Foi o papel desempenhado
pelo craque português Cristiano Ronaldo que despertou em mim a vontade de falar
sobre a inocência que costuma se embrenhar na imagem que fazemos dos grandes
artistas. Que teçam seu coro de descontentes aqueles que ainda enxergam alguma
divisão entre os que se apresentam nos palcos e os que se apresentam nos
gramados.
Parece existir desde sempre em nós uma dificuldade em aceitar o fato
de que alguém tão talentoso pra alguma coisa possa se revelar totalmente
desinteressante, cheio de defeitos. Nos últimos dias a figura de Cristiano
Ronaldo foi pra mim a personificação desse dilema. Reconheço a genialidade do
gajo com a bola nos pés, a fase realmente estupenda que vinha atravessando,
talvez a melhor de toda sua carreira.
Mas bastava ouvi-lo em alguma coletiva
para que essa sensação me tomasse. Via aquele seu olhar que pouco diz, as
palavras encontradas com certa dificuldade, banais. Da
vaidade nem falo, mas a tomo por gancho para dizer que foi na contramão disso tudo que encontrei alguém cujo
estilo merece ser observado mais de perto. Falo do lateral Ekotto, que nasceu na
França mas defende Camarões, e que roubou a cena num jogo da seleção dele ao
ameaçar um companheiro do próprio time.
Ekotto, não é santo, tem no
currículo uma agressão a um torcedor, mas não esconde de ninguém que joga
futebol por dinheiro. Afirma com todas as letras que não suporta ver jogadores
beijando escudos de times que seis meses depois abandonam sem o menor pudor.
Ekotto é embaixador da ONU contra a pobreza na África, anda por Londres de
ônibus usando o que seria o equivalente ao nosso bilhete único. Toca, na
Inglaterra, um time Sub-12 pra crianças carentes. E não esconde de ninguém que não tem nem o
telefone dos seus companheiros de clube.
É óbvio, não espero que um jogador de
futebol se expresse como um literato, não é isso. Mas, vejam, a capacidade de
se expressar não está só na fala, no toque de bola, está em tudo. Nas ideias que
a gente defende, nas teorias que se abraça, no jeito de encarar a vida. O que
pode ajudar a explicar o sucesso e a representatividade de figuras como
Maradona, Sócrates. Ao colocar tudo isso na balança é que se descobre ao que se
chega, a quem se chega. Cristiano Ronaldo, por exemplo, pra mim, é um jogador de
futebol raro. E nada mais.
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