Eu sei, hoje à noite tem Brasil em campo de novo. Mas quero propor outro tema. Uma reflexão. Que me perdoem os entusiastas. Os que se entregam a um modo de torcer quase cego quando o assunto é a seleção brasileira. E nesse momento é bom que se frise que falo da masculina. O que vou colocar aqui não tem nada a ver com o jogo propriamente, nem com a vontade de ver esse ou aquele jogador na condição de titular. Até porque nem sou capaz de afirmar que tenha existido um tempo em que um jogador em ótima fase tenha tido plena garantia de que teria essa condição assegurada. Há uma lista imensa de preteridos ao longo do tempo que poderia servir de amparo à minha suspeita. O jogo de bola desde sempre teve interesses que transbordaram as quatro linhas ignorando o que se dava dentro delas.
Quero falar é da vaia. Coisa que andou assombrando o escrete brasileiro no início dessa Copa América. E já queria mesmo antes de Daniel Alves dar aquela tremenda bola fora dizendo que quem vaia a Seleção vaia o país. Não entendeu nada. E pelo jeito também não deve ter notado que o país a anda merecendo. A vaia é muito mais do que simplesmente o antônimo do aplauso. O aplauso não é tão complexo. A vaia é. E é um patrimônio do torcedor, sua grande arma. A vaia é de uso geral. Costuma causar quase sempre efeito imediato. E por incrível que pareça quase nunca é decantada. A vaia é acima de tudo elegante, dispensa absolutamente o acompanhamento de qualquer palavrão. Quase sempre se revela justa mesmo quando traz com ela algo de escárnio.
E quanto mais densa, arrisco dizer, mais se veste dessa qualidade. Não é a toa que, em geral, quase sempre se manifesta amparada por uma multidão. Não que não se possa vaiar sozinho. É possível, mas chega a soar como uma traição à sua natureza. A vaia é capaz de traduzir sutilezas do que só um torcedor vê e sente. Tem em si a beleza da rebeldia, mas não se encerra nela. É muito mais. A vaia é como um trunfo, e traz consigo a beleza das coisas que não pertencem aos catedráticos, aos entendidos. A vaia é o povão. Quer coisa mais linda?
Impiedosa, e como. A vaia tá sempre de flerte com a indignação. Mas quando digo que é impiedosa não a pense como algo puramente cruel. Muitas vezes ela é o desafio que o homem precisa pra se superar. E nessa condição já ajudou a escrever lindas páginas ao longo da história. Talvez a mais famosa delas amparada naquela vaia imensa que Julinho Botelho ouviu certa vez no Maracanã ao ocupar o lugar do mítico Mané Garrincha. Vaia que numa alquimia rara se deixou transformar num aplauso capaz de se tornar eterno. Prova cabal de que mesmo temida traz em si a beleza das coisas que se deixam reinventar.
A vaia tem um amargor insuportável. É sintomática. A vaia é profunda. E se tem um antídoto este exige uma fórmula feita na hora, especialmente manipulada para cada situação. O que não é fácil. O caso de Tite é emblemático nesse sentido. Dizer que o homem não entende do riscado é descabido. E por mais que diante da Bolívia o time brasileiro tenha conseguido dilui-la com três gols, o ressurgimento dela nas arquibancadas da Fonte Nova, em Salvador, sugere a exigência de métodos mais eficazes para anulá-la. Enfim, a vaia, meus amigos, mesmo indesejada, é linda.
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