sexta-feira, 13 de junho de 2008

Complexo de vira-lata

Este mês de junho tem sido um grande remake. E pouquíssimas datas na história do futebol brasileiro merecem tanta reverência quanto essa que se avizinha, redonda como a própria bola. Os 50 anos de 58!Nossa primeira Copa do Mundo. O ponto alto foi 29 de junho.

Mas a sensação que tenho é que estamos vivendo a antítese daqueles dias. Nosso escrete perdeu o brilho.Andamos descrentes, mesmo que os nomes daqueles heróis ainda soem retumbantes. Nilton Santos, Djalma Santos, Vavá.

Meio século depois cá estamos nós, ressabiados de ter que enfrentar o Paraguai, em Assunção. Já ouvi até que, na fase atual, um empate contra a Argentina, no Mineirão, seria bom resultado. Ah! Se fossem outros tempos.

O futuro do futebol campeão do mundo em 1958 se encheu de cifras, de contratos, de liberações negadas. Capitalizamos cada glória. Demos à seleção brasileira um ar de “internacional”. A transformamos em um produto com categoria suficiente para ser sensação em qualquer canto do planeta. Criamos números para justificar o argumento de que nosso futebol está cada vez maior. Ainda que não seja exatamente nos campos.

Antes, vestiam nossa camisa os que representavam a fina flor da bola. Agora, os melhores estão longe do time, e não lhes falta futebol. No passado nosso jeito de jogar deslumbrava a nação. Era uma outra maravilha do país que se revelava o país da bossa.

Não, não vou me render à exaltação barata. Nada de ilusão. Mesmo lá, em outros tempos, a seleção nem sempre era espetacular, nem sempre tinha tempo para treinar.Mas, tanto ontem, quanto hoje, de repente, renascia e derrotava o maior rival. Aconteceu, por exemplo, na Copa Roca, em 1957.

Nelson Rodrigues até escreveu sobre o momento do time: “Sem treino, sem nada, resolveu dar um banho na Argentina. E nós sabemos que um craque patrício zangado é uma força incontível...”
Atualmente, o Dunga é que faz o papel do zangado.Isso enquanto os craques patrícios estão cada vez mais distantes de terem motivos para se zangar.

Vivemos uma época de derrotas inéditas. Perdemos pela primeira vez nas eliminatórias. Perdemos pela primeira vez para a Venezuela. Tornamos evidente nossa desconfiança..
No presente, já não parece tão improvável ter que rezar para os deuses da bola nos darem um lugar na próxima Copa.

Terá sido o fim do mundo? Por certo que não. O pior é essa desilusão nos fazer viajar no tempo, e nos levar de volta ao passado, bem antes da Copa de 58, quando ainda não havíamos nos livrado do tal Complexo de vira-lata.


*artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

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