Tarde de sábado. A faixa de areia próxima da Fonte Luminosa, no Gonzaga, ferve. Um grande número de torcedores se aglomera em torno do campo traçado para ser o cenário da decisão do Torneio de Inverno de Futebol de Praia. Alguns que estão ali desceram a serra especialmente pra isso. O que não era raro. Campos Melo e Democrático, dois dos times mais respeitados desse universo futebolístico, fazem um jogo quente e, acima de tudo, disputadíssimo.
O placar registra um empate em dois a dois quando é apontado um pênalti a favor do Democrático, naquele início dos anos setenta dono de um futebol refinado, lembrado com admiração até hoje. Ao soar o apito a bagunça se instaura em forma de descontentamento. Não demora e um sem fim de olhares passam a exigir uma posição do bandeirinha, olhares pra lá de inquisidores, pra dizer o mínimo. Mas ele, valente, ratifica o que tinha sido sinalizado pelo árbitro, ainda que àquela altura fosse quase impossível em meio ao areião distinguir as de linhas de fundo e as da lateral da grande área, local onde o lance se deu.
Fato é que o tal pênalti entrou pra história mas nunca foi batido. Isso porque a revolta dos que se consideraram injustiçados terminou com os tais arrancando as duas traves. E ponto final. Um episódio que sem dúvida alguma não decretou o fim de um momento glorioso mas que possivelmente contribuiu para que ele tivesse parte de seu brilho roubado e, quem sabe, até fosse abreviado. No dia seguinte o espaço em branco estampado em uma das folhas do principal jornal da cidade - com uma legenda avisando que ali deveria estar a foto do campeão - quis ser, antes de qualquer outra coisa, um puxão de orelha. E foi.
Tudo muito passional como sempre foi a receita do jogo de bola. Fiz questão de resgatar essa passagem, já que andei falando tanto do Futebol de Praia, porque ela é um ótimo exemplo do quanto pode ser decisivo o papel da torcida para o futebol. É tênue demais, e sempre foi, essa linha que separa o ato de torcer que enaltece daquele que mancha, agride e fere o futebol. E em certo sentido não deixa de ser exatamente o que temos visto acontecer com o futebol dito profissional. Nós que há tempos temos sido condenados a jogos com torcida única. Uma realidade triste, provocada por alguns, mas que a todos condena.
Sem a paixão não teria existido o Futebol de Praia com aquele esplendor, aquele clima que nas últimas semanas tentei resgatar. Mas essa mesma paixão não deixou de lhe roubar o brilho, como disse. E se voltei ao tema foi instigado por uma pesquisa divulgada dias atrás que apontou que atualmente quase quatro em cada dez torcedores têm como seu mais de um time. Isso mesmo, torcem para dois times ou mais. Ainda que o segundo, muitas vezes, seja gringo. Para mim uma grande prova de que o torcedor, assim como o futebol, está em constante mutação. Além disso, o tema da pesquisa, como podem ver, me foi também uma boa oportunidade para não deixar passar em branco o papel que a torcida teve - para o bem e para o mal - na saudosa época em que o Futebol de Praia reinava.
* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP
2 comentários:
Caro Vladir, boa tarde, essa pesquisa citada no texto está disponível?
Obrigado
{Sou o chato que vive pedindo o Gérson Canhotinha de Ouro no Cartão Verde}
Hugo, vou procurar aqui e te falo.
Mas creio que sim. Recebi via e.mail.
Abs
Postar um comentário