Do mesmo jeito que lembro com carinho das peladas da minha infância lembro do
que fazíamos depois de ter descoberto o prazer de surfar. As primeiras pranchas
eram de isopor. E as chamadas Rio-Santos as mais desejadas. Um clássico. Mas não
bastava ter uma. Era preciso turbiná-la. A primeira medida, então, era serrar
uma espécie de leme que elas tinham e que ia de cima a baixo. Feito isso
passávamos a ter um bloco perfeito. Depois íamos pra feira atrás de madeira. A
preferida vinha das caixas de uvas. Nela desenhávamos as quilhas. Duas. Ninguém
ainda tinha ouvido falar em triquilhas.
Serrávamos, passávamos verniz para que
não encharcassem em contato com a água. E para fixá-las usávamos cola Araldite,
o que exigia misturar dois componentes. A resina e o endurecedor. Pra finalizar
usávamos um pedaço de cano rígido que atravessávamos próximo a rabeta. Por ele
passava aquele que faria o papel da cordinha. Em geral, um pedaço de varal. Como
amarrar isso direto na canela significaria arruiná-la, pegávamos uma meia velha,
macia, e deixávamos que ela fizesse o papel do velcro. Pronto! Era um
equipamento jurássico. Mas guardo bem na memória imagens de amigos surfando
ondas incríveis com elas. O rei das Rio-Santos pra mim e pro meu irmão era um
garoto apelidado de Pinga. Nessa situação não havia propriamente manobras e sim
um exercício de habilidade para driblar a ausência total de tecnologia.
Nos
últimos dias cultivei junto com a torcida por Gabriel Medina a esperança de
poder colocar essas memórias aqui. Sabia que nosso primeiro título mundial,
além de tudo, abriria essa possibilidade. E acho que daqui pra frente serão
muitas as oportunidades para falar sobre esse esporte tão bonito, tão
fascinante. Nasci em São Paulo, mas minha família mudou pra beira-mar quando eu
tinha pouco menos de dois anos. Considero desde sempre essa chance de ter
descoberto o mar e seus ensinamentos um dos maiores presentes que recebi na
vida.
Pra mim essa conquista do jovem Gabriel Medina dá sentido à muita coisa.
Ao orgulho que sinto da história que Santos tem com o surfe. Ao fato de ter
saído do litoral norte paulista - tão emblemático para os amantes desse esporte
- nosso primeiro campeão mundial. E, ainda por cima, de Maresias! Mas não consigo ser de outro jeito. Trato o
surfe como trato o futebol, com certo romantismo. Não é fácil fugir do próprio
estilo. O surfe definitivamente está na moda. Invadiu a grande mídia. Está
decretado, desde agora, um antes e um depois de Medina. Ele tem tamanho, estilo
e juventude pra isso. Mas espero que aqueles que cuidam do surfe jamais esqueçam
o que o surfe foi, o que o surfe é. Pra que ele jamais faça o papel que o
futebol brasileiro anda fazendo. Pra que jamais digam um dia que o surfe perdeu
a alma.
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