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Naquela tarde a torcida não perdoou a entrada dura em Pando, o zagueiro do time da casa, e transformou o estádio da Rua Javari num mar de hostilidade para o autor do lance, um garoto de dezenove anos.
Foi com essa idade, e num ambiente assim, que o Rei do Futebol desenhou um dos momentos mais sublimes da carreira.
Quis o destino que o adversário fosse o Juventus. Quis o destino que Homero, Clóvis, Julinho, e o goleiro Mão de Onça, fossem os principais coadjuvantes. Corria o quadragésimo segundo minuto da etapa final. A bola partiu da direita - passe de Dorval - e encontrou o pé de Pelé. O camisa 10 do Santos, com um movimento certeiro, fez com que ela circundasse o corpo de Homero. Já um tanto incrédulo Clóvis resolveu dar o bote. Pra quê? Sentiu até um frio na barriga ao perceber que tinha acabado de tomar um chapéu na entrada da grande área. Pior para o lateral Julinho que, repentinamente, herdou a tarefa de pará-lo e teve que tomar providência em uma fração de segundo. Não teve jeito, recebeu tratamento semelhante. Sem deixar que a bola tocasse o chão,
Pelé havia deixado para trás três adversários, e dado dois chapéus.
Restou ao arqueiro do time da Mooca se atirar na direção dele. Mão de Onça foi o último a tentar impedir o Rei de desenhar sua obra-prima. Batido por um terceiro chapéu... acabou caído, repleto de lama, com olhar um tanto assustado, como mostra a rara foto tirada no dia 02 de agosto de 1959. Quando já não havia mais adversários pela frente, Pelé controlou a bola com a cabeça e a mandou para o gol. O terceiro dele na goleada por quatro a zero. Sua Majestade, como ficaria cada vez mais claro, não gostava de ser provocada.
O gol da Rua Javari é assim. Tem um quê de Capela Sistina. Um quê dos Jardins da Babilônia. Maravilhoso e impalpável. O gol da Rua Javari é um exercício de imaginação que o melhor jogador de futebol de todos os tempos permite que partilhemos com ele eternamente. Não há outro gol tão denso e profundo no nosso imaginário. Nem mesmo os que marcamos quando criança.
Também foi nesse dia distante - prestes a completar meio século - que o Rei do Futebol descobriu o gesto perfeito para comemorar seus gols. Antes disso, um soco no ar nunca tinha sido tão poderoso. Tão cheio de significado.
Tempos atrás esse mítico gol da Rua Javari acabou recriado no computador. Entendo. Temos mesmo em nós essa sede infinita de descobri-lo. Mas não há registro em movimento desse primoroso gol marcado naquele domingo no campo da Javari.
Um capricho da história, que ao permitir que tal acontecimento driblasse todas as lentes de vídeo, o fez ainda mais perfeito.
Foto: Rafael Dias Herrera (A Tribuna)
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