Foto ilustrativa - Fonte: giginarede.blogspot.com |
Ele domina a bola. O burburinho em torno do campo diminui. Respirações que se rearranjam. Prova do suspense que o lance suscita. A linha que ele traça não é a mais curta em direção ao gol, mas ninguém duvida que seja a melhor. Sabem do que é capaz. Os dribles vão se sucedendo. E agora o efeito se dá ao contrário. O barulho da torcida aumenta. Os zagueiros ficaram para trás. Resta o goleiro, arrancado do lance com um corte a sugerir uma lâmina. Chuta, chuta. A sugestão para o desfecho é pedida em tom de desespero. Como se Peirão, o homem com a bola, não soubesse o que fazer com ela. O camisa dez não ouve nada. Só pensa no lateral que, com o canto do olho, vê se aproximar em velocidade, e que justifica as súplicas de quem assiste a tudo. Ameaça chutar. E o instinto do adversário o faz usar a única arma possível: se atirar, dar um carrinho. Mas a bola no instante seguinte está no ar, levantada com sutileza, enquanto o pobre lateral cumpre - já um tanto envergonhado - sua trajetória. Vai parar longe. Não sem antes ter dado outro quilate ao gol mais bonito da carreira daquele que semana passada chamei de o Rei da Praia. Foi contra o Praia Grande, em setenta e três, ano em que o Campos Melo se sagrou campeão.
Mas saibam vocês que muito antes de Peirão brilhar já ia na praia ver um jogador: Carlos Prieto, o Gigi, naqueles idos dos anos sessenta estrela do Nautico. Tempos depois, quando Peirão passou a fazer o que fez, Gigi tinha bons motivos para não se espantar. Conhecia o garoto desde os tempos de juvenil no futebol de salão do clube Internacional. E também porque o futebol de praia nunca teve segredos para ele que ajudou a fundar a Liga e que hoje se orgulha, com razão, de um dia tê-la visto com mais de dois mil e quinhentos inscritos. Mas talvez a grande prova de que aqueles foram anos de ouro seja a questão que os dois fazem de dizer - e que num primeiro momento pode parecer um arroubo de humildade - que não eram os únicos, que tinha muita gente boa. Argumento reforçado pelo fato de na época terem sido raros os bicampeões.
Gigi, creiam, nunca gostou de calçar chuteiras. E por ser alto acabou centroavante depois de ter começado como meia. Peirão, segundo o amigo, fazia lembrar o Sócrates, pela inteligência. Não deve ter sido à toa o flerte com a medicina. E Peirão, por sua vez, gostava da área mas não de ficar parado por lá. Os dois nunca deixam de lembrar que futebol de praia não é futebol de areia. E que há um abismo que o separa do futebol de várzea. E eu, bom, só faço questão de dizer que a cátedra do jogo de bola jamais será privilégio de profissionais.
* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP
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