sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Luto no Bar do Zé Ladrão


Não gosto de drama. Muito menos de usar truques pra segurar o leitor. Por isso vou logo avisando que ninguém morreu. Mas tem sido como se tivesse. A essa altura você pode estar pensando num sem de figuras que frequentam o pedaço. Alfredinho Juventino, o Tio e por aí vai. Acalmem-se, estão todos salvos, com o humor intacto, não se preocupem. Mas preparem-se que o fato é triste. 

Na manhã da última segunda-feira, pouco depois que o Seo Zé levantou a velha porta de ferro dando por inaugurado mais um dia de labuta, pintou polícia na área. Não a polícia que você está pensando. Pintou por lá a Florestal pra dar uma enquadrada no português. Logo no Português que todo mundo sabe cuida da pitangueira que fica em frente ao bar como quem cuida de uma criança. Bom, depois de um rebuliço danado não teve jeito e os homens foram embora levando uma figura lendária, o grande símbolo do lugar, Fred, o velho e genioso papagaio. 

Não houve argumento capaz de salvar o Zé dessa forçada e trágica separação. Os homens da lei não quiseram saber se era verdade, ou não, que a união já beirava os vinte e poucos anos. Difícil foi dar a notícia para o papagaio, não o bicho, o boa praça, figura das mais queridas da casa e o único, além do Zé, a quem o bicho dava certa confiança. Papagaio, o homem,  pegava Fred quando quisesse. E o bicho - era fácil notar - se derretia. Bacana de ver. Era impossível não ficar até com certa inveja dessa intimidade. Mas a todos os outros qualquer tentativa de intimidade acabava mesmo em bicadas, que inevitavelmente colocavam os mais atirados em seu devido lugar. 

Fred era também o elo de ligação com as crianças que, ainda sem idade pra entender tudo o que se passa num boteco, iam até lá pra ver o bicho. E com alguma sorte ganhavam do dono do bar um pedaço de fruta pra dar pra ele. Os mais impiedosos dizem ter certeza de que foi obra de algum eco-chato ou de alguém " que vai votar na Marina". Sabe como é... na dor falamos coisas terríveis.  Nunca suportei ver um bicho preso. Mas me acostumei com a presença de Fred. Achava incrível acompanhar os seus passeios de cabeça para baixo pelo vitrô de ferro acima da porta, sempre com a intenção de acompanhar mais de perto quem tinha pedido alguns amendoins pra acompanhar a birita. Seu olhar pidão sempre lhe garantia algum agrado. Esperto esse Fred. 

Acredito que se ele pudesse falar mesmo, falar tudo, teria dito aos meganhas pra não lhe encher o saco. A minha tristeza é não ter a certeza de que o velho Fred, a essa altura da vida, consiga ser feliz longe dali. Mas é possível. Fico aqui pensando: será que papagaios se dão com maritacas? Que bom seria, o bairro anda cheio delas. Vou perguntar pra um amigo biólogo se é possível. Se for, vou torcer pra um dia desses quando o Zé menos esperar, ao abrir o Bar, dar de cara com o Fred pousado num galho da pitangueira. Um tanto mudado, de penas mais longas, asas recuperadas. E é bom que se diga que cortar as asas dos outros é coisa que não se deve fazer com ninguém. Mas imaginem só que loucura! De repente, o Zé Ladrão e o Fred cara a cara de novo. O Zé com os olhos cheios de água e o Fred, falando baixinho pra ninguém ouvir:

_ Zé, não chora. Me deram a liberdade, mas meu lugar é aqui.

Nenhum comentário: