segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O triunfo do surfe


Do mesmo jeito que lembro com carinho das peladas da minha infância lembro do que fazíamos depois de ter descoberto o prazer de surfar. As primeiras pranchas eram de isopor. E as chamadas Rio-Santos as mais desejadas. Um clássico. Mas não bastava ter uma. Era preciso turbiná-la. A primeira medida, então, era serrar uma espécie de leme que elas tinham e que ia de cima a baixo. Feito isso passávamos a ter um bloco perfeito. Depois íamos pra feira atrás de madeira. A preferida vinha das caixas de uvas. Nela desenhávamos as quilhas. Duas. Ninguém ainda tinha ouvido falar em triquilhas. 

Serrávamos, passávamos verniz para que não encharcassem em contato com a água. E para fixá-las usávamos cola Araldite, o que exigia misturar dois componentes. A resina e o endurecedor. Pra finalizar usávamos um pedaço de cano rígido que atravessávamos próximo a rabeta. Por ele passava aquele que faria o papel da cordinha. Em geral, um pedaço de varal. Como amarrar isso direto na canela significaria arruiná-la, pegávamos uma meia velha, macia, e deixávamos que ela fizesse o papel do velcro. Pronto! Era um equipamento jurássico. Mas guardo bem na memória imagens de amigos surfando ondas incríveis com elas. O rei das Rio-Santos pra mim e pro meu irmão era um garoto apelidado de Pinga. Nessa situação não havia propriamente manobras e sim um exercício de habilidade para driblar a ausência total de tecnologia. 

Nos últimos dias cultivei junto com a torcida por Gabriel Medina a esperança de poder colocar essas memórias aqui. Sabia que nosso primeiro título mundial, além de tudo, abriria essa possibilidade. E acho que daqui pra frente serão muitas as oportunidades para falar sobre esse esporte tão bonito, tão fascinante. Nasci em São Paulo, mas minha família mudou pra beira-mar quando eu tinha pouco menos de dois anos. Considero desde sempre essa chance de ter descoberto o mar e seus ensinamentos  um dos maiores presentes que recebi na vida. 

Pra mim essa conquista do jovem Gabriel Medina dá sentido à muita coisa. Ao orgulho que sinto da história que Santos tem com o surfe. Ao fato de ter saído do litoral norte paulista - tão emblemático para os amantes desse esporte - nosso primeiro campeão mundial. E, ainda por cima, de Maresias! Mas não consigo ser de outro jeito. Trato o surfe como trato o futebol, com certo romantismo. Não é fácil fugir do próprio estilo. O surfe definitivamente está na  moda. Invadiu a grande mídia. Está decretado, desde agora, um antes e um depois de Medina. Ele tem tamanho, estilo e juventude pra isso. Mas espero que aqueles que cuidam do surfe jamais esqueçam o que o surfe foi, o que o surfe é. Pra que ele jamais faça o papel que o futebol brasileiro anda fazendo. Pra que jamais digam um dia que o surfe perdeu a alma. 

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