Existem muitas teorias que tentam explicar o rumo que o futebol tomou. Uma das mais defendidas é aquela que prega que o fim dos campos de terra, expressão máxima da várzea que outrora cansou de revelar talentos, contribuiu deveras para o empobrecimento do jogo. Difícil combater o argumento. A expansão imobiliária notadamente roubou espaços preciosos nesse sentido e confinou a molecada em quadras, sejam elas as dos prédios ou as de society. Abençoados sejam os meninos que têm ainda uma praia pra usar como cenário de suas peladas.
Notem que jogar bola em um gramado natural e em campo grande virou um luxo total. Conheço muita gente que joga - e jogou bola - e nunca teve tamanho privilégio. É fato que a várzea também mudou. Está longe de ser só passado. Em uma cidade como São Paulo ela pulsa, mobiliza multidões, dá identidade a certas comunidades, preservando o ar que tinha em outros tempos. E é, muitas vezes, uma várzea requintada se comparada à de antigamente. Paga bons cachês. Atrai jogadores profissionais recém aposentados. Vira e mexe migra para estádios pequenos como o da Rua Javari, na capital paulista.
Por essas e outras uma manchete anunciando que o jogador considerado o número um da várzea paulista acabara de ganhar a chance de disputar a Série B do Campeonato Brasileiro me chamou a atenção outro dia. O craque em questão é, Gabriel Mendes, de vinte e nove anos, que chegou lá sem jamais ter passado por uma categoria de base do nosso futebol. Gabriel é o mais novo reforço do Avaí. E conseguiu a chance depois de ter ido jogar no ano passado no Santa Catarina para disputar a segunda divisão estadual. Lá foi vice-campeão e eleito o melhor meia do torneio.
Antes disso a melhor chance que tinha tido foi disputar a quarta e última divisão do futebol paulista. Passagem que durou onze jogos. Mas tão valoroso quanto o talento de Gabriel foi uma das declarações dadas por ele que, a meu ver, explica muito certas carências do nosso futebol atual. Nela o meia explicou a razão que o fez apostar na várzea e não nas categorias de base. Ele se considerava magrinho demais e isso o faria ser preterido. Era a crença que tinha pelo que conhecia desse universo. E apurou com ainda mais lucidez nossa realidade ao dizer que não queria viver o processo para ser jogador profissional. Um processo que ele sabe que precisa ser vivido.
Em seguida se declarou um apaixonado pela várzea e prometeu na Série B ter o mesmo foco que teve para desenhar a trajetória que o trouxe até aqui. Nesse mercado - que Gabriel conhece tão bem - os valores recebidos no futebol amador ou nas categorias profissionais inferiores praticamente se equivalem. E foi se equilibrando entre eles que viveu todos esses anos. Mas a grande contribuição dessa história é sugerir uma reflexão sobre as categorias de base que ditam o rumo do nosso futebol.
Não é preciso ser profundo conhecedor do tema pra entender que há um sem fim de condições exigidas da meninada. Exigências que passam por questões físicas, econômicas, e que muitas vezes esnobam o dom, o talento. Quero crer que para muito além de São Paulo onde a várzea, é preciso ressaltar, ostenta uma força singular, seguimos sendo um país imenso cheio de meninos bons de bola. Uma revisão de processos e de valores certamente faria, além de Gabriel Mendes, muitos outros passarem por essa peneira disfarçada e invisível que vem ditando o futuro do futebol brasileiro.
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