Não gosto de drama. Muito
menos de usar truques pra segurar o leitor. Por isso vou logo avisando que
ninguém morreu. Mas tem sido como se tivesse. A essa altura você pode estar
pensando num sem de figuras que frequentam o pedaço. Alfredinho Juventino, o Tio
e por aí vai. Acalmem-se, estão todos salvos, com o humor intacto, não se
preocupem. Mas preparem-se que o fato é triste.
Na manhã da última
segunda-feira, pouco depois que o Seo Zé levantou a velha porta de ferro dando
por inaugurado mais um dia de labuta, pintou polícia na área. Não a polícia que
você está pensando. Pintou por lá a Florestal pra dar uma enquadrada no português. Logo
no Português que todo mundo sabe cuida da pitangueira que fica em frente ao bar
como quem cuida de uma criança. Bom, depois de um rebuliço danado não teve jeito
e os homens foram embora levando uma figura lendária, o grande símbolo do lugar,
Fred, o velho e genioso papagaio.
Não houve argumento capaz de salvar o Zé dessa
forçada e trágica separação. Os homens da lei não quiseram saber se era verdade,
ou não, que a união já beirava os vinte e poucos anos. Difícil foi dar a notícia
para o papagaio, não o bicho, o boa praça, figura das mais queridas da casa e o
único, além do Zé, a quem o bicho dava certa confiança. Papagaio, o homem,
pegava Fred quando quisesse. E o bicho - era fácil notar - se derretia. Bacana
de ver. Era impossível não ficar até com certa inveja dessa intimidade. Mas a
todos os outros qualquer tentativa de intimidade acabava mesmo em bicadas, que
inevitavelmente colocavam os mais atirados em seu devido lugar.
Fred era também
o elo de ligação com as crianças que, ainda sem idade pra entender tudo o que se
passa num boteco, iam até lá pra ver o bicho. E com alguma sorte ganhavam do dono do bar um
pedaço de fruta pra dar pra ele. Os mais impiedosos dizem ter certeza de que foi
obra de algum eco-chato ou de alguém " que vai votar na Marina". Sabe como é... na
dor falamos coisas terríveis. Nunca suportei ver um bicho preso. Mas me
acostumei com a presença de Fred. Achava incrível acompanhar os seus passeios de
cabeça para baixo pelo vitrô de ferro acima da porta, sempre com a intenção
de acompanhar mais de perto quem tinha pedido alguns amendoins pra acompanhar a
birita. Seu olhar pidão sempre lhe garantia algum agrado. Esperto esse Fred.
Acredito que se ele pudesse falar mesmo, falar tudo, teria dito
aos meganhas pra não lhe encher o saco. A minha tristeza é não ter a certeza de que o
velho Fred, a essa altura da vida, consiga ser feliz longe dali. Mas é possível.
Fico aqui pensando: será que papagaios se dão com maritacas? Que bom seria, o
bairro anda cheio delas. Vou perguntar pra um amigo biólogo se é possível. Se
for, vou torcer pra um dia desses quando o Zé menos esperar, ao abrir o Bar, dar de cara com o Fred pousado num galho da pitangueira. Um tanto mudado, de
penas mais longas, asas recuperadas. E é bom que se diga que cortar as asas dos
outros é coisa que não se deve fazer com ninguém. Mas imaginem só que loucura! De repente, o Zé Ladrão e o Fred cara a cara de novo. O Zé com os olhos cheios de água e o Fred,
falando baixinho pra ninguém ouvir:
_ Zé, não
chora. Me deram a liberdade, mas meu lugar é aqui.
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