Não podia perder a deixa que a CBF deu ao se defender no caso da máfia do apito. Não sei se vocês viram isso. Mas para se livrar da pena e, principalmente, pra não ter de abrir o cofre, a nossa poderosa Confederação fez questão de dizer verdades e inverdades.
Escreveu em sua defesa que esse papo de tratar o jogo de bola como paixão nacional é "slogan para vender cerveja", que "o futebol não tem interesse social relevante". E foi além. Fez questão de dizer também que o futebol contribui "para a desinformação do povo, já de si mal aparelhado intelectualmente". Desculpem, mas aí está a pura verdade. Em especial na constatação do "mal aparelhado intelectualmente". Já desdenhar da nossa paixão ludopédica foi afronta, jogo baixo. Inverdade. Como inverdade me parece ser duvidar do "interesse social relevante" desse tipo jogo.
Por exemplo, esta semana a Argentina revirou um pouco mais a sujeira da ditadura imposta naquele país. A figura central dela era o general Jorge Rafael Videla, que com outros réus irá responder por rapto, ocultação e troca de identidade de algumas dezenas de crianças. Para muitos Videla atingiu o auge do poder quando fez da Argentina a sede da Copa do Mundo de 1978. Mundial que terminou com a própria seleção do país conquistando a taça.
Pois um livro lançado três anos atrás - "A vergonha de todos" - relata o fervor popular pelo evento em meio a um regime de terror. Afirma, inclusive, que naquela fatídica partida em que os donos da casa venceram o Peru por seis a zero, tirando o Brasil do caminho, o general Videla fez questão de visitar o vestiário dos peruanos antes do jogo, acompanhado pelo secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger. No discurso teria versado sobre a solidariedade entre os dois povos.
Ora, fosse o futebol um jogo simples, incapaz de mexer com o imaginário de um povo, não creio que generais e ditadores ao longo da história teriam gasto tanto tempo com ele.
Mas sugiro aproveitar a deixa da CBF pra tentar colocar o futebol no seu devido lugar. Como diria um amigo, filósofo do tipo que costuma brilhar pra valer no calor terno das discussões travadas sobre a luz difusa dos botequins: O barato do futebol é que é o homem que está ali. O homem com todas as suas contradições e possibilidades.
Pobre daquele que não vê como o jogo nos vai na alma, como fez questão de lembrar com toda a graça possível, o iluminado Carlos Drummond. Sim, porque o futebol reduzido ao resultado é e será sempre menor, coisa de gente "mal aparelhada".
Há nas entrelinhas de qualquer jogo o embate do homem consigo mesmo. Dar-se por contente com a vitória é aceitar o mínimo. Querem nos fazer acreditar que os derrotados perdem o direito a alegria e devem aceitar com resignação o sarro adversário. Nada disso. É perfeitamente possível ver seu time derrotado e ser feliz.
De que adiantou Nelson Rodrigues nos alertar de que o futebol é a coisa mais importante entre as coisas desimportantes, se o mundo continua cheio de babacas dispostos a arrumar confusão e a matar em nome do futebol? Não existe crime passional quando se trata de futebol. Existe é ignorância.
Os derrotados de hoje serão os vitoriosos de amanhã. Veja, quem diria que o Corinthians sem Roberto Carlos, sem Jucilei, sem Ronaldo, seria imediatamente vitorioso? Vou além, sem medo. Anote aí: Na minha opinião Liedson tem sido muito mais surpreendente do que Ronaldinho Gaúcho.
Que surpresa há em ver um atleta que já foi alçado duas vezes à condição de melhor jogador do mundo conquistar uma Taça Guanabara? Conseguir dar um pouco de alma a um time? Vá lá, o gol de falta que levou o rubro-negro ao título foi bonito, mas esteve longe de ser improvável.
Improvável era apostar que o tal "levezinho" do Corinthians, dois anos mais velho que Ronaldinho, iria fazer o que temos visto nas últimas cinco rodadas. Concordo com o que ouvi outro dia. Liédson anda fazendo gol até quando erra. E isso é demais. Deixemos de lado o futebol levado ao extremo. Vamos curtir o acontecido com um olhar sereno. Vamos aproveitar a deixa que a própria CBF nos deu e nos render ao supremo barato do futebol que é o fato do homem estar ali, totalmente nu, com suas possibilidades e contradições.
Além do mais, se fossemos bem aparelhados intelectualmente escrever aqui que as derrotas futebolísticas não encerram nada seria desnecessário, e eu teria na mão um tema muito mais eloquente e grandioso para vos apresentar. Fazer o quê? O jogo da vida é feito de muitas bolas fora. Não dá pra negar.
quinta-feira, 3 de março de 2011
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