Toda vez que um carnaval chega ao fim eu me lembro da bela "Marcha da quarta feira de cinzas", música de Carlos Lyra. A versão que trago cravada na memória é interpretada por Vinicius e Toquinho. Obra de um lirismo absurdo. Pra mim uma prova contundente de que o saudosismo é capaz de produzir coisas maravilhosas, ao contrário do que costumam dizer os que fazem questão de se mostrar em total sintonia com a modernidade. Que fique claro, não é o meu caso. Tenho, aliás, sérias restrições no que diz respeito a modernidade.
É que nestes dias em que os desfiles de carnaval invadiram a grande mídia ouvi muita gente se deixar tomar por um certo saudosismo, o que reforçou a minha lembrança de tão sonora marchinha. Ouvi muita gente dizer por aí que o carnaval virou um grande negócio, que perdeu seu clima romântico, que já não é mais aquele.
E foi ouvindo tais observações, tais lamentos, que em dado momento a comparação com o futebol se fez inevitável. Uma similaridade que vai muito além dessas ricas campanhas para vender cerveja, que se alimentam nos dois casos de uma euforia muito parecida.
No futebol também tem sido assim. Há muita gente por aí saudosista, dizendo que o futebol não é mais aquele. Confesso que há muito tempo o carnaval deixou de ser sinônimo de diversão pra mim. Faz anos que me rendo apenas aos grandes truques de cena levados pra avenida, truques que jamais escapam da cobertura jornalística, justamente onde eu acabo sabendo deles. Foi o que aconteceu este ano com os integrantes daquela comissão de frente que subitamente perdiam suas cabeças. Achei o máximo. Grande sacada.
Seria muito bom se os homens da bola tomassem esse espírito emprestado e se esmerassem na tentativa de levar o jogo a outro patamar. Futebol não é carnaval dirão os puritanos. Realmente não é, mas e daí ? Vai me dizer que tudo já foi inventado em matéria de futebol ?
Partilho dessa ideia de que tanto no carnaval, quanto no futebol, existe algo que se perdeu. E acho triste essa encruzilhada atual em que os dois se encontram. Ambos nasceram sem dinheiro. Ambos ganharam o estrelato graças ao suor de gente simples que pensava, acima de tudo, em se divertir. Ambos tinham o improviso como dogma. Hoje não, no gramado ou na passarela quem cuida do show sabe muito bem que ele custou caro demais para ser colocado sob risco.
Apesar de tudo, arrisco dizer que o carnaval tem levado certa vantagem, afinal, nos seus grandes palcos continua se apresentando sempre com casa cheia. Não está exposto a um calendário canibal, ao menos até que um esperto qualquer cheio de dinheiro pra gastar não proponha fazer um desfile no meio do ano usando como maior argumento a flagrante ociosidade dos nossos sambódromos ao longo do ano.
Dirão os modernos que as cifras de um clássico ou a majestade de um desfile na Sapucaí nos dias atuais por si só provam a evolução do nosso futebol e do nosso carnaval. Compreendam, sempre tive certa dificuldade em acreditar que é preciso aceitar de tudo já que o mundo só anda pra frente.
O que sei é que enquanto os refrões de Carlinhos Lyra rondam minha cabeça dizendo que "ninguém mais ouve cantar canções/ ninguém passa mais brincando feliz/e nos corações/saudades e cinza foi o que restou", me recordo também dos versos de Caetano Veloso numa famosa canção que faz parte da trilha sonora do filme Tieta, aquela que diz "Futebol e carnaval/ Nada muda, é tudo escuro/Até onde eu me lembro/ Uma dor que é sempre igual".
Nos gramados ou nas passarelas, nós, brasileiros, estamos todos frente a frente com dois dos nossos maiores espelhos. E ainda bem que existe a arte para nos aclarar os sentidos.
quinta-feira, 10 de março de 2011
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