quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Uma aposta quase inocente



Aposta já foi coisa inocente. Houve um tempo em que elas, mesmo podendo ter um viés pernicioso, emprestavam certa graça ao cotidiano. E não foi à toa que acabaram infestando o mundo do futebol. Pode-se apostar em tudo. Que vai, ou não vai, chover. Que você, num arroubo de valentia, vai pagar trinta flexões sob o olhar incrédulo de quem topou a parada. Mas o futebol com essa alma de jogo indomável sempre lhe foi terreno fértil.  Nunca me esqueço que certa vez um editor de imagens, muito dado a esse tipo de desafio, fez questão de travar duelo com um outro editor, palmeirense, tendo em vista o derby que o final de semana lhes reservava. 

Mas o que fez desse episódio algo inesquecível foi a trama que se deu tendo a contenda como ponto de partida. O corintiano era falastrão. Não costumava deixar passar batida a mínima gracinha sugerindo que o time dele não seria capaz de lhe ofertar uma vitória em campo e, por tabela, nas apostas, nas quais nunca pensou duas vezes pra aceitar. Ocorre que certa vez o desafiante, não contente em tirar dele umas cervejas, propôs que o perdedor teria de vestir a camisa do rival. Como o desafiado não era de fugir da raia, deram-se as mãos e esperaram com ansiedade o desenlace que o deus do futebol ia perpetrar.  

O que se deu foi que o corintiano perdeu. E encarecidamente pediu que o pagamento da aposta fosse feito de forma reservada. Ocorre que todo mundo queria, claro, saber como a coisa ia se dar.  E o mais sacana deles fez questão de se esconder perto do lugar marcado e quando o homem vestiu a camisa do Palmeiras saltou na frente dele e fez o clique. Estava registrado para sempre aquele gesto que não durou mais do que uns poucos segundos. Foi colocar e tirar a camisa. Mas o registro ficou durante anos pregado no quadro de fotografias do departamento. O mais legal dessa história é ter visto que na foto o perdedor tinha no rosto um sorriso bonachão, de quem levou a brincadeira na esportiva, como diziam antigamente. 

E olha que o homem é dono de um vozeirão desses que por si só impõe e respeito. E nunca foi um cara de modos suaves, apesar do imenso coração. Essa lembrança me veio depois de eu ter ficado sabendo que o STF decidiu que cartão forçado - a pedido de apostador - não é manipular resultado. E isso quase me fundiu a cuca. Primeiro porque dá uma ideia de como aposta virou coisa séria. Em segundo porque sou capaz de entender que apurar se um cartão foi, ou não foi forçado, é tão difícil quanto decretar que esse ou aquele boleiro deu "migué". E quantos por aí mesmo sem prova viraram sinônimo disso. 

Agora, quem é que pode afirmar que um cartão forçado, feito a pedidos, não manipulou resultado se as casas de apostas topam remunerar quem acerta quantas vezes eles serão vistos em uma partida? Digo a vocês que sou capaz de entender que a sentença queira estabelecer que manipular resultado venha a ser alterar diretamente um placar. Mas discordo. E não me peçam para chegar a alguma conclusão que isso aqui é só um artigo e não um tribunal. De minha parte estou convencido de que isso não vai ficar assim. E digo a razão. Pode-se até dizer que não houve manipulação do resultado, mas manipulação houve, nem que tenha sido a da realidade que cercava o jogo. E vos digo mais. O futebol pode até deixar uma questão dessas  barato, mas as casas de apostas, duvido. É grana que está em jogo. Quer apostar?    

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