A intenção pode ter sido das melhores. O Barão de Coubertin pode merecer absolvição. Mas que os Jogos Olímpicos há tempos tomaram outro rumo não resta dúvida. Talvez para lhe resgatar o espírito, fosse necessário lhe dar um quê da várzea. Um jeitão simplório que realmente nos convencesse de que se trata de algo feito para todos. Mas vimos de perto do que se trata. Os elefantes brancos andam por aí na outrora irresistível paisagem carioca. Sem falar no fato de que uma vez apagada a chama olímpica o COI lava as mãos. Uma postura coerente e cidadã seria se sentir de algum modo responsável quando o legado não vem ou quando as contas saem do controle.
É claro que o tema me fisgou por conta do descontentamento que os japoneses vão fazendo questão de mostrar com relação aos Jogos de Tóquio, adiados para o ano que vem por conta da pandemia. E mais recentemente pelas declarações descabidas e insensíveis do vice do COI, John Coates, e depois da Ministra da Olimpíada de Tóquio, Seiko Hashimoto. O primeiro afirmou que a Olimpíada será realizada "com ou sem covid". E a ministra, que os Jogos serão realizados "a qualquer preço". Aos poucos vamos vendo que nem os japoneses, que reconhecemos entre outras virtudes pela honestidade e pelo pragmatismo, são capazes de não se macular por esse tipo de evento. Ou pelo que ele virou.
Vejam, a previsão inicial de gastos era da ordem de seis bilhões de dólares, cerca de trinta e seis bilhões de reais. O adiamento trará novos gastos. Mas na última vez que se falou nisso por lá - pois não se fala sempre - foi em dezembro de 2018. E a conta já havia saltado para assustadores doze bilhões e seiscentos milhões de dólares, ou sessenta e cinco bilhões e meio de reais. Semanas atrás a capital japonesa foi palco de um protesto. Inversamente proporcional a essa conta. Cerca de uma centena de pessoas se reuniram e pediram não só o cancelamento da edição marcada para Tóquio, mas também das próximas marcadas para as cidades de Paris e Los Angeles. Isso mesmo! Pediram o fim dos jogos, por considerá-los desnecessários aos cidadãos do mundo.
Posso ter dúvidas sobre acabar com eles, mas não tenho nenhuma sobre a necessidade de se colocar de uma vez por todas um fim em gastos dessa dimensão. Confesso que no último ciclo olímpico quando cidades importantes desistiram da candidatura tive a impressão de que veríamos algum movimento nesse sentido. Sensação que encontrava amparo também na realidade que estávamos vivendo ao ver a conta dos jogos do Rio e suas promessas não cumpridas pairando como fantasmas sobre nossas cabeças. Pensei que o mundo tivesse tido uma boa prova de que era preciso mudar.
Mas a máquina olímpica é insaciável. Mesmo com todos os engasgos econômicos do planeta os nossos mais de quarenta bilhões de gastos com os jogos já foram ultrapassados com larga margem. Um recorde de cifras que enche os olhos de alguns mas que soa infinitamente descabido. Uma realidade que elucida o que virou o esporte. Uma realidade que desvirtua. Enquanto a beleza resiste. Ou alguém duvida que ver um dia um homem conseguir correr os cem metros abaixo de nove segundos e cinquenta centésimos deixará de ser raro e belo só porque o estádio que abriga a pista em que ele corria não foi reformado ou é velho?
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