quinta-feira, 26 de junho de 2025

A fantasia no futebol

Alexsandro Ribeiro


Nem um outro esporte consegue ofertar o nível de fantasia do futebol. Sei que se trata de uma afirmação que pode soar pretensiosa. E de que é também algo impossível de ser apurado com precisão. Mas não nego, claro, essa virtude a outras modalidades. Talvez seja o caso apenas de admitir a intensidade com que ela se dá, essa contundência singular que ela ganha quando se trata do jogo de bola. O que num primeiro momento poderia vir a ser explicado pelas cifras cada vez maiores que movimenta, pela representatividade que tem em nossa cultura e mais um sem fim de outros detalhes. Mas sou levado a crer que nada alimenta mais esse viés de fantasia do que as histórias de superação que desde sempre o futebol desenhou. 

E a capacidade de fazer o brasileiro fantasiar é tamanha que todo mundo por aí deve conhecer um pai que, mesmo sendo o sujeito mais ponderado do mundo, diante dos primeiros dribles do filho passou a desconfiar de que poderia, quem sabe, ter em casa um novo Pelé. Não deixo de reconhecer também e, principalmente, que neste nosso país em que a miséria assombra tantos brilhar no mundo da bola acaba sendo a única coisa capaz de alimentar o sonho de conquistar uma vida, mais do que digna, abastada. E foi pensando em um amigo que anda empolgado com os primeiros lances uniformizados do filho e em duas histórias sobre as quais li nos últimos dias que me veio esse questionamento sobre a capacidade que o futebol tem de fazer as pessoas acreditarem no improvável. 

A primeira dessas histórias foi a do zagueiro Alexsandro Ribeiro, de vinte e cinco anos, o nome menos conhecido entre os convocados para defender a Seleção na primeira lista anunciada pelo técnico Carlo Ancelotti. Mais velho de cinco irmãos. Companheiro de Vini Jr no Flamengo nos tempos de moleque. Alexsandro foi criado numa comunidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde  a mãe para sustentar os cinco filhos trabalhava perto de um lixão. Sem espaço, deixou o Flamengo. Fez teste em mais de dez clubes. Entre eles Vasco e Botafogo. No Fluminense durou dois meses. Acabou dispensado. Até que um ex-treinador que o comandou num time sub-20 teve a chance de ir para o Portugal e acabou o levando também.  Era, sem que ele soubesse, o início da redenção de alguém que trabalhou em obra, na feira, cortando grama e que viveu como catador de latinhas.  


Mas o que me chamou a atenção foi Alexsandro em uma de suas entrevistas ter dito que o que o atrapalhou na fase de maturação do flamengo foi, e aí palavra minha, fantasiar. Eu fiquei vivendo um sonho, disse ele. Dias depois dei da cara com a matéria que falava de um outro personagem, uma outra história do tipo. A de Denílson Nascimento, atacante baiano, apresentado na matéria como o "Ronaldo das Arábias". Um baiano que perdeu a mãe aos seis anos, viu o pai sair de casa pouco depois. O que o separou das duas irmãs que foram morar com famílias diferentes. Viveu em orfanatos. Vendeu picolé, verduras, fez de tudo um pouco, até desaguar no futebol tardiamente. Sem ter passado por times de base e com séria deficiência técnica, que trataria de corrigir ao longo do tempo. Em duas décadas e meia de carreira desvendou mercados, foi parar no PSG e virou até o maior goleador da história do Mundial de Clubes até ser desbancado pelo uruguaio, Luís Suarez, em 2015. É provável que você nunca tenha ouvido falar dele. Normal. Denílson mesmo tratou de dizer que entrou no futebol como saiu. Sem ninguém ver. Só não acredito que tudo isso fosse possível se o futebol não tivesse essa imensa vocação para provocar fantasias. 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Que feriadão é esse?

Imagem: Quadro de Djanira/1975


Este poderia ser um feriadão como outro qualquer. Mas definitivamente não é. Que o digam os palmeirenses e botafoguenses que verão seus times escreverem neste dia fértil para curtições o segundo capítulo deles no Mundial de Clubes. Sobre o time de Abel Ferreira, vos digo que me surpreendeu na estreia pela atitude. E não descarto a teoria de um amigo que a justificou como um modo de fazer um pouco menos desafiador o que o cruzamento da próxima fase poderia lhe guardar. Aos que não são dados às minucias do torneio eu explico. Sendo primeiro de seu grupo teria pela frente, nas oitavas, o segundo colocado do grupo B. Mas sendo o segundo lhe caberia ficar frente a frente com o primeiro. E posso dizer que enquanto escrevo estas linhas o mundo aponta o PSG como mais do que favorito ao posto. 

De certo mesmo é que o debute alviverde sem gols faz da vitória no jogo de hoje contra o Al Ahly, do Egito, uma exigência. Já o Botafogo não terá como escapar de tão temido encontro. Está no grupo do atual campeão europeu e ficará frente a frente com ele quando a noite desse feriadão já estiver caminhando para a fronteira que o separa de uma dessas sextas que os brasileiros tão bem sabem transformar numa espécie de semiferiado. E a essa altura o torcedor do time carioca já saberá o que se deu no encontro entre o Seatle e o Atlético de Madrid. E se o futebol não nos pregar uma peça  transformará o encontro com o time de Simeone em um tudo ou nada para o time da estrela solitária. 

É fato que se fará um encontro infinitamente menos assustador do que com o afinado time francês. Nem por isso um encontro comum, muito menos simples. Por essas e outras não há brasileiro que possa chegar às oitavas com mais jeitão de sobrevivente do que o Botafogo. E seja lá qual for o desenlace que a mais nova invenção da FIFA terá as primeiras impressões me convenceram de que o torcedor brasileiro comprou a ideia. Ao contrário de alguns europeus, que trataram de deixar bem claro que por lá o Mundial não desfruta do prestígio que vai desenhando por aqui. Aos que apontam o abismo que transforma partidas como as que vimos entre Bayern de Munique e Auckland City, da Nova Zelândia, numa coisa meio sem sentido até lembro que não será muito diferente na próxima Copa do mundo que, pela primeira vez na história, terá infinitas quarenta e oito seleções. 

Para além de qualquer outra consideração, e como disse o técnico do Borussia, Nico Kovac, é preciso valorizar a oportunidade de se medir com os melhores dos outros continentes. Se a oportunidade vem a ser de alguma valia pra eles pode-se até discutir. Já pra nós, sul-americanos, creio, não resta dúvida. E enquanto o creme de la creme do futebol mundial desfila em gramados norte-americanos gerando um sem fim de manchetes uma que não tem nada a ver com ele me chamou a atenção e soou como o anúncio de uma grande vitória. Ela dava conta da condenação de quatro envolvidos no caso do boneco de Vini Jr pendurado em uma ponte de Madrid, simulando um enforcamento, pouco antes de um jogo da Copa do Rei em 2023. Um dos casos mais grotescos que já vi em décadas de jornalismo esportivo.  Os quatro, torcedores do Atlético de Madrid, foram condenados por crime de ódio e ameaças. As penas somadas chegaram a 22 meses de prisão. É bom saber que em algum lugar casos do tipo são levados até o fim. 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Dá um tempo?



Digo a vocês que vejo no tempo uma grande lente. Só ele nos aclara as coisas. Tô chegando filosófico, eu sei. Mas não tarda e a prosa vai desaguar em algo mais terreno. Insista na leitura e verá. É que o cotidiano quase sempre nos dá a impressão de não estarmos saindo do lugar. Mas sempre estamos. O aprendizado de um instrumento é das tarefas que, pra mim,  mais corroboram essa sensação. Você morde a língua aqui, estica o dedo pra fazer soar uma nota ali e quase se convence que não nasceu pra isso. Mas Insiste na coisa. Repete, repete, e um dia lá na frente percebe que evoluiu, que aprendeu algo, ainda que não tenha virado nenhum Stravinski.  

Vejam, acabamos de testemunhar o debute de Carlo Ancelotti no comando da Seleção. Que de cara o italiano conseguiu acabar com a modorra da Data FIFA é fato. Mas  não se trata de verdade absoluta. O próprio lugar que Ancelotti terá na história do nosso futebol só o tempo verdadeiramente revelará. O mesmo tempo que poderá nos mostrar que essa primeira impressão foi só um efeito colateral de algo tão novo, se as datas FIFA seguirão nos assombrando. Mesmo com Ancelotti na área entendo completamente aqueles que perderam a paciência com a Seleção. O que me faz pensar o quanto o escrete nacional terá de jogar para reconquistá-los. A lente do tempo irá nos mostrar. 

Mas resta nesta quinta um pouco do nosso cotidiano boleiro. Uma rodada do Brasileirão já sem os que têm compromisso marcado com o Mundial de clubes. No Castelão, o Fortaleza recebe O Santos. Jogo em que uma vitória, dependendo de outros resultados, poderá trazer com ela o simbolismo de sair da zona de rebaixamento. Digo simbolismo porque se trata de uma condição à qual o futebol dos dois dá um certo ar efêmero. Difícil acreditar neste momento que não seguirão às voltas com ela. Se a fase do time cearense é a pior da era Vojvoda, não pense o Santos que está muito longe disso. E que tenha humildade de reconhecer que o tempo fez o adversário de hoje atualmente mais bem sucedido do que ele. O que me faz  acreditar que a tal lente do tempo pode também diminuir um clube dito grande. 

E por falar em tempo, que chance terá na noite de hoje o Cruzeiro, no Barradão, diante do Vitória. O time celeste dirigido por Leonardo Jardim, que derrotou o Flamengo, que derrotou o Palmeiras, com um triunfo será catapultado à liderança do Brasileirão. Conquista muitas vezes passageira mas que o recesso imposto pelo Mundial de clubes fará durar sem ameaças por um mês.  O que não deixaria de soar como um prêmio por toda a graça que emprestou ao Brasileirão nas últimas semanas. E se o Cruzeiro chegar lá terá vencido também uma certa secação porque o Bragantino, dono da mesma pontuação, se vencer o jogo com o Bahia em casa e a raposa tropeçar na capital baiana é quem vai desfrutar dessa liderança temporalmente longa. 

No Morumbi, o São Paulo, recordista de empates no torneio e que vem de derrota, enfrenta o Vasco. Não bastasse a proximidade dos dois com a zona do descenso, um resultado adverso terá tanta contundência e longevidade quanto a liderança de que estávamos falando. Estranha alquimia essa em que um Mundial cravado no calendário ganha o poder de tornar um resultado um tanto mais eterno. No mesmo horário o Atlético Mineiro irá receber o Internacional. E a essa altura já estará quase desenhado o enredo da visita do Corinthians ao Grêmio. Corinthians pra quem neste momento o tempo parece ter escancarado todas as mazelas.    

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Qual é a desse Mundial?

Foto: Reprodução/FIFA


O momento me permite dizer que se você acha que já viu tudo em matéria de futebol está enganado. Vem aí o Mundial de Clubes da FIFA, que será disputado nos Estados Unidos a partir do próximo dia quinze. Dar de cara com uma competição recém criada não é exatamente novidade. Mas a envergadura do que está pra começar provoca reflexões. A primeira delas: como não estar alinhado com o calendário europeu nos cria uma espécie de realidade paralela. Enquanto os poderosos esquadrões europeus  deram conta de seus torneios, entre nós a recém-criada competição estancará tudo num momento em que os clubes começam verdadeiramente a se colocar na temporada. E não se trata de algo breve. O Mundial irá durar um mês. 

Para além da curiosidade inevitável de saber como é que os brasileiros convidados para a festa irão se sair no meio dos supostamente melhores times do planeta paira no ar também certa curiosidade sobre quais serão os efeitos colaterais que serão vistos quando eles voltarem para dar conta do que deixaram por terminar. E não só eles, mas os que aqui ficaram em compasso de espera. Claro que essa realidade nova impõe um desafio de planejamento, um desafio físico. Fico me perguntando se os brasileiros que lá estarão prepararam tudo para chegar no auge de suas capacidades, ou se apenas encaixaram o novo compromisso no meio de tudo acreditando que, seja qual for o tamanho da glória embutida nisso, é aqui que eles terão de seguir a vida depois. 

Tudo tão importante que a FIFA tratou, inclusive, de criar uma janela de transferência excepcional, aberta no último domingo e que permanecerá assim até a próxima terça. Iniciativa nova que é fez a entidade máxima do futebol  ter lidar ainda com aspectos do dito futebol moderno e proibir que clubes controlados pelos mesmos proprietários - ou empresas - viessem a se enfrentar. Era o caso de dois times mexicanos, o León e o Pachuca. O primeiro acabou excluído. E o segundo estará no Mundial. A vaga em aberto foi decidida no último sábado pelo Los Angeles, dos Estados Unidos, e o América, do México. Ficou com os americanos em grande estilo, graças a uma virada na prorrogação. E, detalhe, a vaga é do grupo em que está o Flamengo. 

Também tenho curiosidade pra saber o lugar que esse tal Mundial irá ocupar no imaginário dos brasileiros que gostam e acompanham futebol. Aos que por ventura venham a se apaixonar ou torcer o nariz pra ele aproveito pra lembrar que depois dessa edição o torneio passará a ser disputado a cada quatro anos. Como virtude,  tendo em vista a legitimidade daqueles que irão nos representar, o Mundial talvez possa nos oferecer uma oportunidade mais profunda de descobrir o que pode o futebol brasileiro em termos planetários, seu verdadeiro nível de competitividade, que vira e mexe até as nossas copas continentais fazem virar uma grande dúvida. 

De certo mesmo, por hora, só o sucesso comercial dessa empreitada que a FIFA se esmerou para colocar em curso. E sabe-se lá tendo de remover quantas montanhas de interesses. Uma revisão orçamentária feita no meio do mês passado apontou que o Mundial irá gerar uma receita de dois bilhões de dólares. Quantia considerável, se lembrarmos que no ciclo que separou as últimas duas Copas do Mundo o faturamento foi de aproximadamente sete bilhões e meio de dólares. Tanto poderia ser dito a respeito. Mas acho que a questão é: cifras à parte, o novo Mundial irá enriquecer o futebol mundial?  

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Era uma vez a minha Seleção



Começamos esta semana vendo a Seleção Brasileira inaugurar uma nova era. Talvez mais correto seja dizer o futebol brasileiro entrar em uma nova era. E, confesso, essas minhas palavras iniciais me fizeram lembrar que outrora o escrete nacional, de algum modo, representava mesmo nosso futebol . O tempo parece ter afastado os dois. É só uma impressão. Mas não é que Don Carlo topou assumir a bronca? Nada me tira da cabeça que só topou porque, no fundo, se trata de uma aposta breve. Tirando os compromissos iniciais contra Equador e Paraguai restarão míseras três rodadas das Eliminatórias e depois disso será cuidar da logística pré-Copa que poderá muito bem ser desenhada de forma que o novo técnico da Seleção não precise estar exatamente no Brasil. Se a negociação envolvesse todo um ciclo talvez a disposição fosse outra. O que acho compreensível. 

Mas, seja como for, pode contar com a minha torcida, mas que não conte com a de todos. Digo isso porque pressinto por trás de declarações polidas como a dada por Carlos Alberto Parreira, uma pontinha de secação. Não sei se é essa exatamente a palavra. Disse o ex-treinador e campeão do mundo dias antes: preferia um treinador brasileiro, mas Ancelotti é bem-vindo. E em seguida afirmou que o treinador  tem que vivenciar o país. E esse é um detalhe que, confesso, tenho curiosidade para ver como será tratado pelo italiano. Mas não deixo de considerar que até nisso poderá nos surpreender. Ter dito que quer aprender português pode ser uma pista nesse sentido. 

Fato é que Ancelotti poderá mudar radicalmente nossa maneira de encarar aquela velha questão sobre técnico ganhar ou não ganhar jogo. Enfim, faço firulas aqui para dizer que a chegada de Ancelotti soa a mim como um divisor de águas, como algo que condena a versão mais terna da Seleção Brasileira que trago comigo a parecer ainda mais distante. Tinha onze anos em 1978. Me divertia inocentemente com o cabelão solar de Marinho Chagas, que acabou fora do mundial mas não das minhas lembranças de moleque.  Quatro anos mais tarde pintaria na área a Copa que acabaria cravada no imaginário da minha geração como uma tatuagem. E se falo da minha geração é porque hoje considero que aquele futebol era feito sob media pra nós. Dos mais velhos exigiria inocência demais. E para os mais novos, creio, era de uma profundidade que comprometia a compreensão.  

Enfim, estes dias de contornos tão singulares me deixam a impressão de que era uma vez a Seleção. A minha seleção. Não como um time escalado, mas como sinônimo do que o nosso futebol tinha de mais louvável. E a minha Seleção, desde sempre, teve Zico, Sócrates e Falcão. Tinha outros, mas não com tamanho ar de majestade. Uma majestade que com alguma licença poética ouso dizer que nem mesmo o título de 1994 conseguiu ter. Embora seja impossível esquecer a cena de Roberto Baggio mandando a bola pra longe.  Uma final de Copa disputada nos penaltis tinha algo de premonitório, não sei. E Carlo Ancelotti estava lá no Rose Bowl. Era auxiliar da seleção italiana, comandada por Arrigo Sacchi. E nem vou falar da esculhambação que ao longo do tempo corroeu toda a credibilidade da entidade que comanda não só a nossa seleção mas nosso futebol.  Não consigo crer que, como dizem alguns,  o que rola nos bastidores não entra em campo. O que eu sei é que ainda não conseguiu apagar a melhor lembrança que trago comigo da Seleção. Hoje , mais do que nunca, uma Seleção de outros tempos.  

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Peladas profissionais



Pra começo de conversa vos digo que não sei se foi o futebol que mudou ou se fui eu. E a única coisa que pode atenuar esse dilema é chegar à conclusão de que mudamos os dois. O que é muito provável. E aí eu poderia fazer uma média e dizer que mudei pra pior e o futebol para melhor. O que pode até ser o caso falando de mim, mas não consigo acreditar que seja evolução o que vai me colocando em desacordo com o jogo de bola. Os analistas de desempenho certamente têm todos os dados disponíveis para me convencer de que o futebol virou outra coisa. Eu sei disso. E lhes digo que o homem que se ampara nos números, e só neles, terá sempre um quê daqueles que Nelson Rodrigues definiu perfeitamente como idiotas da objetividade. 

Mas não estou aqui pra maldizer o ofício de ninguém. O que eu tô fazendo é quase uma autoanálise, querendo entender porque me parece cada vez mais difícil encontrar algum encanto no que vejo se desenrolar entre as quatro linhas. Não duvido que olhando o jogo cientificamente ele possa ter dado um salto, mas daí a dizer que isso o tornou mais bonito me soa totalmente descabido. Poderia elencar aqui um sem fim de motivos para tentar explicar esse caldo insosso que os times andam derramando sobre os gramados e mexendo com o meu humor. Com o nosso humor imagino. Pois não seria tão egoísta de levar essa pensata adiante se não acreditasse que esse descontentamento nos aproxima. E, veja, quando falo de futebol falo do nosso aqui. Porque quando vejo o jogo que se pratica por aí o papo é outro. 

Em primeiro lugar o que acho é que os nossos times, seja lá qual for o tamanho deles, andam se contentando com pouco. Com muito pouco. Os passes de lado que que se propagam como praga nem precisam de dois gols, basta um e já brotam como erva daninha. E aí, fico imaginando, impera aquela maneira de pensar que desde sempre questionou a razão de se correr quando o time está ganhando. E não estou pedindo pra ver viradas de jogo daquelas que paralisam o adversário, nem lançamentos longos primorosos, coisas que não tardarão se farão tão raras quanto os gols de falta. Existem coisas no futebol moderno que me escapam. Dias atrás, confesso, fiquei surpreso ao ouvir o técnico do Flamengo definir o papel do ex-jogador  Rodrigo Caio na comissão técnica do Flamengo. Disse ele que a designação é: analista de bola parada. Tenho o maior respeito pelo Rodrigo, que sempre foi um cara de fino trato. O que não entendo é como nesse futebol em que se cuida de cada detalhe os jogadores têm dificuldade pra acertar a bola no gol e, em campo, insistentemente, optam por ações tão pouco arrojadas, tão pouco corajosas. 

Notem como é raro nos dias de hoje ver um time construindo uma jogada de ataque pela zona central do campo. Não duvido que o meio ande congestionado, que o jogo se tornou mais físico. Mas quero acreditar que o talento ainda segue sendo capaz de nos surpreender. Pense em alguns dos times mais afinados que vimos nos últimos tempos, não são muitos, e talvez lhe venha a cabeça alguns lances bem construídos nessa zona proibida. Enfim, não estou aqui para elaborar receitas. Admiro a alma malandra do futebol, que afinal veio da rua. Mas não essa malandragem de mão no rosto fingindo ter levado um tiro de canhão. Isso não deixa de ser um desaforo pro torcedor, que acostumou a engolir essas e outras. E se continuo me dando ao jogo e ao ofício é porque ainda acredito que seja possível lapidar essas peladas profissionais que temos visto.  

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Don Carlo



Não, jamais ouvi alguém chamá-lo assim. É possível que seja algo um tanto íntimo ou que se dê só para o seleto grupo que costuma frequentar alguns dos maiores elencos europeus. Ou algo reservado aos que o cercam, aos parças, como nos habituamos a ouvir. A nós, os mortais, creio caber chamá-lo mesmo de Carlo Ancelotti. E mal sabe ele o papel que terá se realmente vier a aceitar o comando da Seleção Brasileira. Em primeiro lugar será o homem que desafiará, mesmo sem ter tal intenção, todos aqueles que que consideram uma afronta entregar o escrete brasileiro a um estrangeiro. E não são poucos. 

E, depois disso, encarnará uma ruptura da qual muita gente duvidava, ou duvida, eu inclusive. E considero a coragem ora apresentada pelo presidente da nossa Confederação para a empreitada efeito colateral de um misto de falta de opções caseiras com a necessidade de um escudo cada vez mais forte, diante do insucesso nos gramados e da condução administrativa contestável e falsamente democrática. Quero crer que ainda chegará o dia em que um patrimônio como a seleção de futebol de um país  ter dono virá a ser algo questionado nos tribunais. Não à toa trataram de tentar convencer o mundo de que o futebol e seus mandatários precisam de uma justiça própria, que não lhes cabe a dos comuns. 

Nessa toada, Don Carlo, que em matéria de futebol considera que já tenha visto de quase tudo, sem querer ainda por cima se descobrirá inserido num lugar e em uma realidade que nunca frequentou. Que não tenha dúvida a respeito. E quero crer que poderá existir algum viés louvável escondido nisso. Nem que seja sentir de longe o que representa a Seleção no nosso imaginário. Mas é preciso levar em conta também que até nesse ponto poderá vir a ser surpreendido. Digamos que esteja um dia na padaria tomando um café, tentando ser normal, e se dê a entabular uma conversa com aquele que lhe serve. Eis que no meio do papo o sujeito lhe confessa que perdeu o interesse pelo time nacional faz tempo, que hoje ele quer saber mesmo é do time para o qual torce, e olhe lá.  

Digo mais, sabemos todos que o desgosto com a seleção é tamanho que se Don Carlo pegar pela frente um sincerão é capaz de secretamente se perguntar o que tinha na cabeça quando aceitou o convite. No mais, foram tantas idas e vindas que eu aqui já nem sei qual verbo usar. Se tudo isso seria ou será. Se é caso de passado ou de futuro. Fato é que há aí em curso um segundo renascimento de Don Carlo como possível treinador brasileiro. O que já virou notícia até no The New York Times. Notícia sustentada pelo fato de que tudo já estaria alinhado com o Real Madrid com quem Don Carlo ainda tem contrato.  

Dizem que a coisa se resolve em poucos dias, pra alívio dos palmeirenses que não gostaram nenhum um pouco de ver Ednaldo com "zóio de lula" pra cima de Abel Ferreira. Questão de tempo, pouco tempo, dizem os jornais espanhóis. Então, o palmeirense talvez não tenha mais motivo pra se preocupar ainda que o tal acordo com a direção madridista seja verbal. E nessa novela desde sempre esse foi o x da questão. 

Olha, que me perdoem aqui os que, por ventura ou descuido, pensam diferente. Mas Don Carlo, não se enganem, é outra categoria. Mesmo Jorge Jesus com seu ar divino não lhe chega aos pés. Don Carlo, ao contrário de muitos treinadores, foi também um grande jogador. Como técnico é apontado entre os dez melhores de toda a história. Mas continuo com minha desconfiança crônica e só vou acreditar na hora que der de cara com o homem vestido de agasalho passando um friozinho lá na Granja Comary.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

O Santos atual



Analisar o momento do Santos FC provoca certa melancolia. Dirão os otimistas que ela era maior na temporada passada quando o time foi obrigado a disputar a segunda divisão. Não é um parecer sem sentido. Mas ao relembrar agora a história recente vivida pelo clube tenho a impressão de que a trajetória desenhada ali se deu mais ou menos dentro do esperado. O time alternou bons e maus momentos. Havia no ar não o medo de um novo rebaixamento, mas o temor de passar mais uma temporada alijado da elite. O fim, adornado por um acesso antecipado e pelo título, por certo, soou mais glamouroso do que o percurso. 

Um triunfo que, para além de apaziguar o ânimo dos torcedores, foi extremamente salutar porque evitou uma debacle financeira ainda maior. A essa altura pouca gente deve lembrar que a volta à primeira divisão evitou que o Santos tivesse de devolver um adiantamento de sessenta e dois milhões de reais recebido por ter assinado um contrato de repasse de direitos de transmissão. Contrato que passaria a vigorar este ano e que irá até 2029. Também não me espanta que a visão geral se prenda a questões do presente. Mas, sou levado a crer que pode ser um engano pensar que tudo isso são águas passadas. A história é uma construção sem recessos. O Santos vive hoje a sequência de um período que é o menos glorioso de toda a sua existência. 

A chegada de Neymar, grande ídolo que é, contribuiu imensamente para mascarar essa realidade, para mascarar os desafios dessa continuidade histórica. Voltar jamais será como ter estado sempre. E para além da contribuição o camisa dez possa a vir a dar em campo, e sobre a qual os últimos acontecimentos vão derramando certo pessimismo, há o fato de que nos últimos anos o futebol brasileiro viveu um avanço vertiginoso no que diz respeito a questões econômicas. Entre o Santos e a verdadeira elite do futebol nacional neste momento existe um abismo que jamais existiu. Não consigo enxergar de outro modo, será necessário muito trabalho para diminuí-lo. E reside aí uma outra questão. 

Neymar e seu estafe, com seus parceiros endinheirados, desde sempre são vistos como capazes de salvar o Santos desse atraso. De fazer o clube dar um salto. Ocorre que o primeiro efeito colateral disso tudo tem sido, também desde o primeiro capítulo, ofuscar aqueles que foram eleitos para cuidar do clube. Uma equação pra lá de delicada, pois se há uma coisa que o atual presidente nunca fez questão de esconder foi a dificuldade que vinha tendo para lidar com a situação frágil em que encontrou o clube. E, diante de tudo isso, não é descabido olhar com certo ar de espanto para o elenco santista e sua mais de dezena de recém contratados. 

A montagem do time se não torna claro tudo o que anda acontecendo com o clube, no mínimo, é um elo entre todos os pontos e provoca boas questões. Está a altura das finanças de um clube que nunca escondeu suas fragilidades financeiras? Foi montado pensando em dar amparo a Neymar? É fruto de transações que o clube sozinho não conseguiria ter feito? A complexidade dos dias que o Santos anda vivendo sugere a urgência de se descobrir se há mesmo entre todas as forças que agem sobre o clube neste momento um interesse comum. De outro modo, mesmo que se tire do chapéu um técnico ideal, será difícil voltar a ver o Santos brilhar em campo e ser dono do próprio nariz como ele foi um dia.   

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Viva o Seo Macia !



O futebol está em nós de um jeito muito singular. Não só com aqueles que nossos olhos puderam ver em campo mas também com aqueles que a história tratou de ungir com ares de eternos e que não ver em campo. Se a Copa de 1982, nos idos dos meus saudosos quinze anos,  me pegou em cheio com Zico, Sócrates e Falcão, à minha geração escaparam nomes como Pagão, Toninho Guerreiro, Jair Rosa Pinto, de quem nem por isso deixo de me sentir um tanto íntimo. A magia do jogo alimenta em nós a possibilidade de ultrapassar esse desvão histórico com devoção. E sigo acreditando que de alguma forma isso é possível, tanto são os craques de outras áreas que admiramos e trazemos pras nossas vidas. 

Quisera eu puder ter visto em campo um Zizinho, um Didi. Deus do céu, um Garrincha. Quem dera. E não tratem como heresia não ter citado até aqui o Rei Pelé que, dizia meu pai, vimos em campo. Mas que eu devo confessar, um tanto envergonhado, não ter conservado em mim a mínima lembrança. O que nesta hora faz com que eu me sinta como se a memória tivesse - diante de um estádio lotado - colocado a bola entre as minhas pernas. E nesse time cultuado, a que meu tempo não me deu direito, está também, em lugar de honra, o ponta-esquerda Pepe. Muito se fala sobre o seu chute potente com o qual ele foi deixando pelo caminho um sem fim de adversários, mas que eu , secretamente, aprendi a admirar por outras virtudes menos exaltadas, como a precisão, por exemplo. 

Nunca esqueci do slogan de uma antiga propaganda de pneus que dizia o seguinte: potência não é nada sem controle. E a primeira vez que ouvi aquilo lembrei imediatamente do Seo Macia porque no dia em que eu o conheci ele fez com o amigo que estava a meu lado uma brincadeira que sempre gostou de fazer e que consistia em jogar a bola repentinamente pro alto e dizer de antemão onde ela iria parar. Lembro bem. Naquele manhã de sol na Vila, disse que seria na linha de meio de campo e quando cheguei perto dela pude comprovar que a mesma não estava mais de dois dedos além do previsto. Impressionante. Mas se não sou do jogador testemunha, sou do homem. E com certos privilégios até, que me foram dados pela profissão e pelo destino. 

No primeiro caso, por ter desfrutado dos registros cuidadosos que ele tratou de fazer a respeito da própria história. E de poder, na condição de jornalista poder colhê-los. E no segundo, por ter vivido em São Vicente, e vê-lo muitas vezes por ali, com os amigos a falar de futebol. A revirar lembranças. E, vejam só, por ter formado num time de escritores ocasional que, podem acreditar, teve a honra de ter Seo Macia como treinador. O mesmo bondoso destino que, tabelando com a filha Gisa e outros amigos, me deu a oportunidade de escrever um prefácio para sua biografia publicada tempos atrás pela valente Realejo. 

E não bastassem todas as conquistas o ponta-esquerda a essa altura do jogo se apresenta com a alta patente dos que viveram muito e não se deslumbraram com a imensidão da própria obra. Que bom é saber que partir do próximo sábado, no Museu Pelé, estará a exposição Pepe - Futebol, vida e glórias. Aos amantes do futebol digo que se trata de oportunidade imperdível, em especial aos que, como eu, lamentam não tê-lo visto em campo, pois o homem segue aí cativante e admirável como nem todos os grandes campeões conseguem ser. Viva o Seo Macia!  

quinta-feira, 3 de abril de 2025

A peneira invisível



Existem muitas teorias que tentam explicar o rumo que o futebol tomou. Uma das mais defendidas é aquela que prega que o fim dos campos de terra, expressão máxima da várzea que outrora cansou de revelar talentos, contribuiu deveras para o empobrecimento do jogo. Difícil combater o argumento. A expansão imobiliária notadamente roubou espaços preciosos nesse sentido e confinou a molecada em quadras, sejam elas as dos prédios ou as de society. Abençoados sejam os meninos que têm ainda uma praia pra usar como cenário de suas  peladas. 

Notem que jogar bola em um gramado natural e em campo grande virou um luxo total. Conheço muita gente que joga - e jogou bola - e nunca teve tamanho privilégio. É fato que a várzea também mudou. Está longe de ser só passado. Em uma cidade como São Paulo ela pulsa, mobiliza multidões, dá identidade a certas comunidades, preservando o ar que tinha em outros tempos. E é, muitas vezes, uma várzea requintada se comparada à de antigamente. Paga bons cachês. Atrai jogadores profissionais recém aposentados. Vira e mexe migra para estádios pequenos como o da Rua Javari, na capital paulista.

Por essas e outras uma manchete anunciando que o jogador considerado o número um da várzea paulista acabara de ganhar a chance de disputar a Série B do Campeonato Brasileiro me chamou a atenção outro dia.  O craque em questão é, Gabriel Mendes, de vinte e nove anos, que chegou lá sem jamais ter passado por uma categoria de base do nosso futebol.  Gabriel é o mais novo reforço do Avaí. E conseguiu a chance depois de ter ido jogar no ano passado no Santa Catarina para disputar a segunda divisão estadual. Lá foi vice-campeão e eleito o melhor meia do torneio. 

Antes disso a melhor chance que tinha tido foi disputar a quarta e última divisão do futebol paulista. Passagem que durou onze jogos. Mas tão valoroso quanto o talento de Gabriel foi uma das declarações dadas por ele que, a meu ver, explica muito certas carências do nosso futebol atual.  Nela o meia explicou a razão que o fez apostar na várzea e não nas categorias de base. Ele se considerava magrinho demais e isso o faria ser preterido. Era a crença que tinha pelo que conhecia desse universo. E apurou com ainda mais lucidez nossa realidade ao dizer que não queria viver o processo para ser jogador profissional. Um processo que ele sabe que precisa ser vivido. 

Em seguida se declarou um apaixonado pela várzea e prometeu na Série B ter o mesmo foco que teve para desenhar a trajetória que o trouxe até aqui. Nesse mercado - que Gabriel conhece tão bem - os valores recebidos no futebol amador ou nas categorias profissionais inferiores praticamente se equivalem. E foi se equilibrando entre eles que viveu todos esses anos. Mas a grande contribuição dessa história é sugerir uma reflexão sobre as categorias de base que ditam o rumo do nosso futebol. 

Não é preciso ser profundo conhecedor do tema pra entender que há um sem fim de condições exigidas da meninada. Exigências que passam por questões físicas, econômicas, e que muitas vezes esnobam o dom, o talento. Quero crer que para muito além de São Paulo onde a várzea, é preciso ressaltar, ostenta uma força singular, seguimos sendo um  país imenso cheio de meninos bons de bola. Uma revisão de processos e de valores certamente faria, além de Gabriel Mendes, muitos outros passarem por essa peneira disfarçada e invisível que vem ditando o futuro do futebol brasileiro. 

quinta-feira, 27 de março de 2025

Dia de decisão



Esta noite, quando Corinthians e Palmeiras entrarem em campo para decidir o título paulista, o momento só não será maior porque a nossa realidade em dado momento amputou parte da magia do jogo ao decretar que ele tem de se dar com torcida única. Muito pode ser dito a respeito disso. Muito precisa ser feito. Já que por trás dessa questão há escondida uma derrota que é de todos nós. Pode-se até chegar à conclusão, em muitos momentos óbvia, de que o nosso nível de civilidade já não dá margem a revisões. Mas não se descobre isso sem tentar. E não tentar é cômodo. Mas é, ao mesmo tempo, um desrespeito com a história e a importância do futebol paulista e de todos os que estão nessa condição. 

A proibição em questão caminha para completar uma década. A decisão foi tomada numa segunda-feira, 04 de abril de 2016, motivada justamente por um clássico entre Corinthians e Palmeiras, disputado no Pacaembu, e marcado por vários confrontos antes e depois da bola rolar. Confrontos que se deram nas ruas e deixaram, entre outros saldos, uma vítima fatal.  Um dia depois dos acontecimentos, a pedido do Ministério Público, a Federação Paulista determinou que os jogos entre os chamados grandes times paulistas fossem realizados apenas com a torcida mandante presente nos estádios. A decisão foi anunciada pelo então promotor do Ministério Público, Paulo Castilho, e pelo Secretário de Segurança Pública na época, Alexandre de Moraes, que todos sabemos segue em cena encarando históricas divididas. 

Não quero justificar o que vai aqui com aquele argumento tão ouvido por aí de que há tempos os confrontos têm se dado longe dos estádios e não neles. O que quero é aproveitar a data e perguntar: será pra sempre? Estamos condenados a ver os clássicos paulistas até o fim dos tempos assim? Amputados? Seja como for, diante dessa realidade de alegrias repartidas o Palmeiras já teve direito ao seu quinhão. Saiu de campo derrotado pelo placar mínimo. E agora terá de encarar o grande rival sem poder pensar em empate, enredado por uma festa que promete ser grande e turbinada por uma vantagem trazida da casa adversária. Muito se fala na volta de Rodrigo Garro. Arrisco dizer que o Corinthians diante do quadro que se desenha seria capaz de competir mesmo se não pudesse contar com ele. Mas não dá pra não reconhecer o requinte que o argentino empresta ao jogo do Timão.  

Mas o corintiano deve mesmo é torcer para Menphis ter voltado inteiro e no embalo de ter marcado mais um gol pela seleção da Holanda. Gol que o deixou agora apenas três atrás do maior goleador que os laranjas já tiveram. Um tal de Van Persie que, eu digo, quem viu não esquece.  Já os palmeirenses são instados pelas manchetes a se empolgar com a volta do meio-campista Maurício. Diante disso, minha inocência manda escrever que há sempre um preço a se pagar pela ausência dos gramados. O que vale para Garro também. Quando se trata do jogo de bola lesões nunca são apenas dor e tratamentos. Por essas e outras, se tivesse que apostar em alguém no Palmeiras capaz de fazer a diferença no caldeirão alvinegro apostaria na juventude e, acima de tudo, no futebol assanhado do garoto Estevão. Dirão os pragmáticos que o título se faz mais indispensável para o Corinthians do que para o Palmeiras. Esse raciocínio pode fazer algum sentido, mas que quase se apaga diante de tamanha rivalidade. E mais, não dá pra dizer que o time de Abel Braga tem pouco a perder quando um triunfo corintiano colocará por terra a possibilidade de um tetra campeonato estadual que nem o Santos de Pelé alcançou.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Wlamir, um herói



Houve um tempo em que o esporte produzia heróis. Digo houve porque não é exatamente assim que a coisa se dá hoje em dia. Hoje as vitórias e as marcas costumam fazer nascer celebridades, o que é infinitamente diferente. Pode ser uma visão subjetiva, pois que seja. Falo isso porque quando me pego a imaginar os campeões de outros tempos vejo neles uma humanidade que os dias atuais se não extinguiram, no mínimo, tornaram difusa. E quando falo desses heróis nascidos de um mundo antes do dito moderno os concebo ainda com um quê de desbravadores. E estou convencido de que não é à toa. E se falo desses homens hoje é porque Wlamir Marques se foi. E ele, sem sombra de dúvida, era um deles. Ou ter sido campeão mundial de basquete nos idos dos anos cinquenta do século passado não era de algum modo trilhar um caminho totalmente desconhecido para um brasileiro? 

Não, não se trata de uma sensação que nasceu com essa evidência da perda. Foram vários os momentos ao longo da minha trajetória profissional em que essa maneira de interpretar tamanhas façanhas foi se solidificando. Por exemplo, como quando certa vez conversei com outro grande herói do nosso esporte, um campeão do quilate de Wlamir Marques. O campeão era o também desbravador, Ademar Ferreira da Silva, primeiro bi-campeão olímpico do nosso país, que me contou com requinte como pareceu uma aventura por mares nunca navegados a ida e a chegada dele à Helsinque, na Finlândia. Isso sete anos antes do título mundial de Wlamir. Helsinque em que Ademar subiria ao lugar mais alto do pódio pela primeira vez. 

A envergadura desses feitos poderia fazer com que essas nobres figuras tivessem pra nós um quê de inalcançáveis. Poderia. Mas heróis são diferentes de celebridades. Wlamir, em especial, foi um tipo de herói do qual sempre me senti um pouco íntimo. Não bastasse ele ter nascido em São Vicente, cidade onde fui criado, ter jogado no Tumiaru, clube onde tentei de várias formas encontrar algum traço de campeão em mim - fosse nadando, remando ou jogando basquete - há ainda uma história curiosa que sempre fez Wlamir, e o nome dele, parecerem coisa de casa. Como filho mais velho quando nasci ganhei o nome de um grande amigo de meu pai que ele queria homenagear e se chamava, Vladir. 

Tempos depois, mais exatamente no ano de 1969, nasceu meu irmão. Então, pairou no ar a dúvida sobre que nome dar ao menino que chegava. Imperativo, segundo meu pai, era que se tratasse de um nome que fosse parecido. A partir daí ficou fácil. Wlamir, coincidentemente nascido no mesmo ano de meu pai, ainda brilhava nas quadras. Muitos anos depois, em minha segunda passagem pela ESPN, fomos colegas de emissora. Certa tarde ao encontrá-lo pelos corredores fiz questão de contar a história que, afinal, lhe era um tributo. Wlamir a ouviu e a recebeu com a elegância e a simpatia de sempre. Naquele dia fui embora feliz trazendo em mim a sensação de quem lhe tinha feito uma reverência. 

Agora, em casa, quando lembravam dessa história a gente caçoava do meu pai dizendo que ele tinha criado mesmo era uma dupla caipira dada a sonoridade que acabou derramando sobre o nome dos filhos: Vladir e Vlamir. Mas interessante mesmo, ao longo do tempo, foi notar também a legitimidade que costuma envolver esse tipo de campeão. Lembro de ouvir Wlamir falar de basquete em certa ocasião e notar as pessoas ao redor totalmente atentas, como que sem poder por um instante sequer deixar de lembrar que estavam diante de um herói. O ouviam como se fosse um oráculo. Compreensível, fruto de uma geração tida como de ouro era considerado por muitos o maior. Ontem Wlamir Marques partiu, mas a história que ele deixa, ensina.    

quinta-feira, 13 de março de 2025

A Copa de Trump


Imagem: Divulgação FIFA


Já não sei ao certo que lugar a Copa do Mundo guarda no imaginário das pessoas. Que peso tem para as novas gerações. Uma cena que se fez muito presente no meu cotidiano ao longo dos anos é aquela que, vez ou outra, nos faz topar com alguém que confessa seu desinteresse pelo futebol mas se apressa em se definir como um torcedor de Copas. É compreensível. Mas o que talvez as pessoas ainda não tenham se dado conta é que o modelo de Copa que conhecíamos já era. É passado. Como também não devem ter se dado conta, tamanho se faz o frenesi cotidiano, do quanto estamos perto da próxima. Será a primeira edição com quarenta e oito seleções. Donde se conclui que, se nas últimas a qualidade técnica não foi um primor, se o novo modelo vier a nos seduzir não será nesse quesito. Desculpe o termo. É esse carnaval que não sai de mim. 

E talvez seja pensando nisso que a FIFA tratou de dias atrás anunciar que pela primeira vez na história o torneio mundial de futebol terá no intervalo da final um espetáculo musical. E foi logo convocando o Cold Play. Afinal, alguém precisa garantir o show. Copa que terá também um quê de volta ao Mundo já que será disputada em dezesseis cidades de três países. Estados Unidos, México e Canadá, este último um verdadeiro debutante em matéria de Mundiais. E é essa combinação de nações que a essa altura me faz coçar a cabeça. Já que o recém eleito presidente americano vem jogando duro, inclusive, com os parceiros dessa empreitada. Num primeiro momento pensei que Gianni Infantino, o presidente da FIFA, não deveria estar dormindo. Mas talvez ainda esteja já que foi justamente quando Donald Trump exercia seu primeiro mandato que tudo foi tramado. 

E vale lembrar que na ocasião o presidente americano não fugiu das divididas para derrotar a candidatura de Marrocos. Lances que se não teriam feito de Infantino e Trump amigos íntimos certamente serviram para torná-los mais próximos. Na época o mandatário da FIFA esteve na Casa Branca. E pouco mais tarde não só esteve na posse como foi um dos primeiros líderes de entidades com peso mundial a felicitar Trump pela vitória nas eleições. É fato que a FIFA está mais do que escaldada com relação a situações desconfortáveis. Basta lembrar que precisou lidar - talvez o certo fosse dizer driblar - com um sem fim de denuncias sobre direitos humanos. E minimizar declarações escabrosas feitas por entidades e veículos de imprensa que acusavam o Qatar, último país sede, pela morte de milhares de trabalhadores, vitimados pelas condições inadequadas e as altas temperaturas do país.

Não havendo mudanças nas táticas impactantes de Trump é de se imaginar que Infantino terá de se revelar um verdadeiro craque nas costuras políticas. A abertura no estádio Azteca, na capital do México, deverá soar um tanto nostálgica para muitos de nós, mas tem tudo pra se dar envolta numa realidade que já não nos permite sonhar tanto. Podemos duvidar que Dorival nos faça chegar ao Mundial prontos a encenar um papel digo da história que o nosso país construiu nesse que é um dos maiores eventos do planeta. Como podemos a essa altura, também, duvidar que Dorival lá chegue a depender do que se dará nos jogos contra a Colômbia e a Argentina nos próximos dias. Dois adversários de respeito. Só não dá pra duvidar que o presidente americano não fará questão de explorar bem ao estilo dele tão midiático acontecimento. Na última sexta anunciou a criação de uma força tarefa pra cuidar da Copa que será, claro, presidida por ele, Trump. É por essas e outras que me despeço dizendo: te cuida Infantino.   

sexta-feira, 7 de março de 2025

FOTOGRAFIA: ANSEL ADAMS

 Autumn Moon, The High Sierra from Glacier Point1948








quinta-feira, 6 de março de 2025

Eu quero ver gol



Mesmo correndo sério risco de ser tomado por um descontente incorrigível não resisti e vou dividir com vocês algumas reflexões sobre a proposta feita pelo ex-zagueiro do Barcelona, Gerard Piqué, dias atrás, propondo uma alteração não exatamente para acabar com os jogos sem gol mas para adequar as regras de modo a, digamos, condenar um jogo que termina sem bola na rede. À primeira vista pode soar extravagante mas, depois de ter pensado um tanto a respeito, estou convencido de que seria uma boa atitude em prol do futebol. Mirem-se no exemplo do refrão daquela música que muitos de vocês já podem ter cantado algumas vezes. Falo daquele que brada: eu quero ver gol/ eu quero ver gol/ não precisa ser de placa eu quero ver gol.  

Não é à toa. O gol condensa o que o futebol tem de melhor.  A ausência dele empobrece o jogo de bola. Sou capaz de entender quando dizem que há jogos que terminam com o placar em zero a zero e que são elogiáveis. Mas talvez o sejam por terem desenhado em campo insistentemente uma infinidade de lances daqueles nos quais, não havendo a influência de um acaso qualquer, teriam terminado com várias bolas no fundo da rede. A boa sugestão de Piqué prega que os empates sem gols passassem a não dar aos times ponto algum. Segundo ele, essa pequena mudança seria capaz de mudar radicalmente as partidas nas quais o placar não tivesse sido movimentado até a metade da etapa final. Nesse momento os jogos iriam se abrir, aposta Piqué. Não duvido. 

E fiquei a imaginar ainda que uma resolução desse tipo seria uma espécie de xeque-mate nas retrancas. Talvez as fizessem menos eficazes diante do ímpeto de quem não vê com bons olhos sair de campo sem ter conquistado ponto algum. Também não  deixo de considerar que a imensa valentia de certos treinadores tentasse em pouco tempo nos convencer de que em determinado momento não deixar o adversário pontuar seria algo pelo qual valeria lutar. Não custa lembrar que foram desejos parecidos que levaram os homens que cuidam do futebol a passar a premiar a vitória com três pontos e não dois como, agora podemos dizer, antigamente.  

O discurso à época era de que isso tiraria mais dos times. Mas temos visto muitos deles deixarem de fazer questão da vitória. E talvez não seja apenas o instinto de preservação dos nossos treinadores que esteja por trás dessa conduta. No mínimo, atendido o desejo do ex-zagueiro espanhol, não seria diante de qualquer empate que nossos comandantes poderiam dizer que conquistaram um suado pontinho. Pra isso teriam de orientar seus jogadores a tramar em campo um jeito de vazar a defesa adversária, nem que fosse uma mísera vez. 

Já ouço aqui o locutor afirmando com o entusiasmo de quem está convencido de que encontrou uma verdade: "senhoras e senhores, o que se vê é que o time roxo amarelo e marrom, depois de ter marcado o gol de empate, simplesmente abriu mão do ataque". Mas o que me encantou na sugestão é sua eficácia. Uma vez decretada não há drible possível. Não é como aquela história de fazer o goleiro repor a bola em seis segundos, coisa que nunca aconteceu. Só serviu para espelhar a nossa realidade cotidiana em que leis não costumam pegar. Não permitir que um jogo sem gols se traduza em algum ganho seria como aumentar a exigência do jogo por aquilo que lhe define, o gol. Esse detalhe, detalhe tão nobre.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Hoje tem Cartão Verde , ao vivo, na TV Cultura !

 



 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Pisando em ovos

Ainda que pisando em ovos faço questão de registrar aqui  o que penso a respeito do debate instaurado sobre o uso de grama sintética pelo futebol brasileiro. Olhando como o tema tem sido tratado pelas principais Ligas do planeta já daria pra ter uma ideia de que andamos na contramão do mundo. O que geralmente serve como prova de nosso atraso. E atraso num país como o nosso é coisa que já não deveria espantar ninguém. Imaginar que no estrangeiro o sintético é posto de lado por puro capricho não parece fazer sentido algum. Sei que pode soar oportunista mas há tempos vinha falando que essa se impunha como a grande pauta do futebol brasileiro. Algumas das pessoas que exercem o ofício comigo podem provar.  

Ocorre que o assunto infelizmente só virou pauta pra valer quando os atletas decidiram tomar posição. E seria bom que diante disso eles tomassem consciência da voz que têm, pois o que não falta é boa causa pra ser defendida, dentro e fora dos gramados, diga-se. E confesso que foi além do que imaginava a veia clubística dos torcedores na hora de tratar do tema. Pra falar a verdade me causou espanto a incapacidade de tantos em driblar interesses. Mas o torcedor terá sempre o direito de se apresentar no papo cego pela paixão. E se digo que não é de hoje que tinha pra mim de que se tratava de algo que merecia atenção é porque, por mais que se evidenciem outros detalhes, se trata de um tema ligado à saúde dos atletas. 

Quem acompanha de perto o futebol já tinha sacado que alguns jogadores andavam evitando encontros com o piso sintético. Mau sinal. Não creio que seja preciso grandes conhecimentos de superfícies e materiais para se chegar a conclusão de que o impacto num piso de grama natural seja diferente do que se tem quando se usa um piso sintético. Por mais que a tecnologia nos surpreenda a cada dia. É uma visão minha. E creio que o melhor disso tudo ter vindo à tona é provocar estudos  mais profundos a respeito do tema.  Algo que produza provas de alta patente. 

Tenho dificuldade para entender como cultivar grama num país tropical pôde se tornar um desafio dessa monta. Estariam as Arenas bem projetadas para usar a luz do sol ? Estariam os nossos clubes e cartolas dispostos a gastar com tecnologias que garantiriam a qualidade do gramado e, por tabela, do espetáculo? Por que razão a FIFA avaliza gramados sintéticos pelo mundo afora mas não os quer quando se trata de uma Copa do Mundo? Situação que me leva às declarações importantes que foram dadas uma vez que o descontentamento dos atletas tinha entrado em campo. Falo de afirmações como as feitas por Lucas Moura, atleta do São Paulo, que foi categórico ao afirmar que jogar em um campo sintético é totalmente diferente. É diferente o giro, é diferente o domínio. 

E disse mais, que muda totalmente a qualidade do jogo. Agora que venham os especialistas da tal grama sintética e digam que ele está exagerando, que não é bem assim. O futebol é um exercício motor de uma complexidade espantosa. A mínima mudança na velocidade da bola, no rolar ou quicar dela, altera tudo. Algo tão fino e sensível que talvez ainda não tenha sido criada máquina capaz de detectar.  E aí eu fico me perguntando, então, se o tal sintético também não vem aos poucos contribuindo para a perda de encanto do nosso futebol. Já que ajudar a melhorar, pelo visto, ele definitivamente não ajudou. E estamos cansados de saber que muito ajuda quem não atrapalha. 


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Viva o Seo Macia !

 


                                                                              90 anos !

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Ensaio sobre a modernidade



A modernidade é um conceito fugidio. No imaginário das pessoas talvez nem não combine com o adjetivo que usei, que soa ultrapassado. E do jeito que tudo se atualiza nos dias de hoje tenho a impressão de que ela seja algo tão inalcançável quanto a verdade. Perdoe certo ar filosófico. Comprometo-me a dissolvê-lo ao longo das próximas linhas. Mas é por causa desse seu aspecto indomável que nunca me ocupei dela. O que não é o caso do futebol. O jogo e sua entourage vivem deixando claro que é preciso estar sempre em sintonia com as últimas tendências. Mesmo que notadamente alguns conceitos tenham beirado a obsolescência ao serem abraçados pelos que pensam e tratam do jogo. Às vezes, em certas partidas, por exemplo, tenho a impressão de estar vendo o futebol europeu... dos anos noventa! 

Mas esta semana tive a prova cabal de que estamos parados no tempo. Ainda que o tempo não passe de ilusão, possivelmente como a modernidade. E essa descoberta se revestiu de um sentido ainda maior por estarmos às voltas com essa debacle dos torneios estaduais. E olha que o Paulistão ainda têm um fôlego de dar inveja a muita gente. Em nome de preservar elencos para uma temporada que promete não ser páreo nem para o mais bem preparado dos craques os times vão cumprindo a tabela como podem. Escalando garotos, recorrendo a recém chegados emprestados na temporada que se foi. Tudo para tentar reservar aos seus principais protagonistas um número de partidas que a comissão técnica e a ciência sugiram menos danoso.  

A essa hora vocês já devem estar se perguntando: e a prova citada? 

Bem, meus amigos, estava eu dia desses arrumando meus livros em casa quando dei de cara com um exemplar que trazia uma centena de crônicas de João Saldanha. Um entre tantos valiosos títulos já lançados pela editora "Livros de Futebol". Eis que abro a obra numa página qualquer. Segundos depois estou totalmente envolto e seduzido pela visão singular de um dos personagens mais interessantes que o futebol brasileiro já teve. E adivinhem vocês sobre o que versava? Sobre o número excessivo de jogos a que vinham expondo nossos jogadores. Profundo conhecedor do tema e, pelo que pude sentir, sendo ponderado ao estabelecer o que seria aceitável, João Saldanha defendia um máximo de cinquenta e duas partidas por temporada. 

E pensar que nos dias atuais esse número já gira, em situações normais, praticamente cinquenta por cento acima disso. Mas o que me espantou pra valer foi ter visto a data do artigo. De quando acham que seria? Imaginem aí um ano qualquer. Chutem. Há quanto tempo acham que um tema urgente desses poderia ter se colocado tão fortemente a ponto de causar grande indignação? Mil novecentos e sessenta e um, caro leitor. Isso mesmo! Há quase seis décadas e meia - bem mais do que meio século - os entendidos bradam que é jogo demais. Enquanto isso os estaduais tão valorosos no passado vão nos dando a impressão de que são apenas um ensaio de futebol.   

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Ô raios!



Só se fala de Neymar. Mas falar de Neymar neste momento não é algo simples. Exige cuidado se a gente não quiser ser injusto, leviano. E se não quiser, claro, simplesmente abraçar o clima de oba-oba. Entendo a empolgação do torcedor como entendo também aquele que ainda não está totalmente convencido de que essa volta não é o sonho que se pinta. As dúvidas poderiam muito bem ser embasadas com perguntas simples. Até quando? A que custo? E quando se diz custo pode não significar exatamente dinheiro. E não soa descabido imaginar ainda que o torcedor mais ressabiado poderá se perguntar também: com que comportamento? 

Só os mal intencionados, ou mal informados, negariam o papel de Neymar no futebol brasileiro. Há bem mais de uma década ele se fez seu principal nome em atividade. Vinicius Júnior que me desculpe. E eu sei que muita gente ao ler "em atividade" poderá aproveitar a deixa para esboçar um risinho irônico. A crônica esportiva tem se encarregado de mostrar os números do jogador em sua passagem pela Al Hilal. E eles são realmente de minar empolgações e enfraquecer argumentos no sentido contrário. Mas correto é analisar o todo.  E ao analisar o todo não só colocamos Neymar no lugar em que ele merece estar como tornamos evidente o papel que as lesões tiveram na carreira dele. 

E aí não há o que dizer. Só um atleta sabe o tamanho da dor, do desafio que elas representam e o quanto limitam a capacidade de competir. Até já ouvi jogadores muito experientes dizerem que o estilo de jogo de Neymar acaba por lhe expor a esse grau de contato. Se tivesse outra leitura de quando estar e não estar com a bola sofreria menos. Mas como sugerir a um atleta como ele a maneira de jogar seria a mais absoluta prepotência, deixo esse tipo de reflexão para quem tem patente para tal. Agora se cito isso é porque ao longo do tempo muitas vezes critiquei Neymar por reter demais a bola, por querer resolver o jogo sozinho, como se diz. 

Acontece que faz tempo que ele passou a ser a referência. Normal que o time queira jogar para ele. Que ele queira resolver a partida. Cabe ao treinador impor esse equilíbrio. Mas, tendo em vista o contexto, esse aceitar o embate com os adversários também pode ser visto como uma prova de que Neymar nunca se escondeu, sempre exerceu o papel que sua envergadura pedia. De qualquer forma a história parece ter jogado a favor do Santos. Prefiro enxergar a coisa mais por esse vértice, do que enveredar por um discurso que recorra a um certo sentimentalismo para explicar o que está se dando. Que as partes têm uma forte ligação sentimental é óbvio. Mas se o mercado da bola estivesse sorrindo para Neymar o caminho seria traçado, creio, de um jeito bem diferente. O que não significa dizer que se não viesse para o Santos não teria onde jogar, por favor. Neymar se fez o jogador mais caro do mundo, um fenômeno nas redes digitais que tanto amplificam celebridades. Mas no campo, esse lugar tão sagrado, o apogeu de alguma forma parece lhe escapar. Seja como for,  o raio voltou a cair na Vila Belmiro ainda que dessa vez conduzido não pela natureza, mas pelas loucas tramas do destino.