quinta-feira, 9 de maio de 2024

Nem tudo passa



Tenho nostalgia das minhas memórias inventadas. Fui desde sempre um apaixonado por história. E por incrível que pareça quanto mais velho fico mais acho que ela é mesmo uma ficção. Se o que fica são as versões, que seja. Mas gosto de desafia-las. E pensando nisso toda vez que estive trabalhando com pesquisas históricas tentei ser o mais fiel possível aos fatos. E o fiz como alguém que tem na mente a certeza de que tudo que estava ali poderia não passar de um drible, de uma versão que colou. No mínimo é preciso crer que por trás das versões que vingaram está alguma virtude, talvez a de se aproximar o máximo possível daquilo que costumamos chamar de verdade. Por isso quando outro dia o presidente do Flamengo afirmou com todas as letras que Zico vai passar minha espinha gelou. 

Entendo, lidar  com as complexidades de ter de administrar a volta de Gabigol decretada por um efeito suspensivo é dessas coisas que fazem qualquer zagueiro se enrolar com a bola. Mas Zico, o lendário camisa 10 da Gávea, foi  esperto e no conforto de quem sabe muito bem que há tempos foi acolhido pela história tirou onda e mandou pra rede. A rede digital, digo. Fez uma postagem em que as palavras pareciam sorrir com escárnio. Escreveu o senhor Artur Antunes Coimbra: eu ouvia, vai passar, vai passar, e acabei passando por todo mundo e fazendo mais um pro Fla. E aí eu lhes pergunto: esse Senhor Landim, jogou onde? Conheço, de a história guardar, um certo Sr Gradim, isso sim. Companheiro de Leônidas no Bonsucesso. Atacante que, aliás, teve curta passagem pelo Flamengo mas que fez dele o autor do primeiro gol do rubro-negro fora do Brasil. Foi num amistoso contra o Peñarol, no Estádio Centenário, em Montevidéu. 

Compreendo que dirigentes se sintam importantes. Não nego que sejam. Mas se um dia entrarem para a história terá sido por outra porta. Mas pra isso terão de ganhar a envergadura de um Vicente Matheus, de um Castor de Andrade ou de um Eurico Miranda, com tudo o que isso guarda de enaltecedor, ou não. Se o mandatário acredita mesmo que uma hora Zico vai passar sugiro a ele que espere sentado. E já que é íntimo das coisas que costumam se desenrolar longe dos olhos da torcida, envolvido em grandes decisões administrativas, não deverá se surpreender se num futuro nem tão distante, de repente, ao olhar pela janela ou ao pousar os olhos em uma notícia qualquer se der conta de que quem passou foi ele. 

E que Zico, o Galinho de Quintino, segue aí amparado por essa alquimia incontrolável que costuma derramar sobre os homens um quê de eternidade. Landim deve ter lá seus ídolos. Pode ter se arrependido da frase mal empregada. Impossível que não perceba que Reinaldo, aquele rebelde atleticano, não passou. Que Pelé mais do que todos, e que já não está entre nós, segue aí também. Jamais vai passar. E que mesmo o rubro-negro Zizinho, que eu citei aqui outro dia e que foi um antecessor do Rei, se olharmos bem pela lente da história não passou. Que Tostão, Rivellino e Gérson, entre tantos outros, não passaram. E jamais vão passar porque visto por esse prisma da história nem tudo passa. E, acima de tudo, será sempre de uma deselegância extrema sugerir que um dia passarão.   

 

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