Praia do Sangava |
O mar tem em minha história pessoal papel dos mais importantes. Não fosse ele acredito que até minha relação com o esporte seria outra. Por exemplo, a primeira imagem que trago comigo depois de ter descoberto o surfe não é de uma manobra, nem de uma onda. É a de sentir minhas narinas tomadas por um ar impregnado de sal. Em meio a uma imensidão de espumas brancas, tentando chegar a algum lugar, envolvido por uma água de tom verde, que esse meu mar infelizmente foi perdendo ao longo do tempo. Uma memória que tinha tudo para ser de pânico mas que eu trago comigo como se tivesse sido uma benção suave. Depois o que veio foi uma comunhão com ele que eu não canso de renovar.
Antes disso tinha andado me divertindo em outros recortes das mesmas águas, fazendo aulas de remo que eram ministradas na sede náutica do Clube Tumiaru, que ficava no bairro do Japuí, no caminho da Praia Grande. Um envolvimento que poderia ter sido mais duradouro não fosse a dificuldade pra chegar lá naquele tempo. Nada a ver com o fato de o professor - Ari - também ser na época meu professor de matemática, nem com a exigência de uma grande disciplina. Quem pensava em chegar e ir logo desfrutando do prazer de remar se dava mal, caia logo na real.
As aulas, que iniciavam antes das seis da manhã, começavam com os pretensos remadores tendo de dar conta de um sem fim de cuidados que a embarcação exigia para, na sequência, encarar uma dose de ginástica capaz de deixar pelo caminho qualquer um que não tivesse realmente disposto. Mas a sensação do barco com quatro remadores deslizando na flor da água, numa cadência sinfônica e quase silenciosa nunca esqueci. Como jamais esqueci que em uma das aulas passamos por baixo da Ponte do Mar Pequeno no exato instante em que ela estava sendo inaugurada. Lembro bem do estampido dos rojões bem perto dos nossos ouvidos. Curioso, fui ver a data em que o fato se deu. Dezembro de 1981. Eu tinha acabado de completar quatorze anos.
Houve também um tempo em minha vida em que a grande diversão era mergulhar, praticar apneia, curtição que fez o destino de muitos dos meus domingos ser a praia do Sangava, onde chegávamos de manhãzinha e só saíamos de cena quase junto com o sol. O tempo passou. E, mesmo mais distante, o mar segue sendo para mim como uma igreja. Queria ter aprendido mais. Até hoje pouco sei dos ventos. Gostaria muito de saber já que é um jeito de entender seus humores. Mas o mar, modestamente, aprendi a ler. Com a humildade que se deve dispensar ao tentar compreender as coisas indomáveis.
Não faz muito tempo ouvi o navegador, Amyr Klink, fazer uma observação que tem a ver com tudo isso. Disse ele que uma coisa é gostar do mar e outra, infinitamente diferente, gostar de praia. Olhando para mim hoje vejo que viver nestas margens atlânticas me fez gostar dos dois, ainda que ciente do quão o mar é mais profundo. E se divido com vocês tudo isso justo quando os dias nos roubaram o circo esportivo e vieram nos impor esse quase flagelo é porque até agora nada mexeu mais comigo do que ver essa nossa praia sem viva alma.
* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP
Um comentário:
as praias sem almas humanas nos fazem ver a alma do mar
Postar um comentário