Era uma vez uma conversa sobre futebol em uma mesa de bar. Lá pelas tantas o
sujeito da direita - que não chega a ser íntimo das coisas da bola mas é exímio
conhecedor do que vai na cabeça dos homens - sentenciou que de nada adianta esse
blá blá blá sobre o futebol porque quando o cabra cisma com uma coisa não há
Galvão Bueno e nem Nelson Rodrigues que o faça
mudar de ideia. Diante do ar interrogativo semeado no semblante dos presentes
foi tentando se explicar. Disse que o homem
dado a esse tipo de distração na hora em que vê a cena faz dela um juízo e, a partir dali, ninguém mais consegue
convencê-lo do contrário. Se deu um silêncio.
Diante de tamanha reflexão
não havia
escapatória e todos decidiram dar mais um gole em seus líquidos. Provocador, o
calvo de óculos redondos à esquerda foi
logo colocando a pensata do amigo à prova. Como assim? Se tudo o que se faz e
hoje em dia é justamente mudar de ideia? Pegou o copo com precisão de dar inveja
em muito centroavante, mandou mais um pouco do Jack Daniels pra dentro, e
prosseguiu dizendo que hoje a gente acha que viu uma
coisa
e no
segundo seguinte o cara da TV dispara o bendito do replay e pronto! A cena do
jogo fica mais é parecendo um detalhe do Lago dos Cisnes, aquele balé famoso. E
aí, como
saber se aquele esbarrão, aquela cutucada no ombro ou aquele toquezinho com o bico da
chuteira tinham mesmo sido merecedores de todas as acusações?
Eu, que não estava
nem à direita e nem à esquerda, não queria ficar de fora.
Mas fui pego um tanto desprevenido. Não esperava que um encontro rotineiro se
revelasse tremendamente filosófico. O que me ocorreu, estou ciente, não era nenhuma Brastemp, mas era o que tinha no momento.
Disse que não achava impossível que se mudasse de ideia a respeito de certas
convicções mas que o que complicava o quadro pra maioria é era ter de lidar com a carga
emocional ali embutida. O que faz cada um puxar a sardinha pro seu lado.
E pra
honrar o verniz catedrático do papo finalizei, olhando nos olhos do amigo à direita,
assegurando que o problema dos homens não era exatamente não mudar de ideia e
sim ver tudo apenas pelo vértice que lhes interessa. E disse assim mesmo, com jeito blasé,
citando os homens como se eu não fosse um deles. E quanto mais a noite
ficava profunda, mais a conversa ficava sem saída. Então, fui tocando de lado,
evitando grandes lançamentos. E dei um jeito de resistir quando a
curiosidade quase me fez pedir à roda uma opinião
sobre o impedimento do Robinho, do Palmeiras, no jogo do
último domingo contra o Santos. Mas desisti, preferi
foi pedir a saideira. Concordando secretamente
com o sujeito da direita. Quem já formou juízo não vai mudar
de ideia.
* Foto: cena do filme "Boleiros", de Ugo Giorgetti
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