O futebol seria bem menos grandioso não fossem as figuras que orbitam em volta dele. E não falo só daquelas que lhe entregaram a vida. Nesse sentido guardo bem comigo a figura de Hilário, torcedor símbolo do Jabaquara, a quem um dia acompanhei em uma ida ao estádio para extrair dessa breve convivência uma reportagem. A imagem do velho barbeiro refletida nas águas do canal tremulando uma enorme bandeira amarela e vermelha nunca mais me saiu da cabeça. Foi por causa de figuras assim - e de outros tantos anônimos - que o futebol transbordou das quatro linhas e invadiu o nosso cotidiano com tamanha graça.
Vejam vocês até a Dona Lúcia, aquela que
mandou uma carta pro Felipão depois do fatídico sete a um, pedindo anonimato, e
que Parreira numa das cenas mais patéticas da história recente do futebol
decidiu desavisadamente tirar dele, até a Dona Lúcia contribuiu de alguma forma
pra enriquecer o universo do futebol. Pra dar a ele esse verniz humano que lhe
faz tão bem. Mas eu queria falar mesmo era da Dona Vera Lúcia, a mãe do atual
menino prodígio do futebol brasileiro, o Gabriel Jesus. Vera Lúcia, pelo que li,
foi empregada doméstica e se encarregou de fazer o papel de mãe e o de pai.
Criou sozinha os filhos e os netos. E esta semana voltou às manchetes lembrada
pelo filho famoso.
Gabriel contou que Dona Vera Lúcia não entrou nessa de
empolgação. Mesmo vendo o filho estrear na seleção principal e virar o
destaque da partida mandou ele prestar atenção pra não ficar impedido.
Gabriel, abençoado. Não é de hoje que acompanho futebol e te digo, sem
pestanejar, que já vi muito marmanjo consagrado por aí que se tivesse recebido
um conselho desse em casa - e tivesse obedecido - teria ido além. Dona Vera
Lúcia também pôs a maior fé de que a empolgação não lhe subirá à cabeça do
menino. Sei que não é fácil segurar a onda. Você mesmo fez questão de lembrar
que três anos atrás estava jogando na várzea. Depois de muita grana não é fácil seguir
sendo o mesmo, como o próprio Neymar admitiu semanas atrás. Mas a mudança não
precisa ser pra pior, entende?
O futebol com seu paternalismo exagerado já fez
muitas vítimas. E continua fazendo. Gabriel, te digo, és um iluminado por ter a
mãe que tem. Dê ouvidos a ela. Se eu tivesse sua idade também acharia esse meu
papo careta. Mas se você tivesse a minha iria achar um baita toque. O único
detalhe é que quando você tiver a minha idade será tarde demais pra você
perceber. Lembranças minhas à Dona Vera Lúcia.
Foto: Rodrigo Faber
Foto: Rodrigo Faber
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