Ô Zé, não achei que a coisa iria complicar
assim. Desde que essa história de uma vizinhança descontente começou o horizonte se turvou um pouco.
Sei que lei é lei e que ela costuma valer com especial fervor aos que não são amigos, como sugere certa
frase famosa que você já deve ter ouvido. Também imagino que na tua idade a
paciência para desfiar rosários burocráticos quase não exista. Tem sido
triste ver a porta de ferro teu bar cerrada. E
você bem sabe que ultimamente eu vinha sendo, de longe, o menos assíduo dos teus
frequentadores. Mas a mim andava bastando aquele papo breve que volta e meia
travávamos quando eu voltava da feira. Em outros dias, muitas vezes, via de
longe tua imagem com o jornal na mão, de olho nas notícias do teu Corinthians,
em meio ao silêncio do salão vazio, com pouca luz. O custo da energia anda mesmo
pela hora da morte, eu tô ligado. E aquela era uma imagem bacana de ver.
Os que
te difamam provavelmente jamais entenderão por completo o que é um bar. Só os
inocentes e desavisados podem imaginá-los de alma imaculada. E esses tais que
agora andam fazendo questão de que o Bar do Zé Ladrão permaneça com as portas
fechadas jamais souberam compreender a razão que lhe fazia, desde sempre,
levantar as portas tardiamente. Nunca seriam capazes de sacar a tática para
afastar os que infelizmente precisam de um primeiro trago já bem antes do dia
nascer. Pra alguns, bares serão sempre todos iguais. Mas se tô aqui é pra dizer
da tua classe. Os que tiverem coragem que tentem domar um balcão de bar por
décadas a fio, sem perder o prazer no trabalho, sem perder para as próprias
pernas condenadas a amparar o corpo em posição de sentido dia após dia, por
horas a fio.
Tô precisando ir lá - esteja o vosso bar de portas fechadas ou não - porque a primavera chegou e já é passado o tempo de colocar algum adubo no
pequeno naco de terra exposta que sustenta nossa velha pitangueira. Veja só, outro dia
tava passando na calçada contrária e vi um sujeito embaixo dela, olhando pra
cima, com jeito intrigado. Por instinto parei pra observá-lo. De repente, o
sujeito puxou um ramo e o quebrou. Olha, por pouco não fui lá tirar satisfação.
Mas,rapidamente, dei um jeito de me convencer que era só alguém a fim de um raminho pra
quem sabe fazer um chá. Olha Zé! Não sei como andas gastando teu tempo. Se tens
cuidado dos netos e das plantas de casa. Mas sei bem o quanto aquele cotidiano
de sempre deve lhe fazer falta. Já não estou certo de poder sonhar em ver o teu
velho bar de novo de portas abertas. Ainda assim, seguirei teimosamente na
torcida. Ô Zé, que tristeza me dá ver teu velho bar de portas fechadas bem agora
que nossa velha pitangueira floriu.
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