sexta-feira, 8 de maio de 2015

Retrato de um santista




No domingo não fez questão de acordar cedo. Como bom santista fez questão de ir à praia. E de lá voltou com o corpo salgado do mar. Quando a mulher avisou que o almoço estava pronto perguntou também se ele ainda iria tomar banho. De primeira respondeu que não. Faria questão de manter o sal na pele que era um tipo de mandinga pra ajudar o Peixe. Comeu massa. Ignorou solenemente os amigos palmeirenses que no decorrer da semana insistiam naquela conversa normalmente desfiada por quem se acha com mais motivo pra sorrir do que os outros. 

Não, ele não era um fanático, longe disso. Mas o que estava em jogo ali era um tipo raro de decisão. Sentimento que nos últimos dias os jornais tinham insistido em noticiar. Desde os idos de mil novecentos e bolinha não se via o Santos e o Palmeiras num momento desse. Mas o que lhe fazia ficar circunspecto não era o fato do time adversário ser sabidamente aquele que mais tinha sido capaz de encarar o melhor Santos de todos os tempos. Isso nem tinha sido no tempo dele. Também não se importava com as estatísticas que revelavam um Palmeiras bem sucedido no gramado da Vila. Não!. É que mais uma vez aquela aura mística tinha se revelado e o time praiano - mesmo sustentado por jogadores rodados - estava novamente com seu jeito moleque. E só um santista é capaz de entender perfeitamente que esse jeito moleque tão falado tem menos a ver com a idade e mais com o espírito. 

Não chamou os amigos. Não se importou quando a casa se revelou vazia. Assistiu a tudo solitariamente. E não cometam o erro de achá-lo triste. Não mesmo. É que jogo importante é melhor assim. Mil vezes assim do que cercado de gente falando pelos cotovelos. Solitariamente se rendeu à importância de Robinho. Praguejou quando viu o Santos perder espaço no início do segundo tempo. Não suportava a ideia de perder pro Valdívia. Pouco depois, quando mudou de canal e acabou traído pela algazarra que chegava da vizinhança adiantando o que a imagem da TV dele ainda não tinha revelado, relevou, conformado em perceber naquilo uma comunhão tardia e também uma maneira de sofrer um pouco menos. E ao ver o chute de Lucas Lima colocar o Santos num lugar em que o Palmeiras já não poderia alcançá-lo, acertou a respiração com prazer, curtiu o triunfo. Sentiu uma ponta de orgulho do jeito malandro como o time foi dirigido. Foi tomar banho, tirar, enfim, o sal do corpo. Não foi pra Praça da Independência comemorar, mas estava lá. 

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