A vida não se divide em capítulos, disse Emilio Renzi ao barman do El Cervatillo naquela tarde, com os cotovelos apoiados no balcão, em pé diante do espelho e das garrafas de uísque, vodca e tequila que se alinhavam nas prateleiras do bar. Sempre me intrigou o modo irreal mas matemático em que ordenamos os dias, disse. O próprio calendário já é uma prisão insensata sobre a experiência porque impõe uma ordem cronológica a uma duração que flui sem critério algum.
O calendário aprisiona os dias, e é provável que essa mania classificatória tenha influenciado a moral dos homens, disse Renzi sorrindo para o barman. Falo por mim, disse, que escrevo um diário, e os diários só obedecem à progressão dos dias, meses e anos. Não há outra coisa que possa definir um diário, não é o material autobiográfico, não é a confissão íntima, nem sequer é o registro da vida de quem o escreve que o define; simplesmente, disse Renzi, é a ordenação do escrito pelos dias da semana e os meses do ano. Só isso, disse satisfeito.
Você pode escrever qualquer coisa, por exemplo, uma progressão matemática, uma lista da lavanderia ou o relato minucioso de uma conversa num bar com o uruguaio que atende o balcão ou, como no meu caso, uma mistura inesperada de detalhes ou encontros com amigos ou testemunhos de acontecimentos vividos, tudo isso pode ser escrito, mas será um diário apenas e exclusivamente se você anotar o dia, o mês, o ano, ou uma dessas três formas de nos orientarmos na corrente do tempo.
2 comentários:
Grande Vladir Lemos! Muito bom te ver por aqui, meu caro. Bons tempos de Facos. Deus te proteja e abençoe sempre. Abs.
Ànós. Aquele abraço
Postar um comentário