quinta-feira, 30 de maio de 2024

O futebol é indomável





Às vezes, enquanto o jogo se desenrola me pego tentando achar em campo as tais linhas. E lhes digo sem medo de errar que não são poucos os momentos em que elas desaparecem sem deixar o mínimo vestígio. Os jogadores vão se movendo de acordo com a realidade que se impõe e que pelo visto atropela qualquer ensaio. A ausência delas ali, ordenadas, indo e vindo, me fazem pensar na natureza indomável do futebol que vira e mexe desde os primeiros minutos dissolve esquemas que pareciam infalíveis. Por isso outro dia quando ouvi o técnico Rogério Ceni dizer depois de um jogo do Bahia que todas as ideias em campo eram dele, me pus a coçar a cabeça. Não estranhem. Sou dado desde que me conheço por gente a me entregar a questões que em outras cabeças jamais teriam lugar. 

Talvez com tudo o que ele sabe - porque sabe do jogo bem mais do que eu - venha a me convencer de que isso é realmente possível. Acho difícil. E olha que costumo acreditar em cada coisa que nem te conto.  Mas, carente de explicação, não vejo outra forma de interpretar o que foi dito que não seja como uma frase mal construída. Os mais impiedosos apontariam nela prepotência. Mas não vamos nos dar a futricas. E isso não tem nada a ver com o Bahia que anda dando gosto de ver e, enquanto o Brasileirão hiberna, dorme lá na vice-liderança com os mesmo treze pontos do líder Athlético Paranaense. Se me interessei pelo tema é porque acredito que  em torno dele podem orbitar respostas para o que andamos vendo. 

Não é de hoje que se acusa os treinadores de impor aos elencos um modo de jogar. O que nestes dias que correm não expõe Rogério Ceni porque o time dele está jogando bem, mas dá boas pistas de como ele espera que seus comandados se comportem. É tudo uma questão de retórica. Ceni fatalmente dirá que foi mal compreendido por mim, que acho que ter dito esquema, e não ideias, seria mais apropriado, mais crível. Na ocasião ele exaltava o meio-campista Cauly. Disse, inclusive, que tinha construído o sistema de jogo para o seu camisa 8. Mas eu já havia até esquecido dessa frase como um bom mote quando ouvi a coletiva do técnico Tite depois da vitória sobre o Amazonas pela Copa do Brasil. Jogo em que o rubro-negro mais uma vez esteve longe de brilhar. E aí o tema me voltou revigorado. 

Foi interessante ouvir Tite, justamente dos técnicos mais cobrados por querer impor um esquema ao time, afirmar que não vai dizer pro Arrascaeta o que ele tem de fazer em campo. Que não vai dizer ao Pedro o que ele tem de fazer. E na sequência ainda complementar o raciocínio dizendo que um técnico só estabelece rotas. Talvez fosse algo nessa linha que Rogério Ceni naquele dia já distante queria ter dito. De qualquer modo, continuo achando que o futebol é dono de uma dinâmica que exige dose cavalar de decisões imediatas. Até por isso o improviso sempre lhe caiu muito bem. E considerarei exagerado e despropositado se dia desses um treinador vier dizer  que todas as rotas em campo são estabelecidas por ele. 

E vou além, estar ciente do quanto um treinador pode influir não só no jogo mas na atuação de um atleta pode ter sido a pedra de toque dos bem sucedidos. Vira e mexe ouço alguém elogiar Guardiola por ter achado o lugar exato onde fulano joga melhor. E isso é outra coisa. A grande graça do futebol, mesmo com todos os esquemas, todos os ensaios, todas as linhas, altas ou não, é que quando a bola rola a gente nem faz ideia do que vai ver se dar em campo. O futebol é indomável.

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