sexta-feira, 25 de junho de 2021

A medida da grana



Se tem uma coisa que pode rivalizar em complexidade com o futebol é a economia, ainda que seja capaz de consequências infinitamente mais nefastas. Perto dela  o futebol poderia até parecer um santo mesmo tendo criado pra si uma economia toda própria onde equilíbrio e lucro são coisas que praticamente inexistem. O que também vem a ser uma abstração pois duvido que tantos lhe devotassem a vida não existissem ganhos. Esse papo de que se faz por amor não cola. É o mesmo caso do político que se diz convencido de que nasceu para servir, mas por um desses acasos se entregam a ofícios muito bem remunerados cercados de poder, sem o qual, dizem eles, nada poderia ser feito de verdade. Inexplicavelmente nunca pensam em se devotar a entidades como as Casas André Luiz ou o Exército da Salvação. 

O tema econômico está longe de ser meu favorito, mas não resisti à tentação depois de ver o craque Cristiano Ronaldo desenhar durante uma coletiva um pequeno lance que as manchetes diriam mais tarde custou caro. Não exatamente pra ele. Vocês devem ter visto a cena. Ao sentar para conceder uma entrevista coletiva tinha à sua frente duas pequenas garrafas de Coca Cola e uma outra de água. Olhou as duas por um instante, pegou uma por uma e as tirou de cena. Em seguida, pegou a de água que restava. A ergueu como quem faz um breve brinde e deu um gole rápido. Tinha elegido a água em detrimento do mais famoso dos refrigerantes. Não tardou e os jornais estavam avisando que o pequeno gesto do jogador português tinha feito a fabricante perder quase instantaneamente quatro bilhões de reais. As ações tinham despencado. 

Cristiano Ronaldo é sabidamente um jogador que se cuida, tido como alguém que elevou o patamar da preparação física. Corre por aí até uma história que, não sei se é verídica, de que certo dia o lateral brasileiro Marcelo foi visitá-lo e depois de ter jantado com o astro acabou surpreendido por um convite para acompanhá-lo até a academia pois o anfitrião não podia deixar de cumprir sua rotina de exercícios. A pergunta que me veio é: haveria outro modo de analisar esse gesto ou só apenas esse mercadologicamente mais óbvio? Sabidamente a garotada ama Cristiano Ronaldo, o copia, quer ser como ele. Quanto dinheiro será, a partir daquele pequeno gesto, economizado em saúde se um sem fim de guris ao largo desse nosso planeta mal tratado depois daquilo passarem a preferir tomar água e não refrigerante? Ou terá algum curioso incurável ido atrás de quanto valorizaram as ações da bendita empresa de água envolvida no episódio? Era a mesma? 




Eu sei, não são equações fáceis.  Quem leu com atenção a notícia deve ter notado que apesar do gesto e da baixa nas ações terem ocorrido em momentos muito próximos não existiam provas que pudessem ligar uma coisa à outra.  Quem se interessou ainda mais ficou sabendo que naquele dias as ações já vinham caindo bem antes do gesto de Cristiano. E que esse acompanhamento tem certo atraso já que a maior parte das agências prefere não pagar para ter esse tipo de informação em tempo real. Esperam que seja publicada. De qualquer forma o que ficou foi o poder da manchete. Um suposto tombo bilionário causado pelo mais banal dos gestos de um craque. 

Curiosamente, tentei descobrir quantos as ações estavam valendo hoje. Os números me driblaram. Tudo bem tratava-se de um patrocinador do torneio que Cristiano Ronaldo disputava, e do qual é o maior artilheiro, o que mais vitórias obteve. Um símbolo, enfim. Mas o jogador português, como o fato fez a imprensa recordar, já tinha criticado o consumo de refrigerantes tempos atrás ao falar sobre a alimentação de um de seus filhos. E como bem lembrou o técnico alemão que seria seu adversário dias depois: Cristiano faz muito mais do que livrar-se de garrafas de refrigerante. Mas como sempre deixaram de falar na atitude em si para reduzir tudo à velha e implacável medida da grana.

Nenhum comentário: