quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Um personagem original


O futebol brasileiro não empobreceu apenas no que diz respeito ao jogo, anda pobre de personagens. Coisas distintas embora intimamente ligadas. À parte a visível contribuição que tem dado em termos técnicos, Fernando Diniz, agora treinador do São Paulo, tem além de tudo se revelado um personagem de contornos singulares e por esse motivo importante. A afirmação poderia ser embasada tão somente no modo de atuação das equipes que tem comandado nos últimos anos e das quais o audacioso Audax provavelmente seja a maior expressão, ainda que Diniz tenha mostrado estilo antes, ao iniciar a carreira de treinador em times modestos que fizeram ele - logo de cara - bicampeão da Copa Paulista.

Mas acredito que o melhor retrato que possa ser traçado desse profissional esteja num detalhe sobre o qual tenho a impressão até de já ter citado. Se deu em palestra recente organizada pela CBF. Falaram por lá, exatamente nessa ordem, o técnico da Seleção Brasileira, Tite, depois o técnico Santista, Jorge Sampaoli e, por último, Fernando Diniz. A simples presença dele por lá já era muito significativa, esclarecedora. Todos sabemos que há um sem fim de nomes que poderiam ter lhe ocupado o lugar sem que isso causasse a menor estranheza. Sob certa ótica o que seria de se estranhar era justamente a presença de Fernando Diniz entre eles. Estava ali, ainda que totalmente despercebida,  uma prova do reconhecimento de sua importância para o futebol brasileiro. Qualquer outro nome soaria como mais do mesmo, Diniz, não.

É certo que ele está atrás de outros triunfos, mas inteligente que é deve ter consciência de que ganhar campeonatos amplificará sua liberdade e lhe trará horizontes muito mais largos na hora de pensar seus times. Mas além do significado de sua presença lá, o novo treinador do time do Morumbi tratou de deixar muito claro o que lhe faz diferente dos demais. Enquanto Tite e Sampaoli trilharam o caminho das explanações táticas ancorados em power points, Diniz subiu ao palco e de microfone em punho foi logo avisando que não usaria nenhum material daquele tipo para lhe dar suporte e desenhou um discurso que tinha como ponto de partida a angustia. Isso mesmo meus amigos, a angústia, que lhe tinha sido uma grande adversária nos tempos de jogador e que ele, de alguma forma, não queria que viesse a vitimar seus comandados. É, ou não é original?

De ar tímido, formado em Psicologia, visivelmente preocupado com sua formação intelectual - a não ser para aqueles para os quais a conquista de um título soa como a conquista do paraíso - Fernando Diniz não precisa se preocupar em provar coisa alguma.  Só os que não conseguiram ver o dna do que ele pensa refletido no modo de atuar do Athlético Paranaense pré Tiago Nunes, ou não perceberam o quão personalista era aquele Fluminense recém treinado por ele é que irão parir dúvidas a respeito da escolha feita pelo São Paulo.  Em última instância talvez o grande desafio de Diniz seja convencer o torcedor tricolor de que ele vale a aposta.  Outra grande distinção de Diniz está no fato de que neste momento de polarização em que se coloca Sampaoli e Jorge Jesus de um lado e os treinadores brasileiros de outro fica muito claro que o novo técnico do São Paulo não se parece em nada com os seus compatriotas.


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

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