leonardo Jardim, que chegou ao Brasil com boa fama e que nos últimos tempos tem dado declarações que me chamaram a atenção. Uma delas a de que não pretende ficar muito tempo por aqui dadas algumas peculiaridades do nosso futebol como os grande deslocamentos. Coisa que Vojvoda também deve ter percebido, pois ao chegar aqui só tinha trabalhado em países de extensões geográficas mais modestas, no entanto, nunca citou tal questão, que é interessante. Em geral não temos muita noção de nossa dimensão continental. 

Leonardo Jardim, também falou com certa elegância sobre uma das coisas que desabonam nossa arbitragem. A falta de critérios. Mas o disse com elegância. Afirmou ver muitos jogos do Brasileiro e notar que os mesmos árbitros em outros jogos, e diante de outros times, tomam decisões de maneira diferente. Realmente intrigante. E também sugeriu dias atrás - depois de não concordar com uma decisão do homem que apitava o jogo do time dele - que os técnicos deveriam ter direito ao desafio técnico, como se dá no vôlei, quando o treinador pede para que se consulte o vídeo quando tem dúvida a respeito de uma marcação. Fosse nosso VAR ágil... quem sabe. Mas, enfim, vejamos quanto há de durar a paciência de Leonardo Jardim e como se sairá Vojvoda. 

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Quem dá a bola ?



Claramente, agora, quem dá a bola não é o Santos, como sugere o cântico "Leão do Mar". Digam o que quiserem, e que me perdoem os cruzeirenses que andam sonhando alto, os botafoguenses atuais donos do caneco, e todos aqueles que têm uma ponta de esperança de que seus times possam estragar os planos que palmeirenses e flamenguistas têm muito bem traçado. Mas um campeão brasileiro que não venha a ser nenhum dos dois terá sim um quê de surpreendente. Interessante notar, para além das contendas que os dois desenharão pela Libertadores entre a noite de ontem e a de hoje, que o diagnóstico que se faz deles é similar. Elencos renovados que precisam um tempo para que passem a mostrar tudo o que podem. Um parecer difícil de não aceitar, e nem há razão pra isso. 

Chega-se a conclusão, portanto, que triunfará aquele que mais rapidamente conseguir se reinventar. E nesse caso a atuação da dupla formada  por Flaco Lopez e Vitor Roque no meio da semana passada diante do Universitário se não sugeriu certa vantagem do time paulista encheu os alviverdes de esperança. Enquanto a atuação do Flamengo diante do Inter só reforçou uma sensação incômoda não é de hoje para os rubro-negros, que é a de ver o time comandado por Filipe Luís se impor sem no entanto conseguir desenhar placares que corroborem as diferenças vistas em campo em relação aos adversários. E levando em conta o poderio dos dois é preciso tratar as eliminações nas oitavas da Copa do Brasil, não como um fracasso, mas como um insucesso. Se é que não me faço entender, pois o dicionário, se não estou enganado, apontará os dois substantivos como sinônimos. 



Dito de outra forma, ficou no ar essa coisa de que o time rubro-negro não tinha a tal Copa em alta conta, dela não fazia questão. Dá pra entender, mas ainda considero cedo demais. No caso do Palmeiras, a rivalidade com o Corinthians impediu qualquer possibilidade de tratar a questão como algo menor. E o discurso palmeirense, pelo que me lembro, não deixou essa possibilidade nas entrelinhas, ao contrário do Flamengo, cujo diretor, José Boto, disse com todas as letras que a prioridade do clube da Gávea nesta temporada é o Brasileiro. Uma prioridade que exigirá disciplina para ser levada à termo.  A sedução da Libertadores é imensa. Sem contar o fato de que num futuro breve, se vier a ter o Palmeiras como adversário, será instado a repensar a questão. Tudo bem que isso pode depender também de como as coisas andem no Brasileirão. 

Gostaria de acreditar que esse quadro que se desenhou prova a importância do principal torneio de futebol do nosso país. Mas talvez não seja o caso. Diria que ele tem sido tratado como algo que não se pode ficar tanto tempo sem ganhar. E nada mais. Lembrem que o Palmeiras já se viu nesta situação. Com Abel já tinha vencido a Copa do Brasil e sido bi da Libertadores, mas lhe faltava o dito Brasileirão. E naquela momento nem na crônica esportiva, nem no clube, alguém ousou dizer o contrário. O Palmeiras quando venceu o Brasileiro em 2022 tinha sido campeão pela última vez quatro anos antes, com Luiz Felipe Scolari. No ano seguinte, veio Jorge Jesus e o Flamengo não só ficou com a taça como se sagrou bi no ano seguinte, mas sob comando de Rogério Ceni. E, detalhe,  com Felipe Luiz, então lateral, sendo muito elogiado pela atuação na partida do título. O que significa que, apesar de toda a pompa, há quase meia década o time carioca não dá essa emoção ao seu torcedor.  E aí se revela a realidade: o Flamengo, que tanto almeja, se vê necessitado de um Brasileirão. No mais, creio, sejam quais forem as teorias, Palmeiras e Flamengo têm tudo para seguir dominando a cena.  

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

A grande pauta



Sei que o assunto talvez não se revele o mais interessante para o torcedor. É compreensível. Mas digo a vocês que a questão do piso sintético segue sendo, na minha opinião, a grande pauta do futebol brasileiro. E por isso Neymar foi muito bem ao ressuscitar o tema dias atrás. A falta de estudos conclusivos torna o assunto espinhoso. Pesquisando um pouco, como tudo nos dias de hoje, é possível encontrar pareceres à favor e contra. E aceito perfeitamente a validade de quem argumenta que não há provas para se condenar o piso sintético. Mas considero a posição da FIFA um grande sinal de que mesmo com toda a tecnologia disponível ele não consegue fazer com louvor o papel de um gramado natural. E, sejamos sinceros, essa condição talvez inadequada de jogo tem sido enfiada goela abaixo dos jogadores. 

Por isso, digo que é de se condenar que a entidade máxima do futebol chancele o piso sintético mas o proíba nas competições que organiza. Pode haver posição mais ambígua e descarada do que essa? Creio que isso basta para qualquer contestação. Nem precisamos apelar para o fato de as principais Ligas do mundo não quererem nem ouvir falar em gramados que não sejam naturais. É uma pena que inevitavelmente o assunto se revista quase sempre de um viés clubista. A facilidade com a manutenção ampara esse tipo de escolha não há a menor dúvida. Mas acima de tudo influi na questão o gasto, que tende a ser consideravelmente maior no caso da grama natural. Difícil convencer administradores a abraçar uma manutenção mais complexa, e isso só piora quando junto com ela vem também um gasto maior. 

Feita essa reflexão só há uma maneira de impor aos clubes  usar o tipo de grama que o futebol usou desde sempre, ou quase, exigir! Um detalhe pouco lembrado quando se fala nesse assunto é que na tentativa de diminuir gastos passou a ser cada vez mais comum que os campos das categorias de base passem a ter piso sintético. E não me espanta que quem é do ramo aposte que as reclamações tendam a diminuir com o tempo já que as novas gerações se farão mais acostumadas com essa realidade. Mas não é preciso pensar muito para admitir que qualquer vantagem mínima em termos de impacto, qualquer ganho que se tenha em termos de saúde, devem ser tratados como suficientes para definir a questão. E nem vou aqui entrar no mérito do jogo. Faça uma averiguação a respeito e facilmente encontrará gente que joga e jogou, gente credenciada para tratar do tema, falando do quanto o piso sintético transforma o jogo, muda os movimentos, altera sua plástica. Mesmo que dito de maneira velada, com outros termos. 

Neymar com toda a patente que tem bem poderia fazer disso uma bandeira, tem voz pra isso, tem visibilidade, se relaciona bem com os companheiros de ofício, é respeitado por eles. Para além do que conseguirá entregar em campo, o que sabemos depende de um sem fim de fatores, seria uma nobre contribuição para o futebol brasileiro. Nesse momento da história em que nosso jogo de bola é acusado de estar muito aquém daquele que se pratica, em especial nos gramados europeus, seria um modo de, minimamente, fazer o futebol brasileiro mais parecido com o das grandes Ligas do planeta. De outro modo, a grana vai continuar definindo o modus operandi condenando os de agora e os que virão a se apresentar num palco que um dia todos souberam que não era o ideal.  

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Antiquado é tentar ganhar no grito

 Alexandre Schneider/Getty Images


Olha, a volta não é fácil. Todos os que tiraram alguns dias para descansar sabem bem disso. Já não falo em férias porque sou levado a crer que a realidade do mercado de trabalho brasileiro fez delas um luxo. E como qualquer luxo não é coisa da qual se possa tirar conclusões que sirvam para o todo. Aos que voltam a dar de cara comigo depois de um período desses e fazem aquela fatídica pergunta: como foi? Costumo brincar afirmando que é duro voltar, mas a gente acostuma. Frase sempre seguida de um risinho sacana. Digo a vocês que a maior virtude de um período de descanso é nos jogar na cara o quanto a nossa rotina é cruel. Seja como for, fato é que estou na área. E, estando, uma das coisas que de cara testaram minha paciência foi o comportamento pouco civilizado dos praticantes profissionais do nosso velho esporte bretão. 

Sobre a cera dos goleiros já tinha tido a oportunidade de falar neste espaço, elencando ideias e iniciativas pensadas aqui e alhures pra tentar colocar os arqueiros na linha. O do Vasco pode até ter sido injustiçado, mas não terá sido à toa. Já nas arquibancadas, outrora tidas como terra de ninguém, onde praticamente tudo era tido como normal, incluído aí cenas que beiravam a barbárie, pelo que vejo agora se cobra um comportamento de nobre. Onde o torcedor que não conseguir segurar um grito de mercenário para alguém que ganha milhões corre o risco de ser intimado pelo próprio. Enquanto isso, em campo, o clima é quase de  vale tudo. E que diga que estou exagerando aquele que diante de berros e palavrões proferidos olho no olho com os árbitros já não pensou: agora esse cara vai  ser expulso. Mas, meio sem acreditar, acaba testemunhando que o homem do apito deixou por isso mesmo. 

E muitas vezes nem se trata do capitão do time que, em tese, poderia fazer essa interlocução. Se é que o que se dá pode ser chamado de interlocução. E na beira do gramado? Bom, ali na área reservada aos ditos professores, a linha de conduta é muito parecida. E acho que não seria exagero afirmar que o técnico do Palmeiras se fez o grande baluarte desse tipo condenável de comportamento. O português mete a boca, como diziam antigamente. Um dia depois do jogo entre Corinthians e Palmeiras cheguei na redação e a conversa se alimentava do tema. Os envolvidos se mostravam indignados com a reação de Abel Ferreira na coletiva pós jogo, quando disse que estava desiludido com o que viu, levantou, e foi embora. Grosseria que ele repetiu no final de semana. Talvez Abel não saiba, mas não há desrespeito maior que se possa fazer a um repórter. 

E como observou um dos que participavam do papo - fazendo coro ao que tem se ouvido por aí - Abel não respeita ninguém. Não respeita o adversário. Não respeita o juiz. Não respeita jornalista. E depois de tudo que já vimos, me digam, como discordar de uma observação dessas? Agora, das feitas por ele, gostei particularmente de uma. Foi quando Abel disse o seguinte: estamos no século vinte e um e andamos a trabalhar com ferramentas do século passado. Ainda que dito de maneira enviesada, porque com a intenção de colocar o VAR em dúvida, sigo considerando uma aberração mesmo não darmos a arbitragem o amparo de tecnologias como a da linha do gol e a do impedimento semiautomático. Não seria a solução de tudo, seria uma ajuda imensa. Mas voltando ao nosso personagem, homem esclarecido que é, deveria se ligar que a essa altura nada soa tão antigo e antiquado quanto querer ganhar no grito. 

quinta-feira, 10 de julho de 2025

O time da rua de trás



Se tem uma coisa que esse Mundial de Clubes tornou evidente é um certo temor que temos de encarar quem tem fama. Qualquer pessoa mais atenta há de ter notado que começamos a temer esse tipo de adversário assim que o encontro com eles é anunciado. Entendo que a coisa possa se dar mais no âmbito da mídia, que não pode ver uma bola dessa pingando na área. Por isso gostaria muito de desvendar o quanto esconde de verdade aquele discurso que prega que não tem dessa, que é no campo de jogo que a coisa se resolve. Não acho que se trate de uma inverdade. E foi refletindo sobre embates que dão certo frio na barriga que acabei lembrando do meu tempo de moleque, quando os ditos times da rua de trás testavam a coragem da meninada. 

O time da rua de trás era um signo. Boa parte do tempo batíamos bola com a mesma turma, com os mais chegados. Vez ou outra pintava alguém de fora, mas nada que fizesse a pelada tomar outro ar. Tanto era assim que a prática ia nos ensinando como distribuir os times sem comprometer o equilíbrio. Coisa que qualquer um da minha geração irá lembrar. Qualquer um que tenha vivido aquele tempo em que o futebol era, disparado, a brincadeira número um dos meninos. Mas os tais times da rua trás colocavam por terra essa cumplicidade. Faziam do jogo de bola um verdadeiro enfrentamento. Eram adversários desconhecidos, de quem muitas vezes se contavam histórias de grandes feitos. Fossem eles feitos de dribles, gols ou valentia. O frio na barriga era provocado também por não sermos sabedores do comprometimento deles com a lealdade. 

Lembro bem de um time desse tipo. E no meu caso não era bem o time da rua de trás. Era o da molecada que morava a certa altura da Rua Freitas Guimarães. Quatro ou cinco quadras adiante do lugar onde costumávamos construir nossos estádios imaginários. Lá formavam, entre outros, os irmãos Claudinho e Marqueta. Sabe-se lá como é que encaravam nosso time. Sobre o deles sei que a fama não era feita só de bola. Detalhes que foram me fazendo entender o papel da intimidação no esporte. Embora nesse clássico não lembre de peleja que tenha acabado em sopapos e pontapés, o que chegava a ser comum nesse tipo de encontro. Seja como for que nos encaravam havia um respeito mútuo. E, lembrando agora, havia também uma coisa engraçada: a dificuldade de colocar nossos times frente a frente. Como se sobre aquela molecada que em geral só tinha de dar conta da escola pesasse um calendário draconiano e cheio como esse do futebol brasileiro. 

Mas esses pormenores todos ofertavam graça.  A citada dificuldade dava a esse tipo de "contra" - era assim que chamávamos - um ar solene. Não era raro que nos preparássemos, ensaiássemos jogadas. Trocássemos impressões sobre quem deveria receber marcação especial. Mas a lição maior que um encontro desses deixava era a de que jogar com um time realmente bom melhorava nosso futebol. Não esqueci até hoje a boa sensação de terminar um jogo desses que era tido como duríssimo com a certeza de que não só eu, mas o time , tinha ido muito além do que achava que podia. Muitas vezes mesmo não passando de um empate, ou até mesmo sendo derrotado. E minha capacidade de imaginação andou tentando me convencer nos últimos dias que isso talvez possa explicar um pouco os resultados que andamos vendo no pomposo Mundial de Clubes que ainda se desenrola na terra do Tio Sam. 

quinta-feira, 3 de julho de 2025

O Mundial e a nossa arbitragem



Tenho curiosidade pra saber que tipo de desdobramentos esse Mundial de Clubes irá provocar no futebol brasileiro. Para os europeus, sempre tão falados, e teoricamente donos de uma excelência que o torneio tem insistido em colocar em xeque, o apito final ou a eliminação serão sinônimos de férias. Para os brasileiros hora de voltar a pensar na vida como ela é. Há uma temporada pra se terminar. Voltarão os que lá estiveram de ânimos renovados, escondendo uma dose de confiança, por terem figurado entre os nobres do mundo da bola? Esse número de jogos a mais cobrará um preço alto quando o calendário brazuca tiver feito todas as suas exigências? E mais, irão os que ficaram tirar mesmo algum proveito do tempo que tiveram para trabalhar? Que o deus da bola nos ajude quando todos os fantasmas que rondam nosso futebol voltarem a nos assombrar.  

Por falar neles digo a vocês que a mim soa como uma lição ter atravessado toda a fase de grupos do Mundial sem que um lance tenha se sobreposto ao jogo, virado uma polêmica daquelas. Sem o bendito VAR como protagonista. E olha que foram nisso quarenta e oito jogos. É fato que apenas doze deles envolveram brasileiros e que, de certa forma, temos olhos mesmo é para nós e os europeus. Sendo assim, mesmo que um time de outro continente tenha sido tungado é bem possível que o lance tenha passado despercebido. Mas por falar no tema, a CBF diz que prepara a primeira fornada de árbitros profissionais para o ano que vem.  Sessenta e quatro deles, entre juízes, assistentes e bandeirinhas realizaram na semana passada no Rio de Janeiro treinamentos práticos e teóricos.  

A profissionalização dos árbitros é tema antigo. Hoje em dia a remuneração média de quem atua na Série A é de quinze mil reais. Alguns estão bem acima dessa média o que no entendimento de muita gente já seria suficiente para que vivessem disso. É compreensível. Como é compreensível também a necessidade de um vínculo empregatício. No modelo atual recebem por partidas. Pelo que li a respeito o projeto que vem sendo implementado tem um grande cuidado com a parte física. Quem trabalha na Série A passará a usar aquele tipo de colete, já muito usado pelos clubes, que não deixa escapar nada. Medindo o que eles correram, onde se posicionaram. Tudo muito importante. Só um louco faria pouco caso dessas questões. 

A impressão que tenho é que muito do vivemos se dá em outro plano, no da interpretação, na leitura de jogo. É comum diante de casos polêmicos alguém bradar que não é possível, que esse ou aquele árbitro nunca jogou bola. É um comentário que pode soar banal mas que está longe de ser despropositado. Talvez mais valioso do que profissionalizar fosse com esses cursos conseguir de alguma forma uniformizar a leitura de jogo, aproximar critérios. Vejam, virou comum ouvirmos que fulano é do tipo que deixa o jogo correr, que não dá qualquer falta. Entendo o que está por trás desse ponto de vista. Não deixo de considerar virtude. 

Mas quando se trata de arbitragem importa é ter um padrão. E não alijar nosso futebol de tecnologias que a essa altura são simples, como a do chip que indica se a bola ultrapassou a linha do gol. Seria nobre contribuição. Como seria aquela outra que define um impedimento de maneira automática. Coisas que poupariam os árbitros em muitos casos. Porque falar em profissionalizar sem dar aos árbitros as melhores condições de exercer o ofício será sempre fazer a lição de casa pela metade.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

A fantasia no futebol

Alexsandro Ribeiro


Nem um outro esporte consegue ofertar o nível de fantasia do futebol. Sei que se trata de uma afirmação que pode soar pretensiosa. E de que é também algo impossível de ser apurado com precisão. Mas não nego, claro, essa virtude a outras modalidades. Talvez seja o caso apenas de admitir a intensidade com que ela se dá, essa contundência singular que ela ganha quando se trata do jogo de bola. O que num primeiro momento poderia vir a ser explicado pelas cifras cada vez maiores que movimenta, pela representatividade que tem em nossa cultura e mais um sem fim de outros detalhes. Mas sou levado a crer que nada alimenta mais esse viés de fantasia do que as histórias de superação que desde sempre o futebol desenhou. 

E a capacidade de fazer o brasileiro fantasiar é tamanha que todo mundo por aí deve conhecer um pai que, mesmo sendo o sujeito mais ponderado do mundo, diante dos primeiros dribles do filho passou a desconfiar de que poderia, quem sabe, ter em casa um novo Pelé. Não deixo de reconhecer também e, principalmente, que neste nosso país em que a miséria assombra tantos brilhar no mundo da bola acaba sendo a única coisa capaz de alimentar o sonho de conquistar uma vida, mais do que digna, abastada. E foi pensando em um amigo que anda empolgado com os primeiros lances uniformizados do filho e em duas histórias sobre as quais li nos últimos dias que me veio esse questionamento sobre a capacidade que o futebol tem de fazer as pessoas acreditarem no improvável. 

A primeira dessas histórias foi a do zagueiro Alexsandro Ribeiro, de vinte e cinco anos, o nome menos conhecido entre os convocados para defender a Seleção na primeira lista anunciada pelo técnico Carlo Ancelotti. Mais velho de cinco irmãos. Companheiro de Vini Jr no Flamengo nos tempos de moleque. Alexsandro foi criado numa comunidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde  a mãe para sustentar os cinco filhos trabalhava perto de um lixão. Sem espaço, deixou o Flamengo. Fez teste em mais de dez clubes. Entre eles Vasco e Botafogo. No Fluminense durou dois meses. Acabou dispensado. Até que um ex-treinador que o comandou num time sub-20 teve a chance de ir para o Portugal e acabou o levando também.  Era, sem que ele soubesse, o início da redenção de alguém que trabalhou em obra, na feira, cortando grama e que viveu como catador de latinhas.  


Mas o que me chamou a atenção foi Alexsandro em uma de suas entrevistas ter dito que o que o atrapalhou na fase de maturação do flamengo foi, e aí palavra minha, fantasiar. Eu fiquei vivendo um sonho, disse ele. Dias depois dei da cara com a matéria que falava de um outro personagem, uma outra história do tipo. A de Denílson Nascimento, atacante baiano, apresentado na matéria como o "Ronaldo das Arábias". Um baiano que perdeu a mãe aos seis anos, viu o pai sair de casa pouco depois. O que o separou das duas irmãs que foram morar com famílias diferentes. Viveu em orfanatos. Vendeu picolé, verduras, fez de tudo um pouco, até desaguar no futebol tardiamente. Sem ter passado por times de base e com séria deficiência técnica, que trataria de corrigir ao longo do tempo. Em duas décadas e meia de carreira desvendou mercados, foi parar no PSG e virou até o maior goleador da história do Mundial de Clubes até ser desbancado pelo uruguaio, Luís Suarez, em 2015. É provável que você nunca tenha ouvido falar dele. Normal. Denílson mesmo tratou de dizer que entrou no futebol como saiu. Sem ninguém ver. Só não acredito que tudo isso fosse possível se o futebol não tivesse essa imensa vocação para provocar fantasias. 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Que feriadão é esse?

Imagem: Quadro de Djanira/1975


Este poderia ser um feriadão como outro qualquer. Mas definitivamente não é. Que o digam os palmeirenses e botafoguenses que verão seus times escreverem neste dia fértil para curtições o segundo capítulo deles no Mundial de Clubes. Sobre o time de Abel Ferreira, vos digo que me surpreendeu na estreia pela atitude. E não descarto a teoria de um amigo que a justificou como um modo de fazer um pouco menos desafiador o que o cruzamento da próxima fase poderia lhe guardar. Aos que não são dados às minucias do torneio eu explico. Sendo primeiro de seu grupo teria pela frente, nas oitavas, o segundo colocado do grupo B. Mas sendo o segundo lhe caberia ficar frente a frente com o primeiro. E posso dizer que enquanto escrevo estas linhas o mundo aponta o PSG como mais do que favorito ao posto. 

De certo mesmo é que o debute alviverde sem gols faz da vitória no jogo de hoje contra o Al Ahly, do Egito, uma exigência. Já o Botafogo não terá como escapar de tão temido encontro. Está no grupo do atual campeão europeu e ficará frente a frente com ele quando a noite desse feriadão já estiver caminhando para a fronteira que o separa de uma dessas sextas que os brasileiros tão bem sabem transformar numa espécie de semiferiado. E a essa altura o torcedor do time carioca já saberá o que se deu no encontro entre o Seatle e o Atlético de Madrid. E se o futebol não nos pregar uma peça  transformará o encontro com o time de Simeone em um tudo ou nada para o time da estrela solitária. 

É fato que se fará um encontro infinitamente menos assustador do que com o afinado time francês. Nem por isso um encontro comum, muito menos simples. Por essas e outras não há brasileiro que possa chegar às oitavas com mais jeitão de sobrevivente do que o Botafogo. E seja lá qual for o desenlace que a mais nova invenção da FIFA terá as primeiras impressões me convenceram de que o torcedor brasileiro comprou a ideia. Ao contrário de alguns europeus, que trataram de deixar bem claro que por lá o Mundial não desfruta do prestígio que vai desenhando por aqui. Aos que apontam o abismo que transforma partidas como as que vimos entre Bayern de Munique e Auckland City, da Nova Zelândia, numa coisa meio sem sentido até lembro que não será muito diferente na próxima Copa do mundo que, pela primeira vez na história, terá infinitas quarenta e oito seleções. 

Para além de qualquer outra consideração, e como disse o técnico do Borussia, Nico Kovac, é preciso valorizar a oportunidade de se medir com os melhores dos outros continentes. Se a oportunidade vem a ser de alguma valia pra eles pode-se até discutir. Já pra nós, sul-americanos, creio, não resta dúvida. E enquanto o creme de la creme do futebol mundial desfila em gramados norte-americanos gerando um sem fim de manchetes uma que não tem nada a ver com ele me chamou a atenção e soou como o anúncio de uma grande vitória. Ela dava conta da condenação de quatro envolvidos no caso do boneco de Vini Jr pendurado em uma ponte de Madrid, simulando um enforcamento, pouco antes de um jogo da Copa do Rei em 2023. Um dos casos mais grotescos que já vi em décadas de jornalismo esportivo.  Os quatro, torcedores do Atlético de Madrid, foram condenados por crime de ódio e ameaças. As penas somadas chegaram a 22 meses de prisão. É bom saber que em algum lugar casos do tipo são levados até o fim. 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Dá um tempo?



Digo a vocês que vejo no tempo uma grande lente. Só ele nos aclara as coisas. Tô chegando filosófico, eu sei. Mas não tarda e a prosa vai desaguar em algo mais terreno. Insista na leitura e verá. É que o cotidiano quase sempre nos dá a impressão de não estarmos saindo do lugar. Mas sempre estamos. O aprendizado de um instrumento é das tarefas que, pra mim,  mais corroboram essa sensação. Você morde a língua aqui, estica o dedo pra fazer soar uma nota ali e quase se convence que não nasceu pra isso. Mas Insiste na coisa. Repete, repete, e um dia lá na frente percebe que evoluiu, que aprendeu algo, ainda que não tenha virado nenhum Stravinski.  

Vejam, acabamos de testemunhar o debute de Carlo Ancelotti no comando da Seleção. Que de cara o italiano conseguiu acabar com a modorra da Data FIFA é fato. Mas  não se trata de verdade absoluta. O próprio lugar que Ancelotti terá na história do nosso futebol só o tempo verdadeiramente revelará. O mesmo tempo que poderá nos mostrar que essa primeira impressão foi só um efeito colateral de algo tão novo, se as datas FIFA seguirão nos assombrando. Mesmo com Ancelotti na área entendo completamente aqueles que perderam a paciência com a Seleção. O que me faz pensar o quanto o escrete nacional terá de jogar para reconquistá-los. A lente do tempo irá nos mostrar. 

Mas resta nesta quinta um pouco do nosso cotidiano boleiro. Uma rodada do Brasileirão já sem os que têm compromisso marcado com o Mundial de clubes. No Castelão, o Fortaleza recebe O Santos. Jogo em que uma vitória, dependendo de outros resultados, poderá trazer com ela o simbolismo de sair da zona de rebaixamento. Digo simbolismo porque se trata de uma condição à qual o futebol dos dois dá um certo ar efêmero. Difícil acreditar neste momento que não seguirão às voltas com ela. Se a fase do time cearense é a pior da era Vojvoda, não pense o Santos que está muito longe disso. E que tenha humildade de reconhecer que o tempo fez o adversário de hoje atualmente mais bem sucedido do que ele. O que me faz  acreditar que a tal lente do tempo pode também diminuir um clube dito grande. 

E por falar em tempo, que chance terá na noite de hoje o Cruzeiro, no Barradão, diante do Vitória. O time celeste dirigido por Leonardo Jardim, que derrotou o Flamengo, que derrotou o Palmeiras, com um triunfo será catapultado à liderança do Brasileirão. Conquista muitas vezes passageira mas que o recesso imposto pelo Mundial de clubes fará durar sem ameaças por um mês.  O que não deixaria de soar como um prêmio por toda a graça que emprestou ao Brasileirão nas últimas semanas. E se o Cruzeiro chegar lá terá vencido também uma certa secação porque o Bragantino, dono da mesma pontuação, se vencer o jogo com o Bahia em casa e a raposa tropeçar na capital baiana é quem vai desfrutar dessa liderança temporalmente longa. 

No Morumbi, o São Paulo, recordista de empates no torneio e que vem de derrota, enfrenta o Vasco. Não bastasse a proximidade dos dois com a zona do descenso, um resultado adverso terá tanta contundência e longevidade quanto a liderança de que estávamos falando. Estranha alquimia essa em que um Mundial cravado no calendário ganha o poder de tornar um resultado um tanto mais eterno. No mesmo horário o Atlético Mineiro irá receber o Internacional. E a essa altura já estará quase desenhado o enredo da visita do Corinthians ao Grêmio. Corinthians pra quem neste momento o tempo parece ter escancarado todas as mazelas.    

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Qual é a desse Mundial?

Foto: Reprodução/FIFA


O momento me permite dizer que se você acha que já viu tudo em matéria de futebol está enganado. Vem aí o Mundial de Clubes da FIFA, que será disputado nos Estados Unidos a partir do próximo dia quinze. Dar de cara com uma competição recém criada não é exatamente novidade. Mas a envergadura do que está pra começar provoca reflexões. A primeira delas: como não estar alinhado com o calendário europeu nos cria uma espécie de realidade paralela. Enquanto os poderosos esquadrões europeus  deram conta de seus torneios, entre nós a recém-criada competição estancará tudo num momento em que os clubes começam verdadeiramente a se colocar na temporada. E não se trata de algo breve. O Mundial irá durar um mês. 

Para além da curiosidade inevitável de saber como é que os brasileiros convidados para a festa irão se sair no meio dos supostamente melhores times do planeta paira no ar também certa curiosidade sobre quais serão os efeitos colaterais que serão vistos quando eles voltarem para dar conta do que deixaram por terminar. E não só eles, mas os que aqui ficaram em compasso de espera. Claro que essa realidade nova impõe um desafio de planejamento, um desafio físico. Fico me perguntando se os brasileiros que lá estarão prepararam tudo para chegar no auge de suas capacidades, ou se apenas encaixaram o novo compromisso no meio de tudo acreditando que, seja qual for o tamanho da glória embutida nisso, é aqui que eles terão de seguir a vida depois. 

Tudo tão importante que a FIFA tratou, inclusive, de criar uma janela de transferência excepcional, aberta no último domingo e que permanecerá assim até a próxima terça. Iniciativa nova que é fez a entidade máxima do futebol  ter lidar ainda com aspectos do dito futebol moderno e proibir que clubes controlados pelos mesmos proprietários - ou empresas - viessem a se enfrentar. Era o caso de dois times mexicanos, o León e o Pachuca. O primeiro acabou excluído. E o segundo estará no Mundial. A vaga em aberto foi decidida no último sábado pelo Los Angeles, dos Estados Unidos, e o América, do México. Ficou com os americanos em grande estilo, graças a uma virada na prorrogação. E, detalhe, a vaga é do grupo em que está o Flamengo. 

Também tenho curiosidade pra saber o lugar que esse tal Mundial irá ocupar no imaginário dos brasileiros que gostam e acompanham futebol. Aos que por ventura venham a se apaixonar ou torcer o nariz pra ele aproveito pra lembrar que depois dessa edição o torneio passará a ser disputado a cada quatro anos. Como virtude,  tendo em vista a legitimidade daqueles que irão nos representar, o Mundial talvez possa nos oferecer uma oportunidade mais profunda de descobrir o que pode o futebol brasileiro em termos planetários, seu verdadeiro nível de competitividade, que vira e mexe até as nossas copas continentais fazem virar uma grande dúvida. 

De certo mesmo, por hora, só o sucesso comercial dessa empreitada que a FIFA se esmerou para colocar em curso. E sabe-se lá tendo de remover quantas montanhas de interesses. Uma revisão orçamentária feita no meio do mês passado apontou que o Mundial irá gerar uma receita de dois bilhões de dólares. Quantia considerável, se lembrarmos que no ciclo que separou as últimas duas Copas do Mundo o faturamento foi de aproximadamente sete bilhões e meio de dólares. Tanto poderia ser dito a respeito. Mas acho que a questão é: cifras à parte, o novo Mundial irá enriquecer o futebol mundial?  

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Era uma vez a minha Seleção



Começamos esta semana vendo a Seleção Brasileira inaugurar uma nova era. Talvez mais correto seja dizer o futebol brasileiro entrar em uma nova era. E, confesso, essas minhas palavras iniciais me fizeram lembrar que outrora o escrete nacional, de algum modo, representava mesmo nosso futebol . O tempo parece ter afastado os dois. É só uma impressão. Mas não é que Don Carlo topou assumir a bronca? Nada me tira da cabeça que só topou porque, no fundo, se trata de uma aposta breve. Tirando os compromissos iniciais contra Equador e Paraguai restarão míseras três rodadas das Eliminatórias e depois disso será cuidar da logística pré-Copa que poderá muito bem ser desenhada de forma que o novo técnico da Seleção não precise estar exatamente no Brasil. Se a negociação envolvesse todo um ciclo talvez a disposição fosse outra. O que acho compreensível. 

Mas, seja como for, pode contar com a minha torcida, mas que não conte com a de todos. Digo isso porque pressinto por trás de declarações polidas como a dada por Carlos Alberto Parreira, uma pontinha de secação. Não sei se é essa exatamente a palavra. Disse o ex-treinador e campeão do mundo dias antes: preferia um treinador brasileiro, mas Ancelotti é bem-vindo. E em seguida afirmou que o treinador  tem que vivenciar o país. E esse é um detalhe que, confesso, tenho curiosidade para ver como será tratado pelo italiano. Mas não deixo de considerar que até nisso poderá nos surpreender. Ter dito que quer aprender português pode ser uma pista nesse sentido. 

Fato é que Ancelotti poderá mudar radicalmente nossa maneira de encarar aquela velha questão sobre técnico ganhar ou não ganhar jogo. Enfim, faço firulas aqui para dizer que a chegada de Ancelotti soa a mim como um divisor de águas, como algo que condena a versão mais terna da Seleção Brasileira que trago comigo a parecer ainda mais distante. Tinha onze anos em 1978. Me divertia inocentemente com o cabelão solar de Marinho Chagas, que acabou fora do mundial mas não das minhas lembranças de moleque.  Quatro anos mais tarde pintaria na área a Copa que acabaria cravada no imaginário da minha geração como uma tatuagem. E se falo da minha geração é porque hoje considero que aquele futebol era feito sob media pra nós. Dos mais velhos exigiria inocência demais. E para os mais novos, creio, era de uma profundidade que comprometia a compreensão.  

Enfim, estes dias de contornos tão singulares me deixam a impressão de que era uma vez a Seleção. A minha seleção. Não como um time escalado, mas como sinônimo do que o nosso futebol tinha de mais louvável. E a minha Seleção, desde sempre, teve Zico, Sócrates e Falcão. Tinha outros, mas não com tamanho ar de majestade. Uma majestade que com alguma licença poética ouso dizer que nem mesmo o título de 1994 conseguiu ter. Embora seja impossível esquecer a cena de Roberto Baggio mandando a bola pra longe.  Uma final de Copa disputada nos penaltis tinha algo de premonitório, não sei. E Carlo Ancelotti estava lá no Rose Bowl. Era auxiliar da seleção italiana, comandada por Arrigo Sacchi. E nem vou falar da esculhambação que ao longo do tempo corroeu toda a credibilidade da entidade que comanda não só a nossa seleção mas nosso futebol.  Não consigo crer que, como dizem alguns,  o que rola nos bastidores não entra em campo. O que eu sei é que ainda não conseguiu apagar a melhor lembrança que trago comigo da Seleção. Hoje , mais do que nunca, uma Seleção de outros tempos.  

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Peladas profissionais



Pra começo de conversa vos digo que não sei se foi o futebol que mudou ou se fui eu. E a única coisa que pode atenuar esse dilema é chegar à conclusão de que mudamos os dois. O que é muito provável. E aí eu poderia fazer uma média e dizer que mudei pra pior e o futebol para melhor. O que pode até ser o caso falando de mim, mas não consigo acreditar que seja evolução o que vai me colocando em desacordo com o jogo de bola. Os analistas de desempenho certamente têm todos os dados disponíveis para me convencer de que o futebol virou outra coisa. Eu sei disso. E lhes digo que o homem que se ampara nos números, e só neles, terá sempre um quê daqueles que Nelson Rodrigues definiu perfeitamente como idiotas da objetividade. 

Mas não estou aqui pra maldizer o ofício de ninguém. O que eu tô fazendo é quase uma autoanálise, querendo entender porque me parece cada vez mais difícil encontrar algum encanto no que vejo se desenrolar entre as quatro linhas. Não duvido que olhando o jogo cientificamente ele possa ter dado um salto, mas daí a dizer que isso o tornou mais bonito me soa totalmente descabido. Poderia elencar aqui um sem fim de motivos para tentar explicar esse caldo insosso que os times andam derramando sobre os gramados e mexendo com o meu humor. Com o nosso humor imagino. Pois não seria tão egoísta de levar essa pensata adiante se não acreditasse que esse descontentamento nos aproxima. E, veja, quando falo de futebol falo do nosso aqui. Porque quando vejo o jogo que se pratica por aí o papo é outro. 

Em primeiro lugar o que acho é que os nossos times, seja lá qual for o tamanho deles, andam se contentando com pouco. Com muito pouco. Os passes de lado que que se propagam como praga nem precisam de dois gols, basta um e já brotam como erva daninha. E aí, fico imaginando, impera aquela maneira de pensar que desde sempre questionou a razão de se correr quando o time está ganhando. E não estou pedindo pra ver viradas de jogo daquelas que paralisam o adversário, nem lançamentos longos primorosos, coisas que não tardarão se farão tão raras quanto os gols de falta. Existem coisas no futebol moderno que me escapam. Dias atrás, confesso, fiquei surpreso ao ouvir o técnico do Flamengo definir o papel do ex-jogador  Rodrigo Caio na comissão técnica do Flamengo. Disse ele que a designação é: analista de bola parada. Tenho o maior respeito pelo Rodrigo, que sempre foi um cara de fino trato. O que não entendo é como nesse futebol em que se cuida de cada detalhe os jogadores têm dificuldade pra acertar a bola no gol e, em campo, insistentemente, optam por ações tão pouco arrojadas, tão pouco corajosas. 

Notem como é raro nos dias de hoje ver um time construindo uma jogada de ataque pela zona central do campo. Não duvido que o meio ande congestionado, que o jogo se tornou mais físico. Mas quero acreditar que o talento ainda segue sendo capaz de nos surpreender. Pense em alguns dos times mais afinados que vimos nos últimos tempos, não são muitos, e talvez lhe venha a cabeça alguns lances bem construídos nessa zona proibida. Enfim, não estou aqui para elaborar receitas. Admiro a alma malandra do futebol, que afinal veio da rua. Mas não essa malandragem de mão no rosto fingindo ter levado um tiro de canhão. Isso não deixa de ser um desaforo pro torcedor, que acostumou a engolir essas e outras. E se continuo me dando ao jogo e ao ofício é porque ainda acredito que seja possível lapidar essas peladas profissionais que temos visto.  

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Don Carlo



Não, jamais ouvi alguém chamá-lo assim. É possível que seja algo um tanto íntimo ou que se dê só para o seleto grupo que costuma frequentar alguns dos maiores elencos europeus. Ou algo reservado aos que o cercam, aos parças, como nos habituamos a ouvir. A nós, os mortais, creio caber chamá-lo mesmo de Carlo Ancelotti. E mal sabe ele o papel que terá se realmente vier a aceitar o comando da Seleção Brasileira. Em primeiro lugar será o homem que desafiará, mesmo sem ter tal intenção, todos aqueles que que consideram uma afronta entregar o escrete brasileiro a um estrangeiro. E não são poucos. 

E, depois disso, encarnará uma ruptura da qual muita gente duvidava, ou duvida, eu inclusive. E considero a coragem ora apresentada pelo presidente da nossa Confederação para a empreitada efeito colateral de um misto de falta de opções caseiras com a necessidade de um escudo cada vez mais forte, diante do insucesso nos gramados e da condução administrativa contestável e falsamente democrática. Quero crer que ainda chegará o dia em que um patrimônio como a seleção de futebol de um país  ter dono virá a ser algo questionado nos tribunais. Não à toa trataram de tentar convencer o mundo de que o futebol e seus mandatários precisam de uma justiça própria, que não lhes cabe a dos comuns. 

Nessa toada, Don Carlo, que em matéria de futebol considera que já tenha visto de quase tudo, sem querer ainda por cima se descobrirá inserido num lugar e em uma realidade que nunca frequentou. Que não tenha dúvida a respeito. E quero crer que poderá existir algum viés louvável escondido nisso. Nem que seja sentir de longe o que representa a Seleção no nosso imaginário. Mas é preciso levar em conta também que até nesse ponto poderá vir a ser surpreendido. Digamos que esteja um dia na padaria tomando um café, tentando ser normal, e se dê a entabular uma conversa com aquele que lhe serve. Eis que no meio do papo o sujeito lhe confessa que perdeu o interesse pelo time nacional faz tempo, que hoje ele quer saber mesmo é do time para o qual torce, e olhe lá.  

Digo mais, sabemos todos que o desgosto com a seleção é tamanho que se Don Carlo pegar pela frente um sincerão é capaz de secretamente se perguntar o que tinha na cabeça quando aceitou o convite. No mais, foram tantas idas e vindas que eu aqui já nem sei qual verbo usar. Se tudo isso seria ou será. Se é caso de passado ou de futuro. Fato é que há aí em curso um segundo renascimento de Don Carlo como possível treinador brasileiro. O que já virou notícia até no The New York Times. Notícia sustentada pelo fato de que tudo já estaria alinhado com o Real Madrid com quem Don Carlo ainda tem contrato.  

Dizem que a coisa se resolve em poucos dias, pra alívio dos palmeirenses que não gostaram nenhum um pouco de ver Ednaldo com "zóio de lula" pra cima de Abel Ferreira. Questão de tempo, pouco tempo, dizem os jornais espanhóis. Então, o palmeirense talvez não tenha mais motivo pra se preocupar ainda que o tal acordo com a direção madridista seja verbal. E nessa novela desde sempre esse foi o x da questão. 

Olha, que me perdoem aqui os que, por ventura ou descuido, pensam diferente. Mas Don Carlo, não se enganem, é outra categoria. Mesmo Jorge Jesus com seu ar divino não lhe chega aos pés. Don Carlo, ao contrário de muitos treinadores, foi também um grande jogador. Como técnico é apontado entre os dez melhores de toda a história. Mas continuo com minha desconfiança crônica e só vou acreditar na hora que der de cara com o homem vestido de agasalho passando um friozinho lá na Granja Comary.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

O Santos atual



Analisar o momento do Santos FC provoca certa melancolia. Dirão os otimistas que ela era maior na temporada passada quando o time foi obrigado a disputar a segunda divisão. Não é um parecer sem sentido. Mas ao relembrar agora a história recente vivida pelo clube tenho a impressão de que a trajetória desenhada ali se deu mais ou menos dentro do esperado. O time alternou bons e maus momentos. Havia no ar não o medo de um novo rebaixamento, mas o temor de passar mais uma temporada alijado da elite. O fim, adornado por um acesso antecipado e pelo título, por certo, soou mais glamouroso do que o percurso. 

Um triunfo que, para além de apaziguar o ânimo dos torcedores, foi extremamente salutar porque evitou uma debacle financeira ainda maior. A essa altura pouca gente deve lembrar que a volta à primeira divisão evitou que o Santos tivesse de devolver um adiantamento de sessenta e dois milhões de reais recebido por ter assinado um contrato de repasse de direitos de transmissão. Contrato que passaria a vigorar este ano e que irá até 2029. Também não me espanta que a visão geral se prenda a questões do presente. Mas, sou levado a crer que pode ser um engano pensar que tudo isso são águas passadas. A história é uma construção sem recessos. O Santos vive hoje a sequência de um período que é o menos glorioso de toda a sua existência. 

A chegada de Neymar, grande ídolo que é, contribuiu imensamente para mascarar essa realidade, para mascarar os desafios dessa continuidade histórica. Voltar jamais será como ter estado sempre. E para além da contribuição o camisa dez possa a vir a dar em campo, e sobre a qual os últimos acontecimentos vão derramando certo pessimismo, há o fato de que nos últimos anos o futebol brasileiro viveu um avanço vertiginoso no que diz respeito a questões econômicas. Entre o Santos e a verdadeira elite do futebol nacional neste momento existe um abismo que jamais existiu. Não consigo enxergar de outro modo, será necessário muito trabalho para diminuí-lo. E reside aí uma outra questão. 

Neymar e seu estafe, com seus parceiros endinheirados, desde sempre são vistos como capazes de salvar o Santos desse atraso. De fazer o clube dar um salto. Ocorre que o primeiro efeito colateral disso tudo tem sido, também desde o primeiro capítulo, ofuscar aqueles que foram eleitos para cuidar do clube. Uma equação pra lá de delicada, pois se há uma coisa que o atual presidente nunca fez questão de esconder foi a dificuldade que vinha tendo para lidar com a situação frágil em que encontrou o clube. E, diante de tudo isso, não é descabido olhar com certo ar de espanto para o elenco santista e sua mais de dezena de recém contratados. 

A montagem do time se não torna claro tudo o que anda acontecendo com o clube, no mínimo, é um elo entre todos os pontos e provoca boas questões. Está a altura das finanças de um clube que nunca escondeu suas fragilidades financeiras? Foi montado pensando em dar amparo a Neymar? É fruto de transações que o clube sozinho não conseguiria ter feito? A complexidade dos dias que o Santos anda vivendo sugere a urgência de se descobrir se há mesmo entre todas as forças que agem sobre o clube neste momento um interesse comum. De outro modo, mesmo que se tire do chapéu um técnico ideal, será difícil voltar a ver o Santos brilhar em campo e ser dono do próprio nariz como ele foi um dia.   

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Viva o Seo Macia !



O futebol está em nós de um jeito muito singular. Não só com aqueles que nossos olhos puderam ver em campo mas também com aqueles que a história tratou de ungir com ares de eternos e que não ver em campo. Se a Copa de 1982, nos idos dos meus saudosos quinze anos,  me pegou em cheio com Zico, Sócrates e Falcão, à minha geração escaparam nomes como Pagão, Toninho Guerreiro, Jair Rosa Pinto, de quem nem por isso deixo de me sentir um tanto íntimo. A magia do jogo alimenta em nós a possibilidade de ultrapassar esse desvão histórico com devoção. E sigo acreditando que de alguma forma isso é possível, tanto são os craques de outras áreas que admiramos e trazemos pras nossas vidas. 

Quisera eu puder ter visto em campo um Zizinho, um Didi. Deus do céu, um Garrincha. Quem dera. E não tratem como heresia não ter citado até aqui o Rei Pelé que, dizia meu pai, vimos em campo. Mas que eu devo confessar, um tanto envergonhado, não ter conservado em mim a mínima lembrança. O que nesta hora faz com que eu me sinta como se a memória tivesse - diante de um estádio lotado - colocado a bola entre as minhas pernas. E nesse time cultuado, a que meu tempo não me deu direito, está também, em lugar de honra, o ponta-esquerda Pepe. Muito se fala sobre o seu chute potente com o qual ele foi deixando pelo caminho um sem fim de adversários, mas que eu , secretamente, aprendi a admirar por outras virtudes menos exaltadas, como a precisão, por exemplo. 

Nunca esqueci do slogan de uma antiga propaganda de pneus que dizia o seguinte: potência não é nada sem controle. E a primeira vez que ouvi aquilo lembrei imediatamente do Seo Macia porque no dia em que eu o conheci ele fez com o amigo que estava a meu lado uma brincadeira que sempre gostou de fazer e que consistia em jogar a bola repentinamente pro alto e dizer de antemão onde ela iria parar. Lembro bem. Naquele manhã de sol na Vila, disse que seria na linha de meio de campo e quando cheguei perto dela pude comprovar que a mesma não estava mais de dois dedos além do previsto. Impressionante. Mas se não sou do jogador testemunha, sou do homem. E com certos privilégios até, que me foram dados pela profissão e pelo destino. 

No primeiro caso, por ter desfrutado dos registros cuidadosos que ele tratou de fazer a respeito da própria história. E de poder, na condição de jornalista poder colhê-los. E no segundo, por ter vivido em São Vicente, e vê-lo muitas vezes por ali, com os amigos a falar de futebol. A revirar lembranças. E, vejam só, por ter formado num time de escritores ocasional que, podem acreditar, teve a honra de ter Seo Macia como treinador. O mesmo bondoso destino que, tabelando com a filha Gisa e outros amigos, me deu a oportunidade de escrever um prefácio para sua biografia publicada tempos atrás pela valente Realejo. 

E não bastassem todas as conquistas o ponta-esquerda a essa altura do jogo se apresenta com a alta patente dos que viveram muito e não se deslumbraram com a imensidão da própria obra. Que bom é saber que partir do próximo sábado, no Museu Pelé, estará a exposição Pepe - Futebol, vida e glórias. Aos amantes do futebol digo que se trata de oportunidade imperdível, em especial aos que, como eu, lamentam não tê-lo visto em campo, pois o homem segue aí cativante e admirável como nem todos os grandes campeões conseguem ser. Viva o Seo Macia!  

quinta-feira, 3 de abril de 2025

A peneira invisível



Existem muitas teorias que tentam explicar o rumo que o futebol tomou. Uma das mais defendidas é aquela que prega que o fim dos campos de terra, expressão máxima da várzea que outrora cansou de revelar talentos, contribuiu deveras para o empobrecimento do jogo. Difícil combater o argumento. A expansão imobiliária notadamente roubou espaços preciosos nesse sentido e confinou a molecada em quadras, sejam elas as dos prédios ou as de society. Abençoados sejam os meninos que têm ainda uma praia pra usar como cenário de suas  peladas. 

Notem que jogar bola em um gramado natural e em campo grande virou um luxo total. Conheço muita gente que joga - e jogou bola - e nunca teve tamanho privilégio. É fato que a várzea também mudou. Está longe de ser só passado. Em uma cidade como São Paulo ela pulsa, mobiliza multidões, dá identidade a certas comunidades, preservando o ar que tinha em outros tempos. E é, muitas vezes, uma várzea requintada se comparada à de antigamente. Paga bons cachês. Atrai jogadores profissionais recém aposentados. Vira e mexe migra para estádios pequenos como o da Rua Javari, na capital paulista.

Por essas e outras uma manchete anunciando que o jogador considerado o número um da várzea paulista acabara de ganhar a chance de disputar a Série B do Campeonato Brasileiro me chamou a atenção outro dia.  O craque em questão é, Gabriel Mendes, de vinte e nove anos, que chegou lá sem jamais ter passado por uma categoria de base do nosso futebol.  Gabriel é o mais novo reforço do Avaí. E conseguiu a chance depois de ter ido jogar no ano passado no Santa Catarina para disputar a segunda divisão estadual. Lá foi vice-campeão e eleito o melhor meia do torneio. 

Antes disso a melhor chance que tinha tido foi disputar a quarta e última divisão do futebol paulista. Passagem que durou onze jogos. Mas tão valoroso quanto o talento de Gabriel foi uma das declarações dadas por ele que, a meu ver, explica muito certas carências do nosso futebol atual.  Nela o meia explicou a razão que o fez apostar na várzea e não nas categorias de base. Ele se considerava magrinho demais e isso o faria ser preterido. Era a crença que tinha pelo que conhecia desse universo. E apurou com ainda mais lucidez nossa realidade ao dizer que não queria viver o processo para ser jogador profissional. Um processo que ele sabe que precisa ser vivido. 

Em seguida se declarou um apaixonado pela várzea e prometeu na Série B ter o mesmo foco que teve para desenhar a trajetória que o trouxe até aqui. Nesse mercado - que Gabriel conhece tão bem - os valores recebidos no futebol amador ou nas categorias profissionais inferiores praticamente se equivalem. E foi se equilibrando entre eles que viveu todos esses anos. Mas a grande contribuição dessa história é sugerir uma reflexão sobre as categorias de base que ditam o rumo do nosso futebol. 

Não é preciso ser profundo conhecedor do tema pra entender que há um sem fim de condições exigidas da meninada. Exigências que passam por questões físicas, econômicas, e que muitas vezes esnobam o dom, o talento. Quero crer que para muito além de São Paulo onde a várzea, é preciso ressaltar, ostenta uma força singular, seguimos sendo um  país imenso cheio de meninos bons de bola. Uma revisão de processos e de valores certamente faria, além de Gabriel Mendes, muitos outros passarem por essa peneira disfarçada e invisível que vem ditando o futuro do futebol brasileiro.