O jogo se deu em algum lugar do interior de Minas Gerais há mais de três decadas. O Cruzeiro tinha pela frente um time modesto, e no elenco um lateral-direito de respeito que atendia pelo nome de Nelinho, tido por muitos como um dos maiores cobradores de falta de todos os tempos. Bastou que ele chegasse na área pela primeira vez para ser abordado por um entusiasmado zagueiro da equipe adversária. Um negro, forte, intimidador. Por isso, não acreditou no que ouviu:
_ Nelinho, quero ver você bater falta!
O Cruzeirense não perdeu a deixa:
_ Faz a falta aí que eu bato.
O zagueiro, determinado, não amarelou. A partir daquele instante não deu mais trégua para o centroavante do Cruzeiro. Já na primeira falta Nelinho tascou o pé na bola, que explodiu na trave e foi parar no meio de campo. A mínima imprecisão do tiro deixou o sujeito ainda mais sedento por testemunhar um gol do lendário lateral. A coisa foi ficando tão escancarada que em determinado momento, dolorido, o centroavante do Cruzeiro bradou:
_ Vou parar de chegar junto! O cara tá fazendo falta pro Nelinho bater!
De tão decidido o zagueiro tratou de escolher outra vítima. Mas a falta de razão que tomou conta do sujeito foi tamanha, que contam os mais entusiasmados que em determinado momento, depois de cavar mais uma falta, ao ver um outro jogador tomar a bola nas mãos, ele se adiantou e foi logo avisando:
_ Quem vai bater é o Nelinho!
O negócio do cara era não dar chance pro azar. Acontece que o tempo foi passando e nada do gol sair. Sabe-se lá que sentimentos estranhos fermentaram no peito daquele apaixonado jogador de defesa .
O fato é que ele não só não poupou esforços, como nem ligou pro ridículo. Uma falta a mais, e seu coração deve ter disparado ao ouvir soar o apito do juiz. Espremido na barreira que se movimentava nervosa, acabou dando uma baita bandeira. Ficou de costas para o cobrador, mirando a própria meta. Situação que tirou o goleiro do time dele do sério:
_Vira pra lá. Olha pra frente, pô!
Aí não teve jeito, ele se traiu:
_ Ê, só você qué vê o gol?
Ninguém entendeu nada! Pra sorte dele a tensão do momento impediu que os companheiros da pequena agremiação compreendessem aquela espécie apaixonada de motim. Nelinho, com o veneno de sempre, mandou a bola na gaveta com direito a curva e tudo, pra delírio do seu mais insano oponente.
* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos
* Agradecimento especial ao amigo Mazinho que, depois de ouvir, dividiu essa história comigo
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
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Um comentário:
É meu amigo Vladir...
Essa é uma das coisas que explica essa paixão desenfreada, frenética e completamente irracional que temos por esse esporte chamado Futebol.
Já pensou se o Brasileiro um dia "acordasse" e se desse conta da força que tem e fizesse mobilizações para problemas sérios como hoje é capaz de fazer pelo futebol e pelo carnaval?
Aí não seria Brasil, não é mesmo?
Grande abraço.
Ton
waguaru@hotmail.com
P.S.: Fui capaz de realizar na minha mente esse seu bate papo com seu amigo, contando essa história... São essas coisas que valem a pena na vida...
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