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Alexsandro Ribeiro |
Nem um outro esporte consegue ofertar o nível de fantasia do futebol. Sei que se trata de uma afirmação que pode soar pretensiosa. E de que é também algo impossível de ser apurado com precisão. Mas não nego, claro, essa virtude a outras modalidades. Talvez seja o caso apenas de admitir a intensidade com que ela se dá, essa contundência singular que ela ganha quando se trata do jogo de bola. O que num primeiro momento poderia vir a ser explicado pelas cifras cada vez maiores que movimenta, pela representatividade que tem em nossa cultura e mais um sem fim de outros detalhes. Mas sou levado a crer que nada alimenta mais esse viés de fantasia do que as histórias de superação que desde sempre o futebol desenhou.
E a capacidade de fazer o brasileiro fantasiar é tamanha que todo mundo por aí deve conhecer um pai que, mesmo sendo o sujeito mais ponderado do mundo, diante dos primeiros dribles do filho passou a desconfiar de que poderia, quem sabe, ter em casa um novo Pelé. Não deixo de reconhecer também e, principalmente, que neste nosso país em que a miséria assombra tantos brilhar no mundo da bola acaba sendo a única coisa capaz de alimentar o sonho de conquistar uma vida, mais do que digna, abastada. E foi pensando em um amigo que anda empolgado com os primeiros lances uniformizados do filho e em duas histórias sobre as quais li nos últimos dias que me veio esse questionamento sobre a capacidade que o futebol tem de fazer as pessoas acreditarem no improvável.
A primeira dessas histórias foi a do zagueiro Alexsandro Ribeiro, de vinte e cinco anos, o nome menos conhecido entre os convocados para defender a Seleção na primeira lista anunciada pelo técnico Carlo Ancelotti. Mais velho de cinco irmãos. Companheiro de Vini Jr no Flamengo nos tempos de moleque. Alexsandro foi criado numa comunidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde a mãe para sustentar os cinco filhos trabalhava perto de um lixão. Sem espaço, deixou o Flamengo. Fez teste em mais de dez clubes. Entre eles Vasco e Botafogo. No Fluminense durou dois meses. Acabou dispensado. Até que um ex-treinador que o comandou num time sub-20 teve a chance de ir para o Portugal e acabou o levando também. Era, sem que ele soubesse, o início da redenção de alguém que trabalhou em obra, na feira, cortando grama e que viveu como catador de latinhas.
Mas o que me chamou a atenção foi Alexsandro em uma de suas entrevistas ter dito que o que o atrapalhou na fase de maturação do flamengo foi, e aí palavra minha, fantasiar. Eu fiquei vivendo um sonho, disse ele. Dias depois dei da cara com a matéria que falava de um outro personagem, uma outra história do tipo. A de Denílson Nascimento, atacante baiano, apresentado na matéria como o "Ronaldo das Arábias". Um baiano que perdeu a mãe aos seis anos, viu o pai sair de casa pouco depois. O que o separou das duas irmãs que foram morar com famílias diferentes. Viveu em orfanatos. Vendeu picolé, verduras, fez de tudo um pouco, até desaguar no futebol tardiamente. Sem ter passado por times de base e com séria deficiência técnica, que trataria de corrigir ao longo do tempo. Em duas décadas e meia de carreira desvendou mercados, foi parar no PSG e virou até o maior goleador da história do Mundial de Clubes até ser desbancado pelo uruguaio, Luís Suarez, em 2015. É provável que você nunca tenha ouvido falar dele. Normal. Denílson mesmo tratou de dizer que entrou no futebol como saiu. Sem ninguém ver. Só não acredito que tudo isso fosse possível se o futebol não tivesse essa imensa vocação para provocar fantasias.
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