sexta-feira, 17 de maio de 2024

A fronteira que nos separa



Não é de hoje que tem sido difícil atravessar as fronteiras que separam as tardes das noites nos dias em que o futebol europeu mostra todo o seu esplendor.  O torcedor saberá bem do que quero dizer. Sair de um Real Madrid e Manchester City, ou algo que o valha, e pouco depois dar de cara com um jogo da Copa do Brasil ou mesmo do Brasileirão costuma testar nossa crença no jogo de bola. É um tipo de estimulante às avessas. Não bastasse toda a qualidade com que a grana faz o futebol se vestir ainda há um requinte de enredo que, literalmente, só vendo. E não quero cair naquele lugar comum que define esse abismo com a sentença de que a essa altura no velho continente se pratica um outro esporte. Pode até parecer, mas definitivamente não é. 

Sei que ser assim contundente pode só aumentar essa angústia futebolística que vivemos. Mas creio que há um quê de atitude nisso tudo. E grossura também, que eu não seria inocente de afirmar o contrário. Muitas vezes olho um jogo nosso, como aconteceu ainda outro dia, e a impressão que tenho é a de que hoje em dia certos jogadores cumprem os noventa minutos de uma partida com o ânimo de um burocrata. A mínima vantagem é muitas vezes suficiente para que a vontade de um novo gol vire fumaça. E a partir daí toda a opacidade é só consequência. E por falar em impressões. Quero registrar aqui que ao largo de todos os resultados que o São Paulo vem alcançando depois da chegada do técnico Luís Zubeldía há algo de novo na aura que cerca o time. Na maneira de comemorar cada gol. 

Em outras palavras há uma vibração ali que não existia. E talvez ela seja fruto da confiança que Tite sugere que no Flamengo andou minguando. Pensando nas duas coisas seria o caso de perguntar, alimentando aquele velho dilema que  cerca o frescor das bolachas, se alguém fica confiante porque ganha ou se ganha porque está confiante. O futebol sugere que a confiança  é dependente da vitória. Tenho minhas dúvidas. Acho que a confiança pode se alimentar de muita coisa.  E o futebol é intrigante, nos dribla. E digo isso por que até agora não me sai da cabeça uma das cenas que vi justamente num grande duelo do futebol europeu. Foi no jogo em que o poderoso Real Madrid garantiu mais uma vez vaga na final do principal torneio de clubes do mundo ao eliminar o Bayer de Munique.  

Era uma imagem recuperada do momento em que o time madridista, dono da casa, marca o gol da virada. Aquele que lhe daria a classificação. O quadro da imagem mostra ao fundo a explosão da torcida nas arquibancadas e em primeiro plano, de corpo inteiro, vestindo um terno bem cortado  o técnico do time espanhol, Carlo Ancelotti. E ele vê tudo impassível. Não mexe minimamente um braço. Não altera o semblante. Permanece imóvel com as mãos no bolso, ou os braços cruzados, já não estou certo. Mas impassível. Um sorriso, nada. Ao ver aquilo eu, que sempre me achei um cara pra lá de frio para ver jogos de futebol, custei a acreditar. E me peguei pensando que se conseguisse aquele nível de abstração não sofreria tanto para atravessar aqui por estas bandas as fronteiras que separam as tardes das noites nos dias em que o futebol europeu mostra todo o seu esplendor. 

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